Aguiar-Branco. "Não podemos transformar a discussão do OE numa moção de censura”
27-09-2024 - 07:00
 • Tomás Anjinho Chagas , Marta Pedreira Mixão (edição vídeo) , Maria Lopes (Público) e Rui Gaudêncio (fotografia, Público)

Presidente da Assembleia da República defende que os portugueses não querem eleições antecipadas, espera "consenso" para aprovar o Orçamento do Estado e acredita que situação atual e a de 2021 (quando Marcelo dissolveu o Parlamento) "não são comparáveis". Antigo ministro da Defesa rejeita que a sua presença na audição da PGR tenha sido uma "forma de intimidação", e afasta-se da corrida a Belém em 2026.

[Oiça aqui a entrevista completa]


O presidente da Assembleia da República (PAR), José Pedro Aguiar-Branco (PSD), pede aos partidos da oposição que não confundam o Orçamento do Estado com uma moção de censura - utilizada para derrubar governos.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal "Público", o antigo ministro da Justiça (no governo de Santana Lopes) e antigo ministro da Defesa (nos governos de Passos Coelho) defende que os portugueses que tem ouvido não querem ir a eleições.

Esta sexta-feira assinalam-se seis meses desde que Aguiar-Branco se tornou presidente da Assembleia da República e o social-democrata assegura que não foi assistir presencialmente à audição da PGR, Lucília Gago, para a intimidar. Sobre o ambiente vivido no Parlamento - na legislatura em que já foram feitas denúncias pelo comportamento de deputados do Chega - o PAR garante que se sente respeitado.

E a corrida a Belém? Está fora do horizonte, Aguiar-Branco diz-se "focado" em ser presidente da Assembleia da República.


[Esta é a primeira parte da entrevista ao presidente da Assembleia da República. Clique aqui para ler a segunda parte, onde Aguiar-Branco sugere que os políticos deviam ser sujeitos a mais transparência, mas deve haver menos incompatibilidades e melhores salários.]


Dentro de pouco mais de um mês, o Parlamento vai votar na generalidade o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). Pelo que vê e ouve, julga que vai ser chumbado?

Eu espero que não seja chumbado. Não podemos deixar que se transforme esta situação numa moção de censura e, portanto, que não tenha a lógica daquilo que é a discussão de um orçamento. O orçamento é nós olharmos para o interesse superior do país e vermos qual é esse interesse superior neste momento. E neste momento acho que os portugueses não querem novas eleições, não compreenderiam que nós, políticos e na Assembleia da República, não encontrássemos o consenso que permitisse não termos uma terceira eleição em três anos.

Quando estamos a discutir o orçamento temos de ter em atenção o compromisso que enquanto deputados fizemos com os eleitores, que votaram para uma legislatura de quatro anos. Foi esse o compromisso, meu, mas também dos líderes partidários eleitos deputados. Quer o Luís Montenegro, quer o Pedro Nuno Santos, quer o André Ventura têm esse compromisso de mandato com o eleitorado que os elegeu para estar quatro.

Devemos fazer todos um esforço, olhar para esse compromisso dos 230 deputados com os eleitores e também não transformarmos este debate numa moção de censura que parece que não é, de todo, o desejado.

Mencionou os dois líderes dos dois maiores partidos da oposição, qual vai ceder? Porque para ser viabilizado algum deles vai ter de ceder.

O Governo está em negociações, parece-me correta a metodologia seguida. Talvez menos correto o facto de se deixar cair na praça pública o que são as intenções no que diz respeito à negociação. Uma negociação deve ser discreta, recatada. Isto não tem nada a ver com opacidade; tem a ver com querermos atingir um resultado que muitas vezes não é possível se tivermos a discussão na praça pública, porque por aí temos que satisfazer outros eleitorados.

Quem está a gerir mal esta negociação não é o Governo, na sua perspetiva, porque preferia que fossem reuniões, chamemos-lhe, discretas; é o PS que está aqui a pôr um bocadinho a areia na engrenagem?

Eu não vou fazer juízos de valor. Acho que a metodologia iniciada foi correta, depois não estou a dizer quem está a fazer bem ou mal, porque quando as coisas são, como se costuma dizer, plantadas ou plantadas na praça pública há sempre resposta e contrarresposta e creio que se distribui um pouco o mal pela aldeia, como se costuma dizer em linguagem popular. Acho que era saudável que se chegasse a um consenso, para haver consenso tem de haver cedências, várias, senão não é consenso.

