Bloco de Esquerda no bairro da Jamaica. “Se tivessem condições, as pessoas não viviam aqui”
18-01-2022 - 19:09
 • Tomás Anjinho Chagas

No Bairro da Jamaica, o lugar no pódio marcou o discurso do Bloco de Esquerda. O direito à habitação levou o partido a um sítio onde “ninguém” escolhe viver - o que deu azo a umas quantas críticas a André Ventura.

As construções são precárias e o chão está por alcatroar. Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, chega ao bairro da Jamaica, no Seixal, e é recebida por alguns moradores.

Queixam-se da vida que têm, mas sobretudo do sítio onde vivem: “Estamos mal. Eu vivo numa cave, num retorno de um esgoto, com um filho deficiente e uma mãe de 80 anos.”

“Não resolveram, até agora não resolveram”, prossegue uma moradora. A mulher refere-se ao realojamento prometido a quem ali mora, que estava previsto terminar este ano. “Precisávamos de ajuda”, lamenta. “Precisavam de casa!”, responde Catarina Martins.

A líder do Bloco de Esquerda foi recebida pela Associação de Moradores do Bairro da Jamaica, chefiada por Fernando Coxi. Depois de percorrer as ruas mal definidas do bairro, o tema das ofensas de André Ventura foi incontornável.

Num debate frente a Marcelo Rebelo de Sousa, em janeiro do ano passado, o presidente do Chega chamou “bandidos” a várias pessoas que estavam numa fotografia com o Presidente da República. Nessa altura, a família Coxi, alvo do insulto, levou o caso à justiça.

André Ventura foi condenado a pedir desculpa a estas pessoas, mas numa conferência de imprensa dada no momento em que emitiu um comunicado, o líder do Chega explicou que só pedia desculpa porque era obrigado, e que não concordava com a decisão.

Fernando Coxi, que está a acompanhar Catarina Martins, critica o deputado. “Ele é um homem terrível, e diz que não vai pedir desculpa.” Ainda assim, o morador do Bairro da Jamaica admite que esperava uma decisão “mais pesada” por parte do tribunal.

Já Catarina Martins, vai mais longe: acusa André Ventura de “racismo”, e lembra que “é a campanha em que temos o líder de um partido condenado por insulto, e por insulto com uma motivação racista. Isto é grave”.

Por isso, a coordenadora do Bloco de Esquerda defende que há uma solução e é política: “A melhor lição que lhe podemos dar no dia 30, é a sua derrota. E o BE reforçado como a terceira força política, é a derrota de André Ventura.”

“Nós acreditamos num país em que todos nos respeitamos. De igual para igual. A força do Bloco de Esquerda será a derrota do racismo de André Ventura”, reiterou a líder do partido.

Por entre prédios feitos de tijolo despido de tinta, a líder bloquista não criticou apenas a direita, mas também o Governo pela situação vivida pelos moradores do Bairro da Jamaica. “Entre IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) e Câmara do Seixal, passam culpas e não resolvem nada.” Catarina Martins atira mesmo uma farpa ao PS, “o Partido Socialista esquece o seu compromisso para com a habitação e adia soluções que já deviam ter começado”.

Queixas de exclusão social

Num descampado, entre os vários prédios sem condições mínimas, aproximam-se vários moradores que estranham a visita da caravana bloquista.

Édina Nazaré, vive no Bairro da Jamaica desde que nasceu, há 22 anos. À Renascença, queixa-se de uma classe política que só aparece nestas alturas. “Só vem mesmo quando é época da campanha”, e diz mesmo que no resto do ano “ninguém vem”.

Bernarda Ventura, reformada, concorda com a Édina. Vive no Bairro da Jamaica desde 1995 e está desanimada com as condições em que vive, “acho que o ser humano tem o direito de ter condições em casa”. E lembra que só vive ali, quem é obrigado a isso, “se tivessem condições, as pessoas não viviam aqui. Ninguém vivia aqui. Eu não vivia aqui”. Esta moradora admite que se sente excluída da sociedade. “Nós estamos aqui de lado, ninguém quer saber de nós.”

Na rua atrás, outro morador sai do carro e conversa com a Renascença. Aponta para a casa onde mora e classifica-a como “uma gruta cheia de humidade”. Admite que tem “raiva” de André Ventura e que vive no Bairro da Jamaica por causa de problemas de toxicodependência que teve há alguns anos. Reforça ainda que não se trata de uma escolha.

O homem pede ao líder do Chega que “olhe com olhos” para as pessoas que recebem o RSI, como é o seu caso. “Nem sempre todos têm um Mercedes à porta, sem necessidade de receber o subsídio”. Assegura também que tem estado constantemente à procura de emprego, mas que tem dificuldades em encontrar estabilidade: “Quando encontro emprego, automaticamente sou despedido quando notam que sou de etnia cigana. Não sei. Há muito racismo ainda.”