Assim se vê a força do PC
02-09-2020 - 06:11

A festa pode realizar-se? Aparentemente, sim. Mas deve realizar-se? Obviamente que não

Foi uma das grandes novelas do verão de 2020: haveria Festa do Avante! ou imperariam o bom-senso e a responsabilidade? Numa crónica de maio passado, em que critiquei a CGTP, apostei que a festa se realizaria, por puros considerandos políticos e com pouca consideração por critérios sanitários. Não me enganei. E lamentei, também, a vassalagem que a democracia portuguesa continua a prestar às impunidades do PCP.

A contragosto, os organizadores da rentrée comunista reduziram a lotação de 100 mil para 33 mil, mantendo, todavia, os pormenores logísticos da iniciativa no segredo da Soeiro Pereira Gomes. Teve de ser a DGS a andar atrás do Partido para que este se dignasse explicar como seria a edição deste ano, protelando depois a divulgação do parecer competente, como se fosse um segredo de Estado, ou como se, no fundo, devessem ser os comunistas a autorregularem-se. O presidente Marcelo, pouco interessado em ter crises na rampa para a reeleição, lá exerceu a sua magistratura de influência, impondo a sua divulgação - mas só anteontem. E o que se conclui dele? Que, apesar de a lotação descer para 16.500 pessoas, existe - dito pela própria Diretora-Geral da Saúde - “risco de contágio” no interior do recinto.
Numa palavra, a festa pode realizar-se? Aparentemente, sim. Mas deve realizar-se? Obviamente que não, pelas mesmíssimas razões e riscos de contágio existentes em tudo o que as autoridades não permitiram que acontecesse este ano: festivais de verão, arraiais populares, romarias religiosas, desporto com público, bares e discotecas concorridos ou praias apinhadas. É sob essa ótica que, por exemplo, o New York Times fez manchete com os comunistas portugueses, escrevendo que mesmo 16.500 pessoas é “um número anormalmente alto para ajuntamentos na Europa durante a pandemia de coronavírus”. À luz do Portugal pandémico de 2020, a festa comunista não deveria ser realizada. Ponto final.
Mas vai ser - e por razões políticas que atropelam os considerandos sanitários. Tal como aconteceu com a rábula do 1.º de maio, toda a gente sabe, e toda a gente finge não saber, que António Costa não quer hostilizar os comunistas porque precisa deles para o Orçamento de 2021 e para (alguma) paz social nas ruas. A Festa do Avante! é, portanto, um favor socialista e, de passagem, uma indispensável fonte de receitas para o PCP. O calculismo não deveria permitir tudo; mas na sopa parda em que se transformou a política portuguesa, tudo é possível, até esta politização da saúde.
No entretanto, oscilando entre a jactância e a vitimização, do alto da sua insuportável e alegada superioridade moral, os comunistas trataram de apodar de “reacionários” todos os que discordam da festa este ano - sublinhe-se, este ano. De acordo com as agastadas explicações de Jerónimo de Sousa, o botellón-comício-convívio-feira do livro-festa da Atalaia “é um contributo importante para a fruição da vida em condições de bem-estar físico e mental, e garantindo que os direitos invioláveis consagrados na Constituição da República portuguesa sejam respeitados”! Olhando o total de votantes na CDU em 2019 (6,3%), 94 em cada 100 portugueses preferem outro bem-estar físico e mental do que o oferecido pelos herdeiros do Gulag… E quanto à Constituição da República portuguesa, não creio que seja para aqui chamada. Como bem resumiu o antigo ministro socialista da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, proibir a Festa do Avante! não seria um atentado à democracia, mas uma questão de saúde pública.

A Festa do Avante! vai realizar-se neste próximo fim-de-semana. Assim se vê a força do PC. Não uso o velho slogan dos tempos do PREC como uma ironia ou uma piada, mas como a (triste) constatação de um estranho facto.