O julgamento do denunciante Rui Pinto, que começou na semana passada, trouxe para o espaço público um debate sobre a moralidade dos fins e dos meios. Os fins não justificam os meios, argumentam alguns contra a hipótese de Rui Pinto vir a ser beneficiado na sentença, por ter colaborado com a justiça. Impossível, dizem outros, alegando que as informações que R. Pinto trouxe a público e à Polícia Judiciária foram obtidas de forma ilegal, logo o juiz não as poderá admitir.
Está aqui em causa um antiquíssimo problema moral, antes de ser jurídico. Há quem se guie por princípios considerados absolutos, que jamais devem ser violados, e quem tenha uma visão menos exclusivamente teórica da moral. Os que invocam uma moral utilitarista, pretendem ponderar o crime de acesso ilegítimo a certas informações contra o benefício que essas revelações trouxeram à sociedade.
O utilitarismo não é uma expressão de egoísmo, como por vezes se julga. Pelo contrário, o utilitarista pretende atingir o maior bem possível para o conjunto da sociedade, ainda que a situação piore para o próprio. Dito isto, não perfilho o utilitarismo como doutrina moral dominante. Aliás, creio que na decisão moral se devem tomar em conta contributos de várias doutrinas existentes e não erigir nenhuma regra como princípio absoluto.
Isto nada tem a ver com relativismo ético. É uma posição que Aristóteles defendeu há mais de dois mil anos.
Um exemplo concreto. Suponhamos que eu estou sentado numa esplanada numa praça da cidade onde desembocam várias ruas. A certa altura vejo um homem a fugir e pouco tempo depois surge um outro, munido de uma pistola, com o manifesto intuito de alvejar o fugitivo. Se este perseguidor me pergunta por qual rua fugiu aquele que ele quer balear, não tenho dúvidas em mentir, indicando-lhe uma rua errada. Violei um princípio moral – não mentir – para evitar um assassinato
A aplicação de um princípio moral não dispensa uma avaliação, também moral, das circunstâncias concretas de cada caso particular. É o que Aristóteles chamava a “prudência”, uma infeliz tradução do grego (mas não há outra) que induz erradamente a pensar em cautela, cuidado, etc. A “prudência”, no sentido aristotélico acolhido por S. Tomás de Aquino, é sensibilidade moral à variabilidade indefinida de circunstâncias contingentes.
Os fundamentalistas apegam-se apenas aos princípios, desprezando a apreciação moral das circunstâncias concretas. Esse apego a princípios tornados absolutos revela insegurança e necessidade de certezas que não possam ser postas em causa por particularidades. Mas assim sacrifica-se, ou ignora-se, uma dimensão importante da decisão moral e da vida humana.
Quando se passa da moral prática para o direito, a questão complica-se. As leis são gerais e abstratas, não podem prever todas as circunstâncias e especificidades de cada caso. Aí têm a palavra os constitucionalistas, que, neste caso de Rui Pinto, estão longe da unanimidade.