Dos vários lados.

Sim. Se eu quero impor a minha vontade absoluta é evidente que não trabalho para um consenso, mas acredito que esse esforço está a ser feito.

Não devemos ter uma atitude de censura, devemos ter uma atitude de confiança em relação a quem nos elegeu e quem nos elegeu deseja seguramente que não tenhamos eleições antecipadas. Para além do mais era mau para a economia - como todos os comentadores, analistas e o Presidente têm dito -, mas também tendo em conta os desafios do contexto internacional de guerra, os fundos europeus que temos que aplicar em prazo útil. Acredito no bom senso de todos e no final que vamos ter um orçamento aprovado.

Falou nesse trabalho discreto. Como PAR ainda não teve intervenção neste processo?

Não tive nenhuma intervenção a não ser a expressão da minha opinião sobre o que devia acontecer. Dentro dessa, digamos, magistratura de influência pelo discurso que posso fazer, transmito o que me parece ser o sentir dos portugueses, do que ouço nos meus contactos com as pessoas, a sociedade, nas diversas audiências. Vou colhendo o sentir das organizações, a sensibilidade da sociedade civil em relação ao orçamento e diria que, quase de uma forma unânime, o sentimento é este [deve ser aprovado].

Se não houver orçamento a sua tarefa aparentemente acabará a curto prazo, com eleições antecipadas.

Conforme o que o Presidente da República terá expresso, é isso.

O Governo faz bem em logo à partida recusar governar em duodécimos?

É legítimo que o faça. Muitas vezes criam-se tabus e situações em que as pessoas não sabem bem quais são as consequências de determinado resultado que não se deseja. É saudável que fique clarificado antes - durante o momento necessário para chegarmos a um consenso -, quais são as consequências de não chegarmos a um consenso. Assim temos todos um quadro mais claro e depois cada um tem as suas responsabilidades. Não chegar a um consenso há de ser de responsabilidades repartidas e depois os portugueses hão de, se isso acontecer, na sua expressão eleitoral, no voto, manifestar o seu agrado ou desagrado a quem acharem que é o responsável pela crise que ninguém deseja.

O Presidente da República deveria ser mais claro, como foi com o Governo de António Costa em 2021, em que bem cedo começou a dizer que se não houver orçamento vamos para eleições legislativas antecipadas, que foi coisa que ainda não disse desta vez.

Temos que respeitar os momentos e oportunidades que o Sr. Presidente da República entende para o fazer. Por aquilo que lhe conhecemos, no momento oportuno que ele considerar relevante para que não haja dúvidas quanto às consequências do que pode ser uma não aprovação do orçamento, acredito que o dirá. Portanto, esse juízo de oportunidade só lhe compete a ele e eu não desejaria interferir nisso.

Mas o Presidente não criou aqui uma jurisprudência política ao ter dissolvido o Parlamento em 2021, depois do chumbo do OE2022?

Eu sou jurista de formação e advogado e tenho talvez o vício de achar que é sempre muito difícil comparar situações que não são comparáveis.

No direito é assim, a gente julga que às vezes a situação é exatamente igual e depois não, tem variáveis que são diferentes. As variáveis de hoje são diferentes das variáveis do passado, a composição da Assembleia da República é diferente, a fragmentação que existe hoje é diferente, a correlação de forças é diferente, as experiências adquiridas também ajudam na formação de uma decisão.

É cautelar nunca considerarmos que a situação que estamos a viver é exatamente igual a uma do passado.

Se houver eleições agora, não haveria maioria absoluta do PSD (como o PS teve em 2022), por causa dessa fragmentação?

Agora, depois do jogo acabado, é fácil, mas se formos ao juízo de então não creio que tivesse havido essa certeza de opinião e de que iria haver uma maioria absoluta. Houve surpresa, até para o próprio, por essa maioria absoluta. Há uma diferença entre aquilo que são as expectativas, e depois aquilo que o povo na hora vota; na altura foi inesperada uma maioria absoluta e agora se calhar devemos ter, como costuma dizer o povo, cuidados e caldos de galinha. É muito importante e, portanto, vamos pautar a nossa decisão em função do interesse nacional que nos deve mover nas decisões, nomeadamente numa discussão tão séria como o Orçamento de Estado, e menos daquilo que podem ser os ganhos políticos ou partidários que, se calhar depois, o povo português sanciona de forma diferente.

