​O mal-estar de uma geração
23-05-2016 - 07:33

Apesar dos progressos feitos, falta cumprir a democracia e essa passa por um trabalho de formação cívica que deve iniciar-se bem cedo e que mal irá se se limitar a um conjunto de informações e conhecimentos sobre o funcionamento das sociedades democráticas.

O palco do evento era o Cine-Teatro Avenida, em Castelo Branco. O Presidente da República tinha convidado para ali um certo número de estudantes, o ex-presidente, Ramalho Eanes, o constitucionalista Jorge Miranda e, como moderador, o jornalista Joaquim Letria. Motivo: evocar os 40 anos da eleição do primeiro PR em democracia, de resto, um filho da terra.

Eanes não podia ter começado melhor: desafiou os jovens a provocar a mesa, com as suas inquietações e perguntas e dispôs-se a aprender com eles. Mas o relato da sessão que nos foi trazido pelo Público deixa a entender que quem foi, afinal, provocador foi o próprio Ramalho Eanes, ao advertir que “a República de Abril oferece todas as liberdades, mas esqueceu-se que é necessário criar cidadãos, sobretudo através da educação”. “Pouco se fez - acrescentou - para que a cidadania adulta, exigente e participativa existisse".

Apesar dos progressos feitos, falta cumprir a democracia e essa passa por um trabalho de formação cívica que deve iniciar-se bem cedo e que mal irá se se limitar a um conjunto de informações e conhecimentos sobre o funcionamento das sociedades democráticas. O ex-presidente deu o exemplo do envolvimento dos alunos na avaliação dos seus professores. Mas poderia ter ido bastante mais longe, colocando sobre a mesa as múltiplas formas de co-responsabilizar as crianças e jovens em processos sobre os quais podem e devem ter uma palavra a dizer, na família, na escola e na comunidade.

Com se pode pretender a participação se o projeto educativo for estruturado em torno de um modelo unilateral e consumista que só pode favorecer a passividade? Eanes não desconhece, certamente, o que sobre estas matérias estipula a Convenção dos Direitos da Criança, que hoje é lei portuguesa. Há quem veja na abertura e acolhimento da opinião e participação dos mais pequenos, consagradas nesse diploma, uma espécie de demagogia dos adultos ou até uma demissão do seu papel de educadores. Julgo ser de ir por outro caminho: quem lida hoje e aqui com as gerações mais novas depara não apenas com uma grande passividade, mas sobretudo com uma ‘cultura’ de desmotivação e de falta de sentido que inquieta. E se isso não é generalizado também não pode surpreender muito, se olharmos para as perspectivas de futuro que estamos a oferecer aos jovens.

O mal-estar de uma geração não pode deixar de preocupar, porque pode vir a tornar-se na recusa das referências e valores que, apesar de tudo, fundam as sociedades democráticas.

Mas quem se dispõe, como tentou Eanes, ouvir os sonhos e fantasmas dos alunos, mesmo que, à primeira abordagem, eles não saibam ou não queiram coloca-los sobre a mesa? Quem se dispõe a dar-lhes voz e lugar, participando na construção do seu futuro?