Defesa europeia. Um mito?
08-09-2021 - 06:14

Reina o cepticismo quanto a uma defesa europeia com algum músculo. Os europeus defrontam-se com acrescidas exigências de gastos noutras áreas. Uma real autonomia em matéria de defesa exigiria um significativo, mas nada provável, aumento das despesas militares dos países da UE.

A retirada dos militares norte-americanos do Afeganistão foi desencadeada sem consulta nem aviso prévio aos aliados europeus dos EUA. Daí que na UE se volte a falar na necessidade de criar uma capacidade de defesa autónoma.

O alto-representante para a Política Externa e de Segurança da UE, Josep Borrell, assim como vários ministros europeus, falaram em acionar o art.º 44º do Tratado. Este artigo permite a formação de uma coligação de Estados membros para criar uma força militar de intervenção rápida.

O presidente de França, Macron, tem insistido em repensar a NATO e em criar na UE uma autonomia estratégica no plano militar. Os 27 Estados membros propuseram-se acordar uma estratégia comum de defesa no Conselho Europeu previsto para março do próximo ano. Mas a concretização de uma defesa europeia está recheada de falsas partidas.

A primeira falsa partida aconteceu em 1954. Os seis países que criaram a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço em 1952 (Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França, Itália e Alemanha) avançaram para uma Comunidade Europeia de Defesa (CED).

O projeto foi até incentivado pelos EUA. Perante a ameaça soviética, Washington queria, então, que os alemães recuperassem alguma capacidade militar. Só que na Assembleia Nacional francesa os votos dos deputados gaullistas e dos comunistas chumbaram em 1954 a CED. A integração europeia iria prosseguir sobretudo no campo económico.

Depois deste falhanço inicial surgiu uma organização autónoma de defesa, a União da Europa Ocidental, (UEO), que teve um diplomata português como secretário-geral, José Cutileiro. Mas a UEO acabaria por ser integrada na UE, no pilar de Defesa e Segurança.

Nesse âmbito sucederam-se as tentativas, nunca concretizadas, de formar forças europeias de intervenção rápida. Nem em áreas como uma certa uniformização dos equipamentos militares se conseguiram avanços significativos. Entretanto, a saída do Reino Unido privou a UE do país mais credível na área militar.

É justo dizer que os EUA, se por um lado insistiam com os europeus para gastarem mais em defesa, por outro lado manifestavam nervosismo com as iniciativas de defesa europeia, receando que prejudicassem a NATO.

E se é verdade que os EUA impulsionaram a integração europeia após o fim da II guerra mundial, convém não esquecer a crise do Suez, em 1956. Nessa altura Israel, França e Reino Unido declararam guerra ao Egito de Nasser, que nacionalizara o canal do Suez.

Mas o Presidente dos EUA, Eisenhower, desautorizou a iniciativa, fazendo-a abortar. Esta humilhação europeia pelos EUA estimulou o aparecimento da CEE no ano seguinte – mas sem o Reino Unido.

No problema da defesa do lado europeu pesou e pesa a questão financeira. Veja-se a lentidão com que os países europeus da NATO, nomeadamente a Alemanha, se têm aproximado do objetivo de gastarem em defesa 2% do PIB.

As forças armadas da UE, incluindo a França nas suas intervenções em África, dependem dos EUA sobretudo no domínio da “intelligence” (serviços secretos) e da logística.

Por isso reina um geral ceticismo quanto a uma defesa europeia com algum músculo. Os europeus defrontam-se com acrescidas exigências de gastos em áreas como o combate às alterações climáticas, a transição para energias não poluentes, o problema não resolvido da disposição do lixo radioativo, os ataques informáticos, a possibilidade de novas pandemias, etc.

Se os europeus não se mostram decididos a investir a sério nesses problemas, gastar muito mais numa defesa autónoma parece irrealista.