Prolongar prazos não resolve o problema colocado com o fim da norma transitória que pode levar à destruição de embriões congelados.
A recomendação, aprovada por maioria, surge depois de, em 8 de julho, o Bloco de Esquerda (BE) ter apresentado um projeto de lei para a prorrogação do prazo para a utilização de gâmetas e embriões até sete e dez anos, respetivamente, resultantes de doações anónimas, tendo invocado falta de dádivas.
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) divulgou um parecer sobre o fim da norma transitória que, a partir de 1 de agosto, pode levar à destruição de embriões criopreservados no âmbito de processos de Procriação Medicamente Assistida (PMA).
Em declarações à Renascença, Maria do Céu Patrão Neves diz que a questão não se revolve com o prolongamento dos prazos legais, mas sim com a redução do número de embriões criopreservados, que são mais de 64 mil.
“A iminência da destruição dos embriões é simplesmente adiada, mas o problema não é resolvido”, diz.
É por isso que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida alerta para a necessidade de “meios para tentar diminuir o número de embriões, para não estarmos simplesmente a adiar o problema e continuar com este problema para o futuro que é a sua destruição”.
Isto, porque, segundo Maria do Céu Patrão Neves, “não há possibilidade de manter indefinidamente um número sempre crescente de embriões, num espaço cada vez mais diminuto e com custos muito avultados”.
Legislador não se pode limitar a reagir
Na visão da presidente do CNECV, o legislador não se pode limitar a reagir, mas deve dar atenção a questões como a dignidade do embrião e a discriminação de crianças que nascem por Procriação Medicamente Assistida.
“Não é através de um mero prolongamento do prazo de criopreservação de gâmetas e de embriões que se resolvem as verdadeiras e substantivas questões que existem nesta matéria”, defende, argumentando que “essas questões dizem respeito à dignidade do embrião, superior à dos gâmetas, à pressão exercida sobre os dadores, que é ilegítima, e à discriminação das crianças nascidas por Procriação Medicamente Assistida, que também não é aceitável”.
“Há aqui questões substantivas que não se resolvem pelo mero prolongamento dos prazos da criopreservação e, por isso, o legislador tem que ter atenção a estas matérias e não pode simplesmente reagir prolongando o prazo, como se os problemas ficassem resolvidos”, diz, insistindo que “nenhum fica resolvido. Ficam todos simplesmente adiados”.
Nos casos em que os embriões acabam por ter de ser destruídos, Maria do Céu Patrão Neves defende que se deve envolver, se possível, os seus progenitores.
“Importa que não sejam tratados sob as leis de uma mera gestão de stock, como se não se tratassem de vida humana; não têm a mesma dignidade que os gâmetas, têm uma dignidade superior, são vida humana”, assinala a responsável, explicando que “os gâmetas são material biológico e, por isso, a forma de dar alguma dignidade, mesmo neste processo inevitável da destruição, é envolver, sempre que possível, os progenitores desses embriões para que eles tomem uma decisão juntamente com as entidades que vão ser responsáveis pela sua destruição”.
É preciso conhecer o que já foi destruído
Entre as recomendações do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, está a necessidade de conhecer o número exato de gâmetas e embriões que foram ou vão ser destruídos à luz do regime transitório.
Isto porque, segundo Maria do Céu Patrão Neves, se a lei foi cumprida, neste momento, os gâmetas preservados foram já destruídos.
“Nós não temos suficientes dados, nem dados atualizados sobre o número de gâmetas e de embriões preservados ou destruídos à luz do regime transitório”, diz, esclarecendo que, “se a norma transitória, foi efetivamente cumprida, tal e qual, como se espera, os gâmetas já foram destruídos em 2021 e, por isso, nem sequer tem sentido estarmos a falar de gâmetas e embriões”.
“A norma transitória era de três anos para os gâmetas e, por isso, já terão sido destruídos, e de cinco anos para embriões, cinco anos estes que se cumprem no dia 1 de agosto. Por isso, só estaríamos até a falar de embriões”, completa.
Investimento no Banco Público de Gâmetas
Por fim, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida defende que haja investimento no Banco Público de Gâmetas, para que haja justiça social.
Nestas declarações à Renascença, Maria do Céu Patrão Neves diz ainda que “nas clínicas privadas não há falta de gâmetas, mas no Banco Público de Gâmetas não há gâmetas suficientes”, considerando que “esta situação não é aceitável”.
“Viola claramente a igualdade entre as pessoas e a justiça social. Por isso, é preciso investir no Banco Público de Gâmetas, para que se vá reduzindo progressivamente a lista de espera, até, preferencialmente, que não haja lista de espera. Por isso, é preciso investir na capacidade de angariação de dadores para gâmetas, no seu armazenamento, na capacidade de distribuição em todo o país”, conclui.