Totalitarismo democrático
25-06-2021 - 21:54

Uma democracia, mesmo à escala europeia, que não respeita a liberdade de consciência não respeita, no fundo, liberdade nenhuma.

Para o Parlamento Europeu, o aborto deve ser elevado à categoria dos direitos humanos. E a consciência dos profissionais de saúde é um obstáculo que os Estados-membros devem remover.

Com a aprovação, por maioria, do chamado "Relatório Matic", o Parlamento Europeu acaba de dar o seu aval à ideologia do género, procurando impô-la a todos os cidadãos de todos os Estados membros da União.

Trata-se de um relatório lamentável que mistura factos diferentes, embrulhados em preconceitos e carimbados com uma generosa dose de propaganda.

O objetivo é subordinar toda a União Europeia à ideologia do género, imposta como doutrina de Estado. O aborto é visto e tratado como um direito humano. E em todo o documento nunca se fala do direito à vida, esse sim, um direito humano fundamental.

O ataque do relatório Matic à liberdade de consciência é também arrepiante. A consciência – último reduto de qualquer pessoa, seja ou não profissional de saúde – é tratada pelo Parlamento Europeu, como um alvo a abater. Para os eurodeputados, é insuportável que haja médicos que se recusem a suprimir vidas. E devem, por isso, ser metidos na ordem.

Entre a nova ideologia do Estado (a tal, do género) e a liberdade de consciência de alguém (médico, por exemplo), o Parlamento Europeu pretende impor a primeira e arrasar a segunda.

Fica-se com a sensação – e a certeza – de que só importa a consciência daqueles que pensam como os estimados eurodeputados. A consciência dos que se lhe opõem é-lhes indiferente. Basta-lhes ter a maioria para ativarem o rolo compressor sobre o outro lado que mesmo send minoritário importa respeitar… ou não?

Para além de fazerem aceção de consciências (a deles que é boa e a dos outros que é má), os senhores eurodeputados parecem estar preocupados só com algumas minorias – aquelas que se presume pensarem como eles. As outras que tiverem a ousadia de invocar a objeção de consciência em práticas que entendem ofender a ética médica, essas não são para respeitar.

Os Estados-membros são mesmo exortados pelos eurodeputados a aplicarem medidas regulamentares e executivas eficazes, para porem fim a esse flagelo da liberdade de consciência. Claro que os senhores eurodeputados nunca lhe chamam liberdade de consciência, não fosse alguém reparar que um parlamento democraticamente eleito estava a abafar as liberdades individuais. Preferem, no texto aprovado, chamar-lhe cláusula de consciência. Desse modo, fica tudo melhor: afinal, os nossos eurodeputados não estão a esmagar a liberdade (de consciência), mas apenas a mudar um qualquer elemento contratual que dá pelo nome de cláusula (por acaso, de consciência).

Para o Parlamento Europeu, a ideologia do género vale mais do que a liberdade que até se pode suprimir, desde que a nova doutrina oficial se imponha a tudo e a todos. Quando assim é estamos perante uma nova forma de totalitarismo que enverga o traje democrático, mas esconde, debaixo dele, uma alma profundamente totalitária.

Em democracia prevalece a maioria, mas a maioria, sendo democrática, não pode sufocar adversários, ainda que minoritários. Em democracia, a maioria governa o país, mas não governa a consciência de ninguém, nem pode abater ou suprimir a liberdade de consciência de quem quer que seja.

Na História recente, as regras democráticas já foram usadas para perverter a própria democracia. E a Europa, tragicamente, já experimentou esse veneno.

Acredito num projeto europeu democrático que promova a paz e o desenvolvimento, mas em liberdade. Uma democracia, mesmo à escala europeia, que não respeita a liberdade de consciência não respeita, no fundo, liberdade nenhuma.