Na era da dívida
05-08-2017 - 10:07
 • Francisco Sarsfield Cabral

Os mercados acreditam agora mais no Estado português. Mas nada está garantido.

Continuamos a viver na era da dívida. Há quem receie que estejam de volta os excessos da finança, que levaram à grande crise iniciada nos EUA em 2007. A nível mundial, a dívida pública e privada passou de 190% do PIB em 2001 para 230% agora.

A dívida das empresas chinesas tem subido. Na Grã-Bretanha o crédito ao consumo cresce ao ritmo anual de 10%, algo que não se via desde 2005. E as famílias americanas regressaram ao endividamento. Não tanto para comprar casa, como aconteceu há dez anos, mas para financiar estudos universitários e sobretudo para comprar carros. A Bloomberg alertou há dias para que o financiamento automóvel a quem não tem condições para o pagar sobe nos EUA a ritmo acelerado.

Não se trata de um problema com as repercussões do “subprime” de crédito hipotecário à habitação que levou à grande recessão. Mas também este crédito “fácil” à compra de carro é titularizado e vendido em pacotes em todo o mundo. Há notícias de manipulação em processos de pedidos de empréstimos para favorecer clientes de baixos rendimentos que pretendem adquirir automóveis novos.

A dívida pública sobe

Entre nós, a dívida das empresas baixou um pouco, mas o crédito às famílias nem por isso. O dirigido à habitação está em máximos de sete anos. Num artigo de Helena Garrido, intitulado “Atenção ao regresso da dívida”, no Observador, lê-se: “Os empréstimos concedidos às famílias para consumo e outros fins estão com uma taxa de crescimento anual de 5%. O que significa que está a crescer bastante acima do rendimento disponível.”

A dívida do Estado português, a que suscita mais comentários e é vigiada por Bruxelas, continua a aumentar. Em Junho essa dívida atingiu um novo máximo, quase 250 mil milhões de euros. Aliás, a dívida soberana (outra designação para a dívida pública) tem vindo a subir ao longo deste ano, apenas com uma interrupção em Maio. Mas em Julho deverá baixar um pouco, graças ao último reembolso de 1 750 milhões de euros ao FMI (cuja dívida cobra um juro elevado).

Embora os défices das contas públicas tenham diminuído, eles não desapareceram, acumulando dívida. Tirando a dívida ao FMI, não houve abatimentos significativos ao “stock” da dívida pública. E o Estado emite com frequência nova dívida no mercado, como se sabe.

Temos a terceira maior dívida pública da UE, depois da Grécia e da Itália, atingindo cerca de 130% do PIB. Se a aceleração do crescimento económico se confirmar, essa percentagem poderá descer. Mas uma dívida pública dessa dimensão levará longo tempo a ser reduzida para os 60% do PIB que as regras da moeda única exigem.

É uma carga que pesa sobre o país? É, com certeza. Mas se Portugal se recusasse a pagar os encargos dessa dívida (juros e amortizações), ficaria numa situação financeira terrível, sem acesso ao mercado do dinheiro. Por isso continua a ser sensato falar o menos possível dessa hipótese de não pagar o que devemos.

Mais confiança, juros mais baixos

Importa lembrar que os custos que suportamos com a dívida pública atravessam uma fase favorável. A dívida a dez anos paga juros inferiores a 3%. E a dívida a curto prazo paga juros negativos.

Além disso, baixou o risco de emprestar ao Estado português. Em relação à dívida alemã, o prémio de risco da dívida pública portuguesa, que era no final de 2016 de mais de 355 pontos base, baixou recentemente para 234 pontos. E face à dívida pública da Itália, o nosso prémio de risco é hoje mais de metade inferior ao que era em 2012.

Não é essa melhoria resultado das compras do BCE? Em alguma medida, sim. Mas o BCE tem reduzido as compras de dívida pública portuguesa, que nunca seriam eternas. E grandes investidores voltaram a comprá-la.

Claro que ajudaria a retirada do nível de “lixo” da dívida portuguesa pelas três maiores agências de notação financeira (“rating”). Em Junho a Fitch mudou a perspectiva (“outlook”) para positiva. Mas a melhoria do “rating” – a saída do “lixo” - ainda poderá demorar cerca de um ano, segundo prevê Cristina Casalinho, presidente da Agência de Gestão de Tesouraria e da Dívida Pública.

Seja como for, Portugal ganhou confiança nos mercados – e, gostemos deles ou não, iremos precisar que eles nos emprestem dinheiro ainda durante largos anos. O crescimento económico, que poderá aproximar-se dos 3% este ano, e o cumprimento das metas orçamentais de Bruxelas (até mais do que nos é exigido) justificam essa confiança.

Mas nada está garantido. A Comissão Europeia, que não tem poupado elogios a Portugal, publicou esta semana um relatório onde duvida de que sejam suficientes os esforços de consolidação orçamental do Governo português. Nomeadamente, diz a Comissão, serão precisas melhorias contínuas do saldo estrutural das contas públicas (isto é, um saldo expurgado das variações conjunturais da economia). O que coloca acrescida exigência no Orçamento de Estado para 2018.