​Lobo Xavier sobre as autárquicas: basta ser “quase racista e sexista” para atrair os media
29-09-2017 - 16:29
 • José Pedro Frazão

No programa Da Capa à Contracapa, o comentador político alertou para o populismo e defendeu as autarquias como o lado “bem conservado” da democracia representativa. "Qualquer dia não há políticos", devido ao excesso de exigência.


Basta um candidato ser quase racista e sexista para atrair a comunicação social numa campanha eleitoral, critica o comentador político António Lobo Xavier em declarações à Renascença.

“É muito fácil chamar a atenção dos media para uma campanha. Basta ser quase racista, quase sexista e quase dissidente do meu partido. O discurso das redes sociais não é o da política, porque este exige tempo e meditação”, alerta o antigo dirigente do CDS na edição de 16 de Setembro do programa Da Capa à Contracapa, uma parceria da Renascença com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Numa altura em que o fenómeno do populismo renasce em várias partes do mundo e em que as formas de chegar ao eleitor estão a mudar, Lobo Xavier considera que “há reacções pavlovianas”, de causa efeito, que permitem aos candidatos atrair a comunicação social, como vez Donald Trump nas últimas presidenciais norte-americanas.

“Se disser coisas na fronteira do racismo, mas que não são bem racistas, se disser uma coisa sexista que não é bem sexista, se disser coisas contra o meu próprio partido, se for agressivo a falar do meu bando, se eu desalinhar muito relativamente à família a que pertenço, eu tenho as câmaras de televisão e as rádios todas aprontadas para mim”, argumenta.

O comentador político olha para as redes sociais como uma faca de dois gumes: permitem “muita interactividade”, mas também são “um risco muito grande”.

“Se eu vender champôs ou fraldas para bebés, é fácil falar deles no Facebook. O discurso político exige rigor, tempo e meditação”, sublinha.

Autarquias, o lado bem conservado da democracia representativa

Para António Lobo Xavier, o universo autárquico “ainda é o que sobra de uma parte bem conservada da democracia representativa”.

“Os eleitores têm bem a consciência de quem escolhem e sabem quem são os rostos do poder. Sabem que os escolhem e os destituem. Os partidos maiores de Portugal resistem mais do que noutros países na Europa. PSD e PS são muito fortes devido às mudanças do sistema, em grande parte, porque sempre foram grandes partidos autárquicos.”

No programa Da Capa à Contracapa, que é transmitido na Renascença aos sábados, às 9h30, o antigo dirigente do CDS defende a limitação de mandatos, porque “a perpetuação no poder é má”, mas também compreende as pessoas que se mantém no universo autárquico “pelos laços que se estabelecem com as pessoas”.

“A perpetuação no poder nas pequenas circunscrições desvirtua e produz vários vícios. Compreendo que alguns vão ficando por perto. Tenho que confessar os meus pecados. Fui presidente da Assembleia Municipal de Penafiel por oito anos e hoje sou candidato a secretário de uma junta de freguesia pequenina. Se a pessoa faz aquilo com gosto e paixão e conhece os seus vizinhos e os seus concidadãos, a tendência é querer ficar por lá. Não é só por causa dos negócios, estabelecem-se laços pessoais importantes”, sublinha.

Apelo ao consenso nas obras públicas

As promessas de grandes obras públicas como trunfo eleitoral são uma coisa do passado, na leitura de Lobo Xavier, apesar de no interior do país ainda haver “coisas por fazer”.

“Acho que mudou o paradigma no país em geral. Aliás vai ser difícil voltar a fazer obras públicas e algumas são necessárias. O velho fascínio pelo betão desapareceu à esquerda e à direita”, refere. Os eleitores também colocam a cultura e o turismo “à frente do cimento, da grande rotunda ou da grande estátua”.

Para o antigo dirigente do CDS, “vai ter que ser criado um novo consenso em torno de obras que o Estado tem mesmo que fazer”.

Onde a regionalização é “indiscutível”

António Lobo Xavier não sabe se, politicamente, Portugal vai chegar a uma verdadeira regionalização, mas defende que, do ponto de vista financeiro, ela é “indiscutível”.

“O plano político obviamente é discutível e é difícil e não sei se alguma vez lá chegaremos. Do ponto de vista financeiro, de administração de finanças e serviços públicos, a regionalização é basicamente indiscutível. Quem diz mal dela é quem está fora dos circuitos académicos ligados às melhores práticas nestas matérias”, sustenta.

Sobre a percepção negativa que a população tem dos políticos, o antigo dirigente centrista reconhece que os políticos têm a sua “quota parte de culpa” e precisam de mudar.

“Não sou populista, mas tenho grande dificuldade em aceitar o estado actual das pressões a que estão sujeitos os políticos. É evidente que os políticos são responsáveis por muita da percepção que o povo tem. Portanto, os políticos têm que mudar, para mudar essa percepção.”

Lobo Xavier também considera, por outro lado, que a exigência em relação aos políticos chega a ser exagerada, como mostram alguns casos recentes.

“Ao ver estas notícias sobre políticos - se foram em viagens, ver hospitais, se é crime ou não, se compram ou não casa com o dinheiro dos sogros - fico chocado. Temos que nos entender sobre o que exigimos dos políticos, senão, qualquer dia, não há políticos a não ser pessoas que não têm vida, não têm nada a perder, não têm passado, não têm nada”, conclui.