Autarca de Atenas defende autonomia do poder local para limitar plataformas Airbnb
20-03-2023 - 22:00

Em entrevista à Renascença, o presidente da câmara da capital grega diz acreditar na estabilidade dos Balcãs e defende que a entrada na União Europeia pode aproximar países da região com disputas territoriais. No plano interno, Kostas Bakoyannis acredita que 2023 será o ano de todos os recordes de investimento e de procura turística. Esta entrevista foi registada antes do acidente ferroviário que há menos de um mês fez pelo menos 57 mortos na cidade de Larissa.

A região dos Balcãs não é o exemplo perfeito de estabilidade, olhando para a história recente de territórios como a Sérvia, o Kosovo ou a Bósnia. Tem defendido que a rede de cidades dos Balcãs B40 pode representar uma prova dessa estabilidade na região. Porquê?

Tenho a certeza que está familiarizado com a citação de Churchill que dizia que os Balcãs produzem muito mais história do que consomem. Na verdade, na língua inglesa, a palavra 'balcanização' é sinónimo de fragmentação, discórdia e perturbação. No entanto, estou bastante otimista em relação aos Balcãs, apesar das muitas dificuldades que enfrentamos na região. Organizámos este ano em Atenas a cimeira B40, uma rede internacional criada no ano passado pelo meu amigo, o autarca de Istambul, Ekrem İmamoğlu , e por mim. A ideia é aproximar os nossos povos e os nossos países, construindo de baixo para cima pontes de solidariedade, de entendimento e respeito mútuos, pontes de cooperação, e assim criando sinergias. Estamos a descobrir que o que realmente nos une é muito mais do que o que realmente nos divide.

E isso é especialmente importante para nós, autarcas, uma vez que estamos numa posição em que podemos efetivamente transmitir melhor os verdadeiros sentimentos dos nossos povos. E foi isso que fizemos durante esta cimeira muito promissora, que de facto dá muitas razões de esperança.

Considera viável a ideia de alargar a União Europeia a esses países?

Absolutamente. É um compromisso da União Europeia que foi assumido há muito, muito tempo, em 2003, na cimeira de Salónica, e que ainda não foi honrado. Acho que é um erro que não se tenha honrado esse compromisso, para que estes países possam aderir à União Europeia, onde sejam membros dignos e possam viver todos juntos. Podemos todos viver juntos na 'casa comum europeia'.

Mas subsistem disputas territoriais. A Grécia também disputou designações sobre o nome definitivo da antiga República Jugoslava da Macedónia, atual Macedónia do Norte. Existem disputas territoriais entre a Sérvia e o Kosovo, tal como existem tensões na Bósnia. Como podem estes países entrar na União Europeia e estabilizar a região sem resolver essas situações?

Na verdade, a Grécia não tem uma disputa territorial. A Grécia não reivindica nada nem ninguém. Neste momento, a nossa política externa baseia-se no direito internacional e nos valores da União Europeia. É importante fazer este esclarecimento. Agora, é claro, como disse, que há questões em aberto. A Grécia está a enfrentar agora o revisionismo e a agressividade de Ancara. Se ouvirmos a retórica como ela é expressa, teremos sempre motivos para nos preocuparmos. No entanto, ao mesmo tempo, continuamos comprometidos com a estabilidade e a paz na região. Pode haver outras disputas, como, por exemplo, a disputa entre Sérvia e Kosovo, entre Belgrado e Pristina. Como sabe, existe uma iniciativa europeia agora em andamento para realmente aproximar estes países .

Mas, no fim de contas, a União Europeia é, na verdade, um veículo para os países se aproximarem. Imagine um comboio que está a avançar, as pessoas querem entrar no comboio. Agora, se o comboio não estiver a andar, as pessoas não têm motivos para quererem entrar.

Quais são os impactos da guerra na Ucrânia que se podem sentir em Atenas ?

Todos nós também somos afetados pela crise económica, financeira e energética. A inflação mostrou a sua face horrenda na Grécia e em Atenas também. No geral, porém, posso dizer que felizmente Atenas não apenas está a recuperar como a avançar. Passámos por um momento muito difícil, como se deve lembrar, por causa da crise económica.

Mas se visitar Atenas agora, encontrará uma capital fervilhante, vibrante, dinâmica, com recordes de investimento público e privado e um recorde de turistas. Há muitas coisas positivas neste momento em Atenas, apesar da crise internacional e da guerra na Ucrânia.

