Mulheres lusófonas pelo Clima mobilizam-se a caminho da Conferência da ONU no Egipto
10-10-2022 - 14:27
 • José Pedro Frazão

O movimento "Mulheres pelo Clima" pretende alertar para a proteção de mulheres e crianças, que serão as mais afetadas pelas alterações climáticas. Susana Viseu, uma das responsáveis pela iniciativa, realça o papel "fundamental" que a mulher tem para a transição climática, económica e social.

A um mês da Conferência do Clima em Sharm-El-Sheik, no Egipto, foi lançado um movimento que pretende mobilizar as mulheres de países de língua oficial portuguesa para a ação climática.

No embrião da ideia está a organização não-governamental Business as Nature, criada há três anos pela mão de Susana Viseu, atual consultora de Marcelo Rebelo de Sousa para a transição climática.

Depois de ter organizado a iniciativa Women 4 Our Ocean, no quadro da Conferência da ONU sobre os Oceanos, a gestora junta os parceiros desse evento para um movimento mais alargado, em parceria com o ministério do Ambiente e Ação Climática, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Casa Comum da Humanidade.

O movimento, chamado “Mulheres pelo Clima, dos Países de Língua Portuguesa para o Mundo”, foi lançado a 28 de Setembro em Lisboa e, nas palavras dos promotores, pretende juntar mulheres de todas as geografias e das mais diversas áreas “num movimento integrado, atuante e comprometido com o progresso e bem-estar das comunidades e a sustentabilidade do planeta”.

Em entrevista à Renascença, a presidente da ONG Business as Nature, Susana Viseu, revela estar já a trabalhar na realização de um evento próprio paralelo à COP27, a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Alterações Climáticas que se realiza em novembro na estância egípcia de Sharm-el-Sheik.

Considera que há um défice de participação das mulheres neste tema ?

As mulheres representam 50% da população e são responsáveis pela assistência à família, pela alimentação e acesso à água. Têm também um papel fundamental na educação das gerações futuras e são responsáveis por 85% das decisões de compra a nível global, apesar de terem, em média, salários mais baixos, menos representatividade politica e acesso a posições de liderança, nomeadamente nas mesas de negociação climática, embora façam parte dos grupos mais vulneráveis afetados pela crises em geral e, em especial, pela crise climática.

Isso é admitido pelas próprias Nações Unidas que, já na COP20 em Lima, no Perú, aprovou a necessidade de promover a igualdade de género nas ações de resposta às alterações climáticas, reconhecendo esta especial fragilidade das mulheres e das meninas nos impactos das alterações climáticas e também a sua importância nas respostas às adaptações necessárias a essas mesmas alterações.

A iniciativa não se circunscreve a Portugal mas é alargada aos países de língua oficial portuguesa. Porquê ?

Começámos esta caminhada por envolver os diferentes países de língua portuguesa. Apresentámos a iniciativa ao ministério do Ambiente e Acão Climática que, desde a primeira hora, apoiou toda esta iniciativa. De seguida falámos com a CPLP, que também aprovou o seu apoio institucional.

Achámos que era mais simples começar assim, pois os países de língua portuguesa estão nos diferentes continentes e desta forma representamos diferentes culturas e conseguimos ter esta união através da língua. Achámos que esta era uma boa forma de começar esta mobilização das mulheres e conseguir ampliar este movimento, envolvendo cada vez mais pessoas na concretização dos seus objetivos .

Há dois Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que se ligam de forma evidente à vossa iniciativa: o ODS 4 (educação de qualidade) e o ODS 5 (igualdade de género) . Há objetivos mais relevantes do que outros para salvaguardar os direitos das mulheres ?

Acaba por ser essencial em todos eles. Todos os ODS são muito transversais e interligados como os da conservação dos recursos marinhos, da conservação, da proteção da vida terrestre ou das questões ligadas à água e energia. Nesta questão do clima, as mulheres já estão a ser as mais afetadas pelos seus efeitos. Não se consegue fazer esta transição para uma nova economia circular e de baixo carbono sem envolver as mulheres. O papel das mulheres é fundamental neste processo.

Não se consegue fazer esta transição para uma nova economia circular e de baixo carbono sem envolver as mulheres.

Pode dar exemplos da forma como, na sua opinião, as mulheres são especialmente prejudicadas pelas alterações climáticas?

80% da população em situação de pobreza e fragilidade são mulheres e meninas. Quando observamos que os efeitos das alterações climáticas como as cheias, a seca ou os furacões desalojam uma quantidade significativa da população, há que sublinhar que nesse grupo estão maioritariamente mulheres.

Não podemos esquecer que são elas que frequentemente têm o papel de guardiãs e gestoras dos recursos naturais do planeta. São elas que promovem o acesso ao alimento e à água. Quando passamos por crises desta natureza, elas estão no grupo social mais afetado por toda esta crise. E também são elas que estão na primeira linha a responder a estas situações de crise, onde são as primeiras a tentar encontrar soluções para ajudar a sua comunidade.

Nas discussões ambientais, a questão dos direitos humanos é cada vez mais visível na chamada justiça ambiental. É uma questão mais remetida para os países em desenvolvimento?

As situações de partida dos