Com a realidade atual, pode ser ser um presidente a prazo mais curto. Agora que se sabe que Francisco Assis já não será o candidato do PS à segunda parte desse mandato, ainda acha que este foi um bom acordo com o PS?

A prazo estamos sempre... O prazo é que pode ser diferente [risos]. Na altura, perante uma situação complicada de impasse, foi possível chegar a um consenso. Se foi possível num momento delicado, por que não chegar a consenso no orçamento? Porque não chegar a consenso que o povo português espera que tenhamos?

Este mês o Parlamento ouviu finalmente as explicações da Procuradora-geral da República, algo que já tinha sido pedido por si. A sua presença física nesta audição, algo raro por parte de um PAR, não pode ter sido lida como uma intimidação a Lucília Gago?

Não, absolutamente. Primeiro, a senhora procuradora não se sentiu intimidada, porque não tinha razão em [sentir-se]. Pode ver a coisa ao contrário: foi até para qualificar, de uma forma ainda mais relevante do que aquilo que tinha sido tudo que eu fui dizendo a propósito das relações entre o Parlamento e outros órgãos, nomeadamente a Procuradoria-geral da República, e demonstrar que, tal como eu tinha dito, que era bom ir ao Parlamento, que fazia todo sentido ir ao Parlamento, prestar declarações no Parlamento, que é uma coisa positiva e saudável para a democracia. Muitas vezes a falta de comunicação, a falta de diálogo e a falta de, claramente, na Casa da Democracia, se poder referir qual é o seu pensamento em relação a várias matérias que não colidam com o segredo de justiça, e a demonstração é que é possível, a Senhora Procuradora fez os depoimentos sem violar o seu segredo de justiça, que está vinculada pela função que exerce.

Eu quis, ao ir, mostrar o agrado de ver que, finalmente, a Senhora Procuradora tinha disposto a ir, mostrar que o Parlamento, também por mim, naquela situação, não tanto como Presidente da Assembleia da República, mais na qualidade de deputado, porque as questões de natureza formal o exigem, e acho que foi um momento que foi notado, positivo, e que contribuiu para que o debate também se fizesse de forma elevada, porque é isso que nós desejamos.

A Procuradora não violou o segredo de justiça, mas também não deu muitas respostas. Ficou esclarecido como que ouviu?

Primeiro, eu acho que o importante - foi o que quis enfatizar quando disse que a senhora procuradora devia ir ao Parlamento-, é que o ato de ir nem a menoriza, nem interfere nas relações que devem existir entre o mundo da política e da justiça. Não é um elemento perturbador, mas sim um elemento positivo haver, com naturalidade, esse espaço de questionamento, e depois, como é óbvio, o conteúdo do que se diz, aquilo que a Senhora Procuradora ou os seus deputados entendem perguntar, isso depois também já fica da análise política que se queira fazer, interpretativa dos silêncios, das omissões… Há matérias em que fiquei esclarecido e outras em que não.

O Manifesto dos 50 fez um “caderno de encargos” para a escolha do nome para a PGR. Foi de alguma forma envolvido nessa escolha?

Não, nem tinha que ser. Do ponto de vista formal e institucional, não compete ao PAR opinar sobre a pessoa em concreto. No que diz respeito ao perfil, desde que fui ministro da Justiça há 20 anos, tenho referido que é muitíssimo importante numa sociedade mediática que os agentes da Justiça, nomeadamente o PGR, tenham competências de comunicação, forma como age, como comunica, como participa na vida da sociedade. Porque muitas vezes se fazem interpretações que não são justas nem correctas quando se põem em silêncio. Para além da competência técnica, de ser um agente importante para contribuir para uma boa investigação, que tenha capacidade de comunicar, para que contribua para uma justiça mais credível.

Com tantos apelos e manifestos, não há uma ingerência ou uma pressão excessiva da política sobre a justiça?

A justiça é muito mais que o seu procurador. Para quem está identificado com os problemas da justiça sabe muito bem que era bom um pacto para a justiça que tratasse das questões que estão para lá das da mera dimensão penal. É a mais atrativa e mais facilmente percecionada pelas pessoas, mas temos questões de celeridade, de organização, da arquitectura da justiça, relacionadas com as partes de outros tipos de códigos, da justiça administrativa e tributária, que dá dano àquilo que tem a ver com a economia.

