​As vacinas, a ética e a ciência
20-08-2021 - 06:10
 • Francisco Sarsfield Cabral

O Papa Francisco disse que vacinar-se é promover o bem comum. Algo que a desvalorização pós-moderna da razão não compreende.

“A vacinação é uma forma simples, mas profunda, de promover o bem comum e cuidar uns dos outros, especialmente dos mais vulneráveis”. Oportunas palavras do Papa Francisco, que a Renascença divulgou. Recorde-se que o Papa foi vacinado em março, dizendo na altura que era uma obrigação ética.

Felizmente, em Portugal a recusa de tomar uma vacina contra a covid19 é muito pouco frequente. Mas noutros países essa recusa faz-se sentir. É o caso da França, por exemplo.

Os que invocam o direito à liberdade para não se vacinarem – os chamados “negacionistas”- não se apercebem de que obedecem a um reflexo egoísta. É o individualismo liberal levado ao extremo. O mesmo se diga do uso da máscara. Ela serve para proteger não só quem a usa, mas também os outros.

Em França, como em vários estados americanos governados por políticos do partido republicano, a recusa da vacina e da máscara é por vezes defendida negando a importância de uma e de outra para o bem comum da população. Trata-se de uma reação irracional ao que a ciência diz. É a mesma atitude que se encontra na rejeição da gravidade das alterações climáticas.

Aí juntam-se os fundamentalistas religiosos (os cristãos que fazem uma leitura literal da Bíblia) aos defensores das mais absurdas teorias da conspiração – como, por exemplo, considerar que quem nos vacina estará a inocular-nos uma substância mortífera.

Assim se passa de uma veneração exagerada pela ciência, visível no séc. XIX, quando alguns pensavam que ela daria respostas a todas as dúvidas e aos problemas dos homens, para uma negação da razão, já no séc. XXI, mas uma atitude própria dos tempos anteriores ao iluminismo.

É curioso registar que esta desvalorização pós-moderna da razão tem raízes intelectuais em França. Filósofos e sociólogos franceses empenharam-se em desconstruir afirmações científicas, remetendo para meras relações de poder.

As ideias destes críticos da razão tiveram acolhimento em várias universidades americanas, onde nas últimas décadas se instalou uma ditadura do “politicamente correto”, contrária ao espírito de livre debate de ideias. Aí se revela uma intolerância para quem pensa de modo diferente, que nada tem de racional nem de científico – uma vez que a ciência avança substituindo anteriores convicções por novas ideias, num processo sem fim à vista.

É assim que em Paris, há duas semanas, se juntaram 200 mil pessoas protestando furiosamente contra o uso da máscara, as vacinas, a exigência de um certificado de vacinação para entrar em restaurantes e em espetáculos, etc. Uma afirmação de egoísmo, disfarçada na invocação de um mal compreendido direito à liberdade individual.