“Fissão nuclear” na ecogeringonça e o garante Marcelo: Costa quer mais que um Governo à Guterres
20-01-2022 - 12:53
 • Fábio Monteiro

António Costa quer a maioria absoluta e já nem uma solução à Guterres lhe parece bem. No debate das rádios, nem o Livre, potencial parceiro na badalada ecogeringonça, foi poupado. E tentou ainda meter o PAN no bolso. Mais uma vez, o líder do PS voltou a dar Marcelo como garante de uma governação justa – o que fez do Presidente da República o ausente mais presente do debate. Sem Rio ou Ventura, a esquerda falou maioritariamente para si mesma.

Nem Rui Rio nem André Ventura compareceram no debate das rádios Renascença, Antena 1 e TSF, desta quinta-feira. Mas foi outro ausente – que nunca esteve para estar presente – que marcou parte significativa do último embate dos líderes parlamentares: Marcelo Rebelo de Sousa. Mais uma vez, António Costa escudou-se no Presidente da República como garante de uma governação sem excessos com maioria absoluta. E, para tal, nem os potenciais futuros parceiros da "ecogeringonça" - PAN e Livre - poupou.

A questão se o atual líder do PS quer ou não uma maioria absoluta foi esclarecida, durante o debate, de forma explícita: Costa, que ainda há uma semana colocava o cenário de uma solução à Guterres, veio esta quinta-feira menorizar essa mesma possibilidade. “Sem maioria como se governa? Foi o que aconteceu no primeiro Governo de Guterres. Cada medida na Assembleia da República era discutida com todos os partidos. Se resultou? Foi o que foi", disse.

E para vincar esse objetivo não olhou a meios. A sangue frio, Costa atacou (pela primeira vez) o Livre. “Dialogo com todos, mas há limites”, frisou. O líder do PS foi ao programa do partido representado por Rui Tavares e retirou de lá a ideia que o partido pretende apostar na energia nuclear.

No ponto “gerir o risco nuclear para Portugal” do programa, o Livre defende “seguir atentamente o desenvolvimento de novas tecnologias de produção de energia nuclear (como os small modular reactors, ou a fusão nuclear), que poderão contribuir para a descarbonização, assim como dar resposta ao crescente consumo energético”. Daqui, Costa entendeu o Livre pretende estudar a energia nuclear como solução para a transição energética e encontrou aqui “uma linha vermelha inultrapassável”.

Surpreendido, Tavares negou tal ambição. E deixou uma farpa: Costa “é contra o seu próprio Governo”, já que Portugal está envolvido em investigações europeias de fusão nuclear. “Só não lhe levo mais a mal, porque alguém lhe preparou mal as fichas”, ironizou o líder do Livre. Mas o espanto pelo ataque foi evidente.

Quanto ao PAN, Costa tentou também “metê-lo” no bolso, ao relembrar que foi ele que, enquanto autarca, nomeou Inês Sousa Real para provedora dos animais em Lisboa. A representante do PAN reagiu dizendo que “nem as dinâmicas governamentais são as mesmas das dinâmicas autárquicas” e que “a maioria absoluta não é desejada pelos portugueses”. Durante o resto do debate, ficou de semblante sério sempre que se dirigiu a António Costa.

O único a rir-se com a “fissão nuclear” da ecogeringonça foi Francisco Rodrigues dos Santos. O líder do CDS sublinhou estar à vista que “a verdade é ninguém quer casar com António Costa”.

Marcelo, a válvula de segurança?

António Costa já o fez mais de uma vez: evocou o nome de Marcelo como garantia de equilíbrio no poder. Esta quinta-feira, voltou a fazê-lo. “Quem acredita que uma maioria do PS poderia pisar o risco com Marcelo Rebelo de Sousa? Todos sabem que é de outra família política", afirmou.

Segundo o líder do PS, os portugueses confiam “plenamente” em Marcelo Rebelo de Sousa e que o atual mandato deste irá cobrir “toda a próxima legislatura”. “Tal como Mário Soares impôs limites [ao então primeiro-ministro Cavaco Silva], também o atual porá”, disse.