A sociedade civil, quando acha que deve exprimir a sua opinião em relação a temas da justiça, acho isso saudável. A qualidade da democracia vai piorando porque as pessoas se alheiam da participação, de contribuírem para um melhor resultado da causa comum. Não podemos, pois, dizer que quando os cidadãos - políticos, engenheiros, advogados e de outras profissões - transmitem a sua opinião estão a exercer uma pressão indevida.

As impressões indevidas seriam se outros órgãos de soberania estivessem a fazer uma intervenção para lá do razoável das suas competências e com isso uma interferência inaceitável. O resto é normal numa sociedade que se deseja proactiva, participativa e que cuide da democracia. E depois o poder político há de saber calibrar esse tipo de intervenção.

Na tomada de posse da Comissão de Inquérito (CPI) à Santa Casa da Misericórdia que as pessoas não devem ter medo de ir à AR. Tem essa sensação? Como se viessem a um tribunal?

É minha percepção e não é de hoje. Muitas vezes se julga que vir à Assembleia é uma situação mais problemática de inquirição. A pessoa vem à Casa da Democracia, vem ao sítio da expressão maior da liberdade. As CPI têm a obrigação e o grande dever de fiscalização, averiguação e escrutínio que compete à Assembleia da República. Devem fazê-lo com rigor para se descobrir a verdade, mas não são um tribunal.

A CPI das gémeas tem ajudado a esclarecer a opinião pública?
As CPI devem contribuir para isso. Nem sempre é fácil. Louvo o esforço dos deputados em tentar que isso aconteça e há matérias em que a CPI tem efectivamente contribuído para esse esclarecimento da verdade.

Ambiente no Parlamento tem melhorado, diz PAR

Há muito barulho e gritos no plenário. Sente que há momentos em que perde o pulso sobre o bom funcionamento dos trabalhos?
Não.

Esta semana ameaçou que suspendia os trabalhos. Tem sentido respeito do plenário para consigo?
Sim, em geral sim. A análise que faço entre o dia 1 [do mandato] e hoje é de uma evolução muito positiva.

Acha que o comportamento melhorou?
Acho. E há uma diferença enorme entre o momento antes e o depois do meu parecer sobre ‘no um entender, pode’ [deputados não podem insultar-se entre si, mas fazê-lo a pessoas externas ao Parlamento – e isso é a liberdade de expressão]. Deve haver espaço para todos dizerem aquilo que bem entendem. Há momentos um bocadinho mais tensos, é normal da prática parlamentar se for ver as actas do plenário.

Ao instituiu o mecanismo de o microfone que se desliga não foi colocar na electrónica a responsabilidade que lhe cabe de gerir os trabalhos e os tempos?
Não. A função maior do presidente no plenário não é ser censor, mas sim garantir que o debate se faça com toda a dimensão democrática. Ou seja, tenho que garantir que o debate não seja condicionado e não condicionar o debate. Esta ferramenta que passou a existir reforça a igualdade de armas entre deputados.

Os plenários mais exaltados não desprestigiam o Parlamento?
Os debates mais exaltados, por si, não desprestigiam. O conteúdo do que se diz, a linguagem desadequada, acho que sim. Há vocabulário que não se deve usar, várias vezes faço referência a isso.

Já cumpriu, em princípio, um quarto do seu mandato. Qual foi a maior dificuldade destes meses?
Há quatro momentos de natureza pessoal que me são marcantes: o da eleição, sui generis, com aqueles contornos; o dia 25 de abril, pelo tipo de discurso que fiz, e a minha ida à avenida para o desfile; e o da minha visão sobre a liberdade de expressão.

Presidenciais. Aguiar-Branco coloca-se longe

Começa a falar-se de presidenciais. Já pensou em entrar nessa corrida?
Não, não. Estou focado na minha função de presidente da Assembleia da República. Quando a pessoa está numa função e pensa noutras coisas faz mal as duas.

Com estas últimas sondagens, que duelo imagina entre Centeno, Marques Mendes e Gouveia e Melo?
Primeiro, a discussão em torno das presidenciais ainda é prematura em relação a outros temas que temos pela frente. Segundo, diz-me a minha experiência de vida e política que o que estamos a falar hoje pode não ter nada a ver com aquilo que vamos falar daqui seis, sete meses. Só mais próximo poderemos fazer, digamos, um juízo prognóstico em relação a essa matéria.