“Portugal não deve responsabilizar-se pela escravatura”
08-02-2018 - 16:21

À Renascença, o historiador João Pedro Marques, autor do livro "Escravatura", desmistifica a ideia de que foram os portugueses a introduzir a escravatura em África e fala do problema nos dias de hoje.

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O Portugal do século XXI não deve responsabilizar-se pela escravatura no século XV, defende João Pedro Marques, autor do livro “Escravatura”, recentemente editado pela Guerra & Paz.

Em entrevista à Tarde da Renascença, o historiador, especialista em escravatura e abolição, apresenta cinco argumentos para justificar a sua posição.

“Em primeiro lugar estamos a falar de uma relação que não foi imposta. Envolveu europeus e africanos. Não faz sentido que, numa relação assumida livremente, uma das partes pedir desculpa unilateralmente", diz.

“Em segundo lugar, são coisas que na altura não eram tidas como crime em parte nenhuma do mundo", prossegue.

“Em terceiro lugar, se começamos a pedir desculpa por barbaridades passadas, onde paramos?”, diz.

Em quarto lugar, aponta, "as pessoas que fazem pressão para um pedido de desculpas estão a cumprir uma agenda política que é tentar obter reparações materiais à distância”.

Finalmente, a "quinta razão" é "talvez a mais importante de todas. No século XIX, os abolicionistas que puseram fim ao tráfico de escravos e à escravidão pensavam que aquilo era culpa exclusiva dos ocidentais. Estavam mal informados. Nessa altura pediram desculpa à sua maneira.”

No seu livro, João Pedro Marques desmistifica a ideia que foram os portugueses que introduziram a escravatura em África. “Isso é um completo erro. O mundo muçulmano da orla Sul do mediterrâneo já comprava escravos na África Subsaariana, desde o século VIII, 700 antes de os portugueses chegarem”.

Os portugueses ajustaram-se a um negócio que já existia e foram seguidos por outras nações europeias.

"Os portugueses, os ingleses, os holandeses, os franceses não forçavam os africanos a vender pessoas. Os africanos tinham razões próprias para fazer esse tipo de negócios. Tinham vantagens políticas em fazê-lo", explica o historiador.

O passado esclavagista de Portugal continua a ser um tema sensível. No ano passado, quando o Presidente da República visitou o Senegal, um grupo de investigadores, professores e ativista escreveu uma carta a criticar Marcelo Rebelo de Sousa por “não reconhecer em Gorée a longa e sinuosa história da responsabilidade portuguesa no comércio e escravização de africanos”.

Para João Pedro Marques, “o que Presidente disse ali naquela circunstância foi aquilo que devia ser dito. Que o tráfico de escravos foi uma enorme barbaridade, de uma extrema injustiça, mas que foi reconhecido como tal. E que os portugueses do tempo de Marquês de Pombal começaram a abolir a escravatura aqui na Europa. O que há a fazer é olhar para as situações iníquas e injustas que existem hoje em dia”.

Cerca de 12,5 milhões de pessoas foram traficadas no passado, sobretudo, para as Américas, mas o problema persiste nos dias de hoje em grande dimensão, sobre outras formas, como a escravatura sexual de crianças e mulheres, refere João Pedro Marques.