Migrantes na Grécia. Presidente da Médicos Sem Fronteiras viu "condições desumanas"
29-11-2019 - 17:18
 • Vasco Gandra, correspondente em Bruxelas

Christos Christou esteve nas ilhas gregas de Samos e Lesbos e ficou "chocado" com a falta de condições, nomeadamente das crianças. "Temos que fazer algo já", instou.

O presidente da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras Internacional (MSF), Christos Christou, acaba de chegar dos campos de refugiados e migrantes das ilhas gregas de Samos e Lesbos, onde encontrou "condições de vida desumanas".

Em entrevista à Renascença, de passagem por Bruxelas onde esteve para alertar sobre a situação, o presidente da MSF diz-se "chocado e devastado" com as condições sanitárias e de higiene e com a fragilidade da saúde física e mental de muitas pessoas, entra as quais crianças.

Christou apela aos governos europeus, incluindo o português, para em conjunto evacuarem de emergência as cerca de 36 mil pessoas que se encontram nas ilhas gregas - entre as quais cerca de 13 mil crianças - e as reinstalarem nos estados-membros da União Europeia (UE).

Médico especialista em cirurgias de urgência, que já interveio em operações humanitárias em países como o Iraque ou o Sudão, diz nunca ter pensado encontrar estas situações na Europa do século XXI.

Que situação encontrou nas ilhas gregas que visitou?

Estou chocado e devastado com as condições desumanas em que as pessoas vivem. Só para lhe dar uma ideia, estamos a falar de sítios dentro e fora dos campos onde há uma latrina para 200 ou até 300 pessoas, quando a norma internacional é de uma latrina para cada 20 pessoas.

Reparámos que é muito difícil terem acesso a serviços de saúde básicos e por vezes a medicamentos. E isto está relacionado com um labirinto de várias barreiras levantadas estes últimos anos, evitando que as pessoas tenham acesso ao que precisam. Também ouvi da parte de pacientes e do nosso pessoal testemunhos sobre perturbações psicológicas complexas de alguns pacientes e também o facto de muitas crianças terem perdido a vontade de comer, beber, brincar e até viver. Chamamos a isto uma perversa síndrome de recusa, que encontramos em alguns pacientes quando perdem a esperança.

Esta é a situação. Estamos a falar de uma situação de mais de 36 mil pessoas mantidas estes últimos anos nas ilhas gregas.

O que pode ser feito do ponto de vista humanitário? Quais são as principais necessidades?

De facto, a abordagem deve ser humanitária, porque as necessidades humanitárias são a prioridade. Vemos sofrimento humano, há pessoas que nem sequer já têm o que chamamos de dignidade humana. Temos que fazer algo já.

O que pedimos aos líderes europeus é a evacuação urgente e imediata destes campos nas ilhas. Pedimos que se comece pelas crianças e pessoas vulneráveis para serem imediatamente evacuadas para a Grécia continental ou outros estados-membros. Porquê? Porque mesmo que hoje se evacuasse automaticamente toda a gente das ilhas para a Grécia continental, ela não teria capacidade nem alojamento seguro suficiente e as pessoas não teriam acesso aos serviços básicos de saúde.

Pede ao governo português que o país receba algumas destas pessoas?

Sim, apelo a cada um dos Estados europeus para que assumam colectivamente a responsabilidade. Apelo a que tenham um abordagem completamente diferente daquela que tiveram até agora. Isto não é um problema que devemos manter fora da nossa porta, é uma questão em que a Europa deve assumir a sua responsabilidade colectivamente. Estamos a falar de seres humanos e vemos que todas as abordagens até agora - como o acordo UE-Turquia - ou o "outsourcing" dos pedidos de asilo não funcionam de todo. Aumentam o sofrimento humano, reforçam as rotas migratórias alternativas, mas muito arriscadas. E no final há mais mortes.

Numa carta aberta diz que os governos europeus optaram por esta situação. Pode explicar o que quer dizer com isso?

Estamos a falar de uma punição colectiva e deliberada de pessoas que procuram segurança na Europa. E, de facto, os líderes europeus decidiram abordar esta complicada questão das migrações tratando estas pessoas como números, ameaças e invasores. O que pedimos é uma mudança de paradigma e que deem prioridade às vidas humanas, que devem estar acima de tudo. Qualquer reforço de acordos - como o entre a UE e a Turquia - vai trazer mais sofrimento.

Todas estas pessoas têm o direito de ficar nos países da UE?

O que estou a dizer é que precisamos primeiro de passagens seguras, rotas seguras para estas pessoas poderem vir. Depois, precisamos de condições humanas para as alojar, respeitando a sua dignidade humana. E depois, aplicando as leis, investigar cada um dos casos destas pessoas como um caso único e dar-lhes uma resposta apropriada.

O que é que este tipo de situações - como nas ilhas gregas - nos dizem sobre a Europa que estamos a construir?

É uma boa pergunta. Não só como trabalhadores humanitários mas também como cidadãos europeus, cidadãos deste mundo, deveríamos estar preocupados pela forma como estas coisas são abordadas. Não só pelos líderes europeus, do outro lado do mundo também acontece a mesma coisa. Em vez de se protegerem vidas humanas e de se tentar respeitar a dignidade humana promove-se a segurança das fronteiras, constroem-se barreiras para impedir que as pessoas se desloquem. Não devemos esquecer que estas pessoas se deslocam porque procuram segurança.

Isto é muito preocupante para mim, como cidadão deste mundo. Porque, no fim de contas, isto é um ataque contra a própria espécie humana.