Acolhimento de refugiados
23-04-2018 - 06:19

Portugal sente-se alheio à vergonha europeia quanto a refugiados. Mas existem motivos para também os portugueses se envergonharem.

A par com as tendências populistas e autoritárias que se manifestam em vários países da UE, o grande falhanço europeu foi a incapacidade para dar uma reposta conjunta e adequada à entrada de refugiados, sobretudo em 2015.

Falando numa sessão promovida na quinta-feira pelo jornal espanhol “El País”, o antigo primeiro-ministro de Espanha Felipe Gonzalez observou que, nesta altura, estão a entrar na Colômbia venezuelanos fugidos da tragédia política, económica e social em que se transformou o seu país, que dispõe das maiores reservas mundiais de petróleo.

Ora a Colômbia, uma nação menos desenvolvida do que a maioria dos países europeus, está a lidar com um afluxo de refugiados em número comparável com aquele que a Europa foi incapaz de enfrentar. Decerto que os venezuelanos estão culturalmente próximos dos colombianos e até falam a mesma língua; e não há perigo de venezuelanos lançarem ações terroristas na Colômbia. Mas a comparação envergonha os europeus.

Portugal não se considera envolvido nessa vergonha, porque é modesto o número de refugiados que recebe. E a comunicação social tem informado sobre meritórias iniciativas solidárias de portugueses no acolhimento a refugiados.

No entanto, um trabalho da jornalista Ana Dias Cordeiro, no diário “Público” da passada quinta-feira, evidencia, sem o dizer, que temos infelizmente razões para também nos envergonharmos.

Desde dezembro de 2015, mais de 1500 pessoas entraram em Portugal como refugiadas, muitas das quais marcadas por tragédias horríveis na sua terra de origem e por mil perigos durante o seu percurso até à Europa. Pois desses refugiados, mais de metade já saiu de Portugal, o que não é propriamente abonatório da nossa capacidade de acolhimento e de integração.

Uma das falhas dessa integração é o inferno burocrático que os refugiados são obrigados a sofrer caso pretendam reunir a sua família em Portugal – uma condição importante para se integrarem com sucesso no país de acolhimento. É chocante que apenas um, repito, um refugiado logrou até agora reunir a sua família.

O Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) queixou-se do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF) e da maneira como este trata os refugiados. Há práticas (ou normas?) aberrantes, como o refugiado ter que iniciar um processo para cada membro da sua família que pretende trazer para Portugal, não sendo aceites processos para o conjunto da família.

No início do ano passado, o JRS enviou ao governo, aliás em resposta a solicitação deste, um documento propondo algumas alterações às regras para o exercício do direito de reagrupamento familiar. O documento até hoje não teve resposta. A jornalista do “Público” tentou, sem sucesso, saber o que se passa em relação a este documento; depois contactou o gabinete do ministro Eduardo Cabrita. Também não conseguiu resposta.

Costumamos apontar, com orgulho, que fomos o país europeu que mais cedo aboliu a pena de morte. E que o nosso feitio aberto e humanista nos leva a acolher com simpatia os turistas estrangeiros. Pena é que, pelo menos em matéria de refugiados, essas qualidades não tenham aplicação prática.