Quem nos desvia o Olhar?
14-10-2015 - 08:41

O uso da expressão ‘coligação negativa’ para descrever uma possível aliança entre forças políticas que representam uma maioria considerável dos eleitores foi arma de campanha eleitoral, mas os média desde logo o adoptaram como seu, num gesto no mínimo intrigante.

A presente - quase inédita - discussão política em torno da futura arquitetura de poder em Portugal tem sido retratada pela generalidade dos média nacionais como um momento de instabilidade, como resultado de uma eventual falha no sistema, como uma pausa negativa (e já tivemos até a inevitável entrada em cena dos não-eleitos ‘mercados’ com as suas oscilações que servem de ‘aviso’).

O uso da expressão ‘coligação negativa’ para descrever uma possível aliança entre forças políticas que representam uma maioria considerável dos eleitores foi arma de campanha eleitoral, mas os média desde logo o adoptaram como seu, num gesto no mínimo intrigante.

Esta postura quase esmagadora nos média de um entendimento sobre a realidade social e política do país desenquadrada do sentimento maioritário resulta, em grande medida, de uma mudança estrutural na propriedade de algumas das principais empresas (o que também ajuda a explicar, por exemplo, a pouca atenção que se dá aos movimentos de protesto em Angola) mas resulta, também, de uma opção editorial de aproximação a algo que se chama o ‘jornalismo de causas’.

Até agora, se nos mantivermos na área da política, esse território era ocupado por blogs e por publicações como o Povo Livre, a Ação Socialista, o Avante, ou o Diabo, por exemplo, com um discurso que não tinha transposição (pelo menos direta) para os restantes média. Com a entrada em cena de uma publicação online nova, com orientação política e estratégica bem determinada, o tal ‘discurso de causas’ começou a ser aceite (e replicado) pelos demais, a tal ponto que, com enorme frequência, ativistas dessa visão ostensivamente radical são chamados como comentadores (há dias, num programa na RTP3, estavam dois deles num grupo de quatro pessoas).

Ora, o risco de os chamados média tradicionais - que, na sua grande maioria (pelo menos em sede de Estatuto Editorial) ainda se apresentam como isentos agregadores de uma pluralidade de opiniões - escorregarem gradualmente para um agendamento editorial próximo do assumido por publicações radicais de ‘jornalismo de causas’ é duplo: há, por um lado, uma perda de contacto com o sentimento da maioria dos leitores/ouvintes/telespectadores e há, por outro, um afunilamento perigoso da imagem que se dá do mundo.

O ‘jornalismo de causas’ terá o seu lugar num ambiente mediático diverso, enquanto espaço de agendamento alternativo, enquanto proposta de olhar comprometido sobre um qualquer tema. Mas, numa democracia, esse lugar nunca pode deixar de ser marginal. O que temos hoje nos média nacionais - com a desproporcionada importância que parece estar a ser dada a um espaço online radical - é pouco saudável e compromete (ainda mais) a imagem do Jornalismo.