2023 será um bom ano para Atenas ?
Absolutamente. Estou convencido de que será um bom ano e que estes recordes serão mais uma vez batidos. O programa de investimento é ainda maior do que o que antecedeu os Jogos Olímpicos de Atenas. Por isso, sim, Atenas está de volta.

Está disponível para ir novamente a votos nas eleições de outubro?

Sim, claramente. Já fizemos muitas coisas, mas também há muito a ser feito.

Quais são as suas ideias para o próximo ciclo em Atenas? Qual será o seu grande objetivo no próximo ciclo eleitoral?
Atenas está agora a passar por três transições: uma transição verde, uma transição digital e uma transição social. Uma transição verde significa que tudo gira em torno da crise climática. Cada decisão que tomamos, seja pequena, média ou grande, tem a crise climática no seu cerne. A transição digital, como se sabe, é extremamente importante. Os nossos filhos já vivem no metaverso, o que significa que precisamos de mudar-nos a nós mesmos, antes de podermos mudar a cidade ao nosso redor. É com orgulho que lhe digo que 100% dos nossos serviços já estão digitalizados. E claro que temos uma transição social, que é muito, muito importante porque se trata de construir uma cidade justa e equitativa para todos.

Em termos climáticos , o que está a ser preparado na sua cidade? Lidar com as alterações climáticas numa cidade grande como Atenas é certamente uma tarefa exigente.

Tem toda a razão. Como disse, toda e qualquer coisa que fazemos tem como centro a nossa resposta à crise climática. Pode ser algo tão pequeno como um pequeno parque, que não vai mudar a cidade, mas pode mudar um bairro. Ou mesmo o material de arrefecimento que usamos em todas as nossas novas calçadas e em todos os nossos novos espaços públicos. Ou pode ser algo tão grande quanto o investimento nas nossas áreas públicas. Se visitar Atenas, verá que estamos a avançar com projetos em todas as nossas colinas. Por exemplo, temos um projeto que se chama Geração Y. Estamos literalmente a transformar uma área de Atenas que durante muitos anos esteve ao abandono numa cidade dentro da cidade, que será construída em torno de um novo estádio de futebol cujo desenvolvimento é 50% verde.

Se falar com o seu colega lisboeta, ele vai reconhecer que Lisboa tem um problema com a habitação que não é acessível para as classes médias. Em Portugal, para além da inflação, temos também a pressão do turismo e das plataformas como a Airbnb. Como lida com isso na sua cidade ?
Todas as cidades do mundo, ou pelo menos todas as grandes cidades como Lisboa e Atenas, abençoadas com uma longa e rica história, destinos de turistas de todo o mundo, experimentam desafios e problemas semelhantes. Estamos em andamento e o que estamos a tentar fazer é persuadir o nosso governo a criar uma nova estrutura institucional para o Airbnb e plataformas semelhantes na cidade de Atenas. Para nós é importante que estes enquadramentos sejam definidos pelo município e não pelo Estado, porque se trata de trabalhar de baixo para cima, a partir de cada bairro.

Mas se quer evitar que os preços subam, há que legislar e regulamentar isso.
Vivemos numa economia de livre mercado. É muito difícil realmente legislar sobre os preços dos imóveis. O que podemos fazer, no entanto, é definir certos limites sobre quantas propriedades do Airbnb serão permitidas em determinadas áreas da cidade. Portanto, pode haver áreas que atingiram um ponto de inflexão que não aguentam mais, havendo outras áreas que realmente têm muito mais potencial.

É por isso que acreditamos que a cidade deve ser o centro desse processo, porque é muito melhor ver o que está a acontecer em cada bairro do que no centro do Estado.

Por fim, conte-me como está o processo da devolução dos mármores do Parthenon. Existe a possibilidade de voltarem a Atenas?

Esperamos que sim. O Parthenon, como sabe, é o símbolo de todos os valores que prezamos, da democracia, da liberdade, dos direitos humanos. É trágico que o Parthenon tenha sido mutilado há 200 anos. Foi um ato violento que literalmente cortou os mármores em pedaços e os transferiu para Inglaterra e para o Reino Unido. Esperamos que, mais cedo ou mais tarde, os mármores estejam reunidos no Museu da Acrópole, que é o seu lugar.

Mas qual é o estado da negociação? Tem alguns sinais de Londres de forma a poder recuperar esse património ?

Existem várias estratégias. É difícil, mas não é impossível. O nosso governo envolveu-se num processo de boa fé, porém deixando bem claro qual é a nossa posição em relação à propriedade dos próprios mármores.