“Vai ser estranho não ver o Papa amanhã”
06-08-2023 - 17:12
 • Fábio Monteiro

Voluntários “cavalgaram” onda, que tornou possível a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, despediram-se do Papa Francisco, no Passeio Marítimo de Algés, em Oeiras. Apesar do cansaço, do sol tórrido, jovens – de 140 países – partilham sentido de “missão cumprida”.

Cerca de 25 mil voluntários fizeram a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, que está prestes a terminar, acontecer. Serviram de seguranças, fizeram limpezas, orientaram peregrinos perdidos.

Ainda antes de partir rumo ao Vaticano, o Papa Francisco fez questão, por isso, de se encontrar com este grupo de jovens - vindos de 140 países diferentes - no Passeio Marítimo de Algés. E de lhes deixar um apelo: que sejam “surfistas do amor”.

Naquele que pode ser descrito como um momento (quase) intimista, tendo em conta o mar de peregrinos que, nos últimos dias, inundou o Parque Eduardo VII e Parque Tejo, o Papa circulou alguns minutos pelo meio dos voluntários. E estes não perderam a oportunidade de o aplaudir e cantar, mais uma vez, as palavras destes dias: “Esta é a juventude do Papa.”

Na sua mensagem de agradecimento, o Papa lembrou o esforço feito pelos voluntários. “Correstes tanto, mas não numa corrida frenética e sem meta que às vezes carateriza o nosso mundo; esse tipo de corrida não leva ao encontro com os outros, podendo até tornar-se uma fuga das relações”, disse.

Com uma referência surpresa às famosas ondas gigantes da Nazaré, o Papa desafiou os voluntários a “dilatar o coração” e serem “surfistas do amor”. Ou seja, a aproveitarem a energia e o balanço consigo na JMJ.

“Como sabem muitos de vós, e soube também eu, existe a norte de Lisboa uma localidade – Nazaré – onde se podem admirar ondas que chegam aos trinta metros de altura tornando-se uma atração mundial, especialmente para os surfistas que as cavalgam. Nestes dias, também vós enfrentastes uma onda enorme, não de água, mas de jovens que afluíram a esta cidade. Mas, com a ajuda de Deus, com tanta generosidade e apoiando-vos mutuamente, conseguistes cavalgar esta onda grande. Esta levou-vos ainda mais alto. Graças à coragem com que vos lançastes, vistes coisas que não se podem imaginar da terra-firme da inação. Quero dizer-vos: continuai assim, continuai a cavalgar as ondas da caridade, sede surfistas do amor”, disse.

No palco que, ainda há poucas semanas acolheu o festival de música Alive, três voluntários da JMJ partilharam a experiência que viveram nos últimos dias. Quitara falou que “uma vida com Deus é uma aventura”. Francisco de “uma verdadeira peregrinação”, com “bolhas nos pés” e “coração cheio”. Filipe de uma “experiência de comunidade eclesiástica”.

Por sua vez, o cardeal-patriarca de Lisboa, Dom Manuel Clemente, deixou um agradecimento ao Papa “pelas suas palavras e gestos” e também ao voluntário número um da JMJ: Dom Américo Aguiar.

Exaustos, mas presentes

Para dizer adeus ao Papa Francisco, muitos voluntários da JMJ tiveram de recorrer às suas reservas de energias. A última semana foi dura. Em Algés, com o sol tórrido, muitos procuraram pontos de sombra.

A Renascença encontrou Renato e Verónica debaixo de uma mesa, a almoçarem bifanas. Com as faces rosadas, sinal de cansaço e sol, ambos confessaram estar exaustos.

O trabalho de receberem e tratarem do alojamento de peregrinos, num agrupamento de escolas de Marvila, deixou-os assim.

“Estou exausta. Cheguei a meio e eu só queria dormir. Hoje, por exemplo, adormeci ali [no recinto] no meio do chão. Nós estamos exaustos, mesmo. É muito trabalho. Nós vamos dormir muito tarde, acordamos muito cedo. Os pequenos-almoços têm de ser servidos de madrugada muitas vezes”, explica Verónica.

A rir-se, Renato diz que sente “um bocado de alívio” pela JMJ estar a terminar. “Foi uma semana em cheio, com muitas culturas. Mas cansativa”, nota.

Encostada ao tronco de uma árvore, vestida de escuteira, Mafalda Bessa fuma um cigarro. A jovem está rouca, tal foi a efervescência da JMJ. “Voz de cansaço e muita emoção, que foi ver o Papa a passar e ver toda a gente muito emocionada”, conta.

Mafalda foi segurança tanto no Parque Eduardo VII como no Parque Tejo, “um trabalho muito difícil, que exige muito controlo e dedicação, mas vale 100% a pena”.

Apesar do cansaço, afirma que para o Papa "há sempre energia". "Acho que os voluntários estão muito, muito, muito cansados. Mas é um cansaço bom. Que dava para cansar ainda mais, se fosse por esta causa, se fosse por este movimento", diz.

Tal como Mafalda, João Belo foi voluntário da segurança na JMJ. Sentado numa manta, debaixo da sombra de uma árvore, diz à Renascença que está “suado, cansado e a precisar de um banho”. Mas acrescenta: “Estou alegre. Vi o Papa quatro vezes em quatro dias.”

O jovem voluntário, que se inscreveu por incentivo de um amigo, descreve estar diante do Papa como algo “incrível”, uma experiência semelhante àquela que a mãe lhe contava em casa, de uma ida à Polónia para estar com João Paulo II, ainda antes de existir a Jornada Mundial da Juventude. “Comiam rações, dormiam em tendas militares. E eu pensei: quero ir.”

Agora, na despedida, por contraste, o que sente é estranheza. “Vai ser estranho não ver o Papa mais um dia. Vi-o quatro dias seguidos. Vai ser estranho. Mas tem de ser, tudo tem um fim.”