Incêndios. Os carteiros são os melhores amigos das populações mais isoladas
24-10-2017 - 12:00
 • Liliana Carona

“Sinto as pessoas tristes e mesmo afectadas psicologicamente”, conta Carlos Mocho, 54 anos de vida, 40 de bombeiro e 30 de carteiro.

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Em Folgosinho e Freixo da Serra, concelho de Gouveia, há casas consumidas pelo fogo, um desaparecido e um rasto de destruição sem igual. Não há telefone, internet ou televisão. Em alguns casos, as notícias da família só chegam pelo correio.

Durante a sua jornada, o carteiro Carlos Mocho, de 54 de anos, ainda sacode a cinza que teima em manter-se nos estofos dos carros uma semana após os fogos de 15 de Outubro.

Por causa dos incêndios, “na semana passada só houve correio prioritário”.

“Vamos passar por uma zona que era um jardim, mas não sobrou nada. Está tudo queimado! Além de que esta é uma terra onde um dos meios de subsistência era a castanha e sobrou zero. Este ano, provavelmente, não haverá festa da castanha”, lamenta o carteiro natural de Melo, onde também combateu as chamas como pôde.

O carteiro alerta para o abandono das pequenas aldeias, “vazias de gente e de serviços”.

A primeira paragem é no posto médico de Folgosinho. “Vinha cá uma médica uma vez por semana, mas está de baixa e esta gente sente-se abandonada”, diz.

Nas estradas é visível o rasto de destruição, com postes caídos e troncos tombados. “Tem de ser fazer uma condução mais regular e segura. Ainda hoje, passado uma semana, há árvores a arder”, observa Carlos Mocho.

A segunda paragem é para deixar uma carta da irmã de Esperança Oliveira, 84 anos, que está sem telefone.

“Tenho a minha irmã lá em cima na serra e precisava de saber dela. Quando virá o telefone? Os fios estão todos queimados. Que desgraça, não me lembro de uma coisa assim… eu vi à janela as chamas à porta”, lamenta, em declarações à Renascença.

Segue-se uma paragem na casa do bombeiro Paulo Pinto, de 49 anos. “Isto foi muito complicado, sou bombeiro há mais de 30 anos, nunca vi uma tragédia destas, não tenho dúvidas que foi mão criminosa."

Mas há uma casa em Folgosinho onde não há ninguém para receber o correio. “Até me custa lá ir”, afirma um triste Carlos Mocho.

Era a morada de uma pessoa de 49 anos, que está desaparecida. “Não tinha muitas saídas, pode-se ter desorientado com o fumo”, avança.

Em Freixo da Serra, há caixas de correio que foram consumidas pelas chamas. “Uma das pessoas afectadas veio-me pedir para guardar o correio em Melo, porque a sua caixa ardeu”, conta.

O carteiro tem saudades dos sorrisos que o faziam adorar a sua profissão. “Vou continuar a minha voltinha, mas sinto as pessoas tristes, mesmo afectadas psicologicamente”, conclui.