Faltam menos de duas semanas para a Jornada Mundial da Juventude de 2023 começar oficialmente em Lisboa, mas o caminho - logístico e espiritual - já está a ser feito há bastante mais tempo.
Desde um pré-anúncio, no final de 2018, até ao plano de mobilidade que demorou a ser divulgado, contam-se cerca de quatro anos e meio de um caminho de organização da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, marcados por episódios sempre mediáticos.
Um anúncio antecipado
Apesar da preparação de uma candidatura, é habitual apenas saber-se qual vai ser o próximo país a receber a JMJ no último dia de realização da Jornada. Em Portugal, o secretismo acabou furado.
A 1 de dezembro de 2018, o jornal Público noticiou que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ia estar presente na JMJ no Panamá, em janeiro de 2019, esperando que o Papa Francisco anunciasse a realização da Jornada Mundial da Juventude de 2022 em Lisboa.
No mesmo dia, a realização da JMJ em Lisboa acabou por ser noticiada como certa no site Religionline, citando fontes eclesiásticas. Dois dias depois, a Presidência da República afastava publicamente qualquer mal-estar com a Igreja Católica, noticiado pelo Jornal de Notícias e tornado público até nas redes sociais.
O anúncio oficial
Depois da especulação gerada em dezembro de 2018, veio a confirmação que a JMJ de 2022 seria mesmo realizada pelo Patriarcado de Lisboa. O anúncio foi feito pelo cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, no final da missa de envio, no Panamá.
A confirmação foi recebida com entusiasmo pelos jovens presentes no Panamá e os que ficaram em Portugal, assim como pelos responsáveis políticos. Mas foi a reação de Marcelo Rebelo de Sousa que resistiu ao tempo, tornando-se num meme frequentemente usado nas redes sociais.
O local principal para a realização o evento foi logo revelado pela Renascença como o Parque Tejo. "Melhor não podia ser", disse D. Manuel Clemente na altura.
A pandemia que suspendeu tudo
O primeiro grande percalço do caminho até à JMJ Lisboa 2023 acontece um pouco mais de um ano depois do anúncio oficial. Numa fase em que a estrutura de organização ainda estava a ser montada, a pandemia força a travar a fundo nas preparações - e em tudo o resto.
A 20 de abril, cerca de mês e meio depois da confirmação do primeiro caso de covid-19 em Portugal, o Vaticano anuncia o adiamento da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa por um ano, para 2023.
A 365 dias do início, a contagem decrescente acelera
É altura de saltar até ao verão de 2022. Faltava agora exatamente 1 ano para a chegada dos jovens peregrinos a Lisboa, e as notícias sobre o evento começavam a ser mais e cada vez mais frequentes.
Para além de instalar vários relógios de contagem decrescente pela cidade de Lisboa, a data foi assinalada com o lançamento oficial do primeiro selo dos CTT alusivo à JMJ Lisboa 2023. Os selos foram devidamente carimbados, como manda a tradição, nas manhãs da Renascença.
Responsabilidades partilhadas... Mas quem fica com o quê?
Ao mesmo tempo, as negociações sobre que entidades ficavam responsáveis por que partes do evento – e, mais importante, quem pagaria o quê - começaram a entrar nas notícias. O principal diferendo era entre a Câmara Municipal de Lisboa e o Governo.
No fim de contas, o Governo acabou a assumir a maioria das despesas da operação e logística, e inscreveu, no Orçamento de Estado, um artigo para que todos os contratos relacionados com a JMJ pudessem ser realizados por ajuste direto e sem o visto prévio do Tribunal de Contas.
Uma polémica do tamanho de dois palcos
Foi já no final de janeiro de 2023, quase quatro anos depois do anúncio, que a JMJ foi definitivamente atirada para o centro do debate no país. A revelação de que o altar para os eventos no Parque Tejo custaria um total superior a 5 milhões de euros ao Estado, num contexto de dificuldades financeiras causadas pela inflação, causou polémica.
Entre explicações, Carlos Moedas atribuiu o custo às exigências “da Igreja e da Santa Sé”. Dias depois, José Sá Fernandes, coordenador do grupo de projeto de preparação da JMJ, revelou que existia uma opção que custava menos dois milhões de euros.
A revelação de imagens do altar-palco projetado para o Parque Eduardo VII, com um custo de dois milhões de euros, veio tornar o ambiente mais tenso. Depois do presidente do município lisboeta questionar, irritado, se “os portugueses querem ou não o Papa em Lisboa?” e de Marcelo Rebelo de Sousa intervir a pedir soluções para baixar o custo, foi isso mesmo que aconteceu, com reduções de 30% e 77% nos valores em causa.
Como nos vamos mover durante a JMJ? Boa pergunta
Depois de resolvida a questão dos palcos, o plano de mobilidade ainda inexistente passou a ser a preocupação dominante sobre a Jornada Mundial da Juventude.
Em meados de junho, ainda sem nova informação oficial, um comentário do diretor nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP) sobre a possibilidade de um corte total ou parcial do Eixo Norte-Sul durante o evento, para o estacionamento de autocarros, obrigou José Sá Fernandes a ir à televisão desmentir essa hipótese.
Com os meses a passar, o coro de críticas à demora na apresentação do plano de mobilidade foi-se adensando, entre comerciantes e autarcas. O autarca de Loures chegou a declarar o problema como “tipicamente português”.
O plano acabou por ser revelado a 14 de julho, prevendo um reforço de milhares de circulações nos transportes públicos - sem referir nada, por exemplo, sobre a greve da CP, que se prevê afetar os comboios especiais para a JMJ.
Um selo inapropriado
Também o Vaticano emitiu um selo e carimbo comemorativos da realização da JMJ, como é tradição fazer. Desta vez, contudo, as reações não foram as melhores.
A ilustração de Stefano Morri, um artista com vários trabalhos feitos para a Santa Sé, colocava o Papa no Padrão dos Descobrimentos, no lugar do Infante D. Henrique, liderando um grupo de crianças e jovens. Nas redes sociais, remetia-se para o grafismo semelhante ao usado pelo Secretariado de Propaganda Nacional do Estado Novo e a evocação do colonialismo.
Dois dias depois, o Vaticano retirou o polémico selo, acabando por apresentar uma nova versão no início de julho, que assume o logótipo criado por Beatriz Roque Antunes para a JMJ Lisboa 2023.
O memorial que ninguém vai ver
Depois da apresentação do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) anunciou um memorial às vítimas de abusos, a ser apresentado na JMJ. Uma associação de vítimas declarou o memorial como “totalmente ofensivo”.
Já em julho, uma fonte da CEP acabou por anunciar que a apresentação do memorial na JMJ ficou sem efeito, o que D. Américo Aguiar (que se tinha assumido contra) disse não ser nenhum passo atrás.