Óscares pedem desculpa a Sacheen Littlefeather 50 anos depois
16-08-2022 - 18:45
 • Pedro Valente Lima

Ao discursar sobre os problemas da representação dos nativo-americanos no cinema, a atriz do povo Apache foi 'sentenciada' a anos de ataques e discriminação.

Há quase 50 anos, Sacheen Littlefeather foi a primeira nativa americana a subir ao palco dos Óscares. No entanto, uma data que assinalaria uma conquista rapidamente se transformou num pesadelo. Décadas depois, a Academia quer emendar o erro.

Numa carta enviada à atriz, partilhada no site oficial, o presidente da Academia endereça as "mais sentidas desculpas" a Sacheen Littlefeather. David Rubin reconhece que Littlefeather foi alvo de um abuso "injustificado", depois das "declarações poderosas" em defesa do povo nativo-americano, na 45.ª cerimónia dos Óscares.

Além disso, o Museu da Academia pretende reconhecer o trabalho da atriz numa noite de "conversa, regeneração e celebração", a 17 de setembro. A conversa será moderada pelo vice-presidente da Aliança Indígena da Academia, Bird Runningwater.

"Só passaram 50 anos!", reage Sacheen Littlefeather, com algum humor à mistura. A ativista nativo-americana diz ainda ser "profundamente reconfortante" ver o quanto Hollywood mudou desde que discursou na cerimónia mais famosa do cinema.

Em 1973, Marlon Brando recusou receber o Óscar de Melhor Ator pelo papel em "O Padrinho". A razão? O tratamento dado ao povo nativo-americano pela indústria cinematográfica. Para dar voz a essas preocupações, Sacheen Littlefeather foi convidada pelo ator para discursar na cerimónia de entrega dos prémios.

Trajada de acordo com os costumes do povo Apache, a atriz nativo-americana subiu ao palco e rejeitou a estatueta. O discurso durou apenas um minuto, o tempo que lhe tinha sido dado pela produção, sob a ameaça de ser detida em direto caso ultrapassasse os 60 segundos concedidos.

No pouco tempo que esteve em palco, Littlefeather referiu ainda a Ocupação de Wounded Knee, uma pequena vila da Dacota do Sul que havia sido tomada pelo Movimento Indígena Americano. O incidente procurava chamar a atenção para os direitos dos povos nativo-americanos e foi alvo de um blackout dos média, nos Estados Unidos.

Apesar de alguns aplausos da plateia, Sacheen Littlefeather chegou a ser apupada e até fala de um episódio de fúria de John Wayne, famoso ator de filmes western. "Durante o meu discurso, ele estava a dirigir-se a mim para me forçar a sair do palco e teve de ser agarrado por seis seguranças", conta Littlefeather, em entrevista ao The Guardian no ano passado.

Contudo, a humilhação não ficaria por aqui. Momentos depois, e antes de anunciar outra categoria dos Óscares, Clint Eastwood ridicularizou a causa de Littlefeather: "Não sei se devo apresentar este prémio em honra de todos os cowboys alvejados nos westerns do John Ford estes anos todos".

Os anos que se seguiram foram tudo menos fáceis. Aliás, na mesma entrevista ao The Guardian, Sacheen Littlefeather acredita que foi colocada na "lista negra" de Hollywood pelo FBI. "Eu sabia que o J. Edgar Hoover [antigo diretor do FBI] andava a dizer às pessoas da indústria para não me contratarem, sob o risco de cancelar os seus talkshows ou as suas produções", revela.

Agora, e com 75 anos, Sacheen Littlefeather prepara-se para organizar uma sessão de celebração da representação nativo-americana no cinema, a convite do Museu da Academia. Além da conversa, "Uma Noite com Sacheen Littlefeather" conta com várias atividades que procuram "encorajar a reflexão sobre a noite de 1973" e traçar um "futuro de regeneração e celebração".