No mesmo compasso, porém, deixou uma crítica ao antecessor em Belém, que teve a incumbência de vigiar a maioria absoluta José Sócrates entre 2005 e 2009 (que Costa integrou durante dois anos): "Cavaco Silva não é exemplo de Presidente da República para ninguém. Não deixa saudades.”

Nenhum dos presentes comprou a garantia de Costa. João Cotrim Figueiredo foi o primeiro a rejeitar o negócio, já que Marcelo não desempenhou esse mesmo papel durante o primeiro mandato. “Posso esperar que, por se tratar de um segundo mandato, o senhor Presidente da República assuma um novo papel que faz com que esta teoria que Costa vende caia por base. Houve uma enorme proximidade e falta de exigência do senhor Presidente da República perante as decisões do Governo de António Costa", acusou.

Francisco Rodrigues dos Santos questionou também a forma como o líder do PS coloca as peças na mesa do xadrez político nacional. “Quem ouve António Costa a falar parece que vai sentar Marcelo Rebelo de Sousa no seu conselho de ministros”, disse. O Presidente da República “não é um padrinho que cauciona a maioria absoluta”.

Por sua vez, Inês Sousa Real fez ponto de não deixar esquecer o contributo de Marcelo para a atual situação política do país. Ou melhor, “a trapalhice” do Presidente, ao colocar o cenário de dissolução de Assembleia da República em cima da mesa, se o Orçamento de Estado para 2022 não fosse aprovado.

Rui Tavares alinhou pela mesma batuta. O candidato do Livre não vê em Belém alguém que possa funcionar como “válvula de segurança”. Até porque Marcelo, ao contrário de Cavaco Silva, concedeu em 2019 “uma pseudofacilidade” ao não exigir um acordo por escrito. O Livre deseja isso? “Um acordo assinado é um governo escrutinado.” Caso contrário, pode acontecer o mesmo que no passado: uma “geringonça de gabinetes”.

Já Catarina Martins afirmou que o Presidente da República escolheu “corretamente” estar fora da campanha. “Seria um erro os partidos quererem que o PR esteja na campanha eleitoral. Eu não o farei.” Foi António Costa que fez.

Novos governos

O debate teve outros temas: por exemplo, foi discutido como deverá ser estruturado o próximo Governo de Portugal. O primeiro a responder foi Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, considerando que um governo “com mais de 13 ministérios é excessivo”. O liberal aproveitou esta resposta para atacar a formação atual do Governo de António Costa, considerando que dá “sinal de pouco foco” e que “atirar recursos para cima dos problemas” não é suficiente.

Respondendo à mesma questão, Inês Sousa Real, do Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) defendeu “uma reformulação dos ministérios dando destaque ao que é mais prioritário, como a questão climática”. Nesse âmbito defendeu a criação do Ministério da Biodiversidade e que o Ministério da Economia incorpore “uma visão de economia diferente, apostando fortemente numa economia verde”.

De alguma forma na mesma linha, Rui Tavares, do Livre, defendeu que “todos os Ministérios se preparem para as alterações climáticas” e que todos os anos seja feito, na Assembleia da República, um debate sobre o Estado do Ambiente, à semelhança do que acontece com o debate do Estado da Nação.

O líder do Livre defendeu ainda que todos os futuros membros do Governo fossem previamente ouvidos no Parlamento, à semelhança do que se faz no Parlamento Europeu e o executivo comunitário.

Os ausentes-presentes

Ainda no arranque do embate, todos os candidatos criticaram a ausência dos líderes do PSD e Chega do debate das rádios. Mas António Costa foi o mais duro, ao afirmar que “desertaram do diálogo democrático”.

Com Cotrim Figueiredo e Francisco Rodrigues dos Santos responsáveis por representar a agenda da direita, a conversa ficou maioritariamente centrada nas dúvidas existenciais da esquerda. Não será de somenos notar que o nome de André Ventura não foi dito alguma vez durante o debate. Nem o de Rui Rio.