Mais do mesmo…e do que não se quer
29-05-2019 - 06:31

Os efeitos de rearranjo político europeu na sequência das eleições do último domingo ainda não são claros, mas algumas notas já se podem destacar.

A cada eleição realizada, num qualquer país europeu ou para o parlamento europeu, todos os que se preocupam com a democracia sustêm a respiração. Até onde chegará o populismo xenófobo e mentiroso, a extrema-direita e a extrema-esquerda ou os euro-adversários? Os efeitos de rearranjo político europeu na sequência das eleições do último domingo ainda não são claros, mas algumas notas já se podem destacar.

O europeísmo que resiste, minoritário, à sombra demissionária de abstenções gigantescas foi suficiente – por ora – para travar uma vitória dos partidos radicais, antidemocráticos, iliberais ou euro-dissidentes. Há, claro, sinais preocupantes: a vitória de Nigel Farage no Reino Unido; de Marine Le Pen, em França; de Matteo Salvini, em Itália; do Fidesz, na Hungria; e mesmo os 11% da AfD na Alemanha, os 6,2% do Vox em Espanha e a ascensão da extrema-direita na Bélgica. Sendo tudo isto verdade, também vale a pena notar que o Brexit Party é um efeito da derrocada Tory (e Labour); que a vitória europeia de Le Pen não é uma novidade, Macron não está longe e os “coletes amarelos” não chegaram a 1%; que o 5 Estrelas ficou em terceiro lugar em Itália; ou que a votação do Vox desceu. Por toda a parte – isso sim – o xadrez partidário complicou-se, com os partidos tradicionais do “centrão” a perderem muito ou pouco para pequenos partidos, entre os quais se destacam os pequenos-grandes partidos ambientalistas (como o PAN, em Portugal), cuja abrangência e realismo de agendas estão para ser demonstrados. Esta dispersão de votos vai dificultar muito a clarificação dos grupos e alinhamentos parlamentares em Estrasburgo, onde o predomínio do PPE e dos Socialistas/Democratas encolheu, ao ponto de serem necessárias “euro-geringonças”, com inevitáveis efeitos de equilibrismo frágil na composição da Comissão Europeia e na distribuição dos lugares de topo na Europa. Não devemos querer uma Europa iliberal ou euro-adversária, embora não devamos diabolizar todo o nacionalismo como sinónimo de xenofobia populista. O patriotismo e o cosmopolitismo nunca foram incompatíveis.

Curiosamente (ou talvez não), onde o “status quo” tradicional parece resistir melhor é na Península Ibérica. Os 32,8% do PSOE somados aos 20,1% do PP asseguram que, em Espanha, os velhos donos do rotativismo ainda totalizam 52,9% das preferências do eleitorado. Em Portugal, a paisagem é muito semelhante: PS, com 33,4%, e PSD, com 21,9%, ainda perfazem uma maioria absoluta de 55,3%. Penso serem casos únicos na Europa, onde a pulverização partidária parece ser a regra.

Mas que dizer da vitalidade de algumas democracias que estão dentro do sistema – como a portuguesa, felizmente – quando olhamos para a globalidade dos resultados? Para cá da fronteira, as eleições europeias significaram alguma renovação interessante? Duvido. O PS venceu, sem dúvida, apesar de Pedro Marques, mas a “moção de confiança” a António Costa é poucochinha para sonhar com a maioria absoluta em outubro. O BE subiu, sem dúvida, mas já fez melhor. O PAN, na crista da onda, poderá subir mais ainda se tiver artes para substituir o residual PEV e incomodar o minguante PCP. O resto, à esquerda, são aventuras individuais; como aventuras individuais, por ora sem grande expressão, são também, à direita, siglas novas. Isto mostra como, fora do campo socialista, que hoje monopoliza o Estado, os seus recursos, dinheiros e clientelas, é difícil mobilizar eleitorado com um projeto alternativo. Rui Rio dificilmente passará de outubro e o CDS teve, neste domingo, um banho de realidade, a convidar à modéstia. Tudo visto, nada de muito novo, portanto.


Professor da Universidade Católica Portuguesa