A Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) foi legalizada em Portugal em 2007, após um segundo referendo ao tema. Desde então, é permitido a qualquer mulher, em território nacional, abortar até à décima semana de gravidez, independentemente do motivo.
Em breve, o Partido Socialista irá apresentar um projeto de lei no Parlamento com o intuito de alargar o prazo até às 12 ou 14 semanas. Esta intenção, avançada pelo “Expresso” esta sexta-feira, foi confirmada à Renascença pelo deputado socialista Miguel Costa Matos.
Entre outros, três indicadores a considerar para enquadrar o debate que se avizinha: 1) o número de IVG desde a legalização do procedimento; 2) o número de semanas de gravidez à data da IVG; 3) o número de médicos objetores de consciência.
Mais de 250 mil IVG desde 2007
Segundo dados da Direção-Geral de Saúde (DGS), entre julho de 2007 – quando o procedimento se tornou legal – e o final de 2022, realizaram-se 255.846 IVG (até às 10 semanas) em Portugal.
Os números relativos ao ano passado ainda não são conhecidos; o último Relatório de Análise dos Registos das Interrupções da Gravidez da DGS, referente a 2022, foi publicado em outubro de 2023.
O número de IVG tem vindo a diminuir, salvo anos excecionais, desde que o procedimento foi legalizado. Em 2021 registou-se o menor número de abortos desde a legalização da IVG.
Foram realizados 6107 abortos em 2007; 18.014 em 2008; 19.222 em 2009; 19.560 em 2010; 19.921 em 2011; 18.615 em 2012; 17.807 em 2013; 16.379 em 2014; 16.223 em 2015; 15.881 em 2016; 15.098 em 2017; 14.337 em 2018; 14.709 em 2019; 14.321 em 2020; 13.782 em 2021; 15.870 em 2022.
Destes números estão excluídos todos os casos excecionais de IVG após as 10 semanas de gravidez.
Em Portugal, a IVG também é permitida até às 16 semanas, em caso de violação ou crime sexual; até às 24 semanas, em caso de malformação do feto; em qualquer momento, em caso de risco para a grávida ou no caso de fetos inviáveis.
Mediana: sete semanas
O Relatório de Análise dos Registos das Interrupções da Gravidez da DGS indica que, em 2022, a “idade gestacional mediana de interrupção” foi de 7 semanas. Por outras palavras, a maioria das mulheres que abortou fez o procedimento às sete semanas de gravidez – três semanas antes do fim do prazo legal.
Em 2022, 96,4% das mulheres alegaram “opção própria” para justificar o procedimento; 28,5% já tinham realizado previamente uma ou mais IVG. O tempo médio de espera entre a consulta prévia e a realização da IVG foi de 6,4 dias. A mediana de idade da mulher foi 28 anos.
O procedimento mais utilizado na interrupção por opção da mulher foi “o medicamentoso, atingindo os 98,9% nas unidades públicas de saúde”, indica o relatório da DGS.
Quantos médicos são objetores de consciência?
Além de alargar o prazo da IVG, o Partido Socialista pretende também regulamentar o direito à objeção de consciência dos médicos – ideia que já constava do programa eleitoral do partido nas últimas legislativas.
O número de médicos objetores de consciência no SNS é uma incógnita. Os únicos dados conhecidos são da Ordem dos Médicos e remontam a 2011: então, havia 1.341 clínicos objetores de consciência — 934 da área da medicina geral e familiar e 407 da área da ginecologia e obstetrícia.
Questionada pela Renascença, a Ordem dos Médicos disse não ter dados mais recentes referentes a este tópico. Os médicos “não são obrigados” a dar conhecimento.
Devido à falta de regulamentação do direito à objeção de consciência dos médicos, existem zonas do país em que o acesso à IVG é muitas vezes dificultado. Muitas das mulheres são encaminhadas pelo SNS para clínicas privadas. Ao nível nacional, existem apenas três autorizadas: a Clínica dos Arcos, a Clínica Multimédica e o Hospital do SAMS — todas na região de Lisboa e Vale do Tejo.
De acordo com dados da DGS, entre 2018 e 2021, as três clínicas privadas realizaram um terço (32,3%) de todas as IVG em Portugal.
A Renascença questionou o Ministério da Saúde quanto ao número de médicos objetores de consciência no SNS, mas, até ao momento, não obteve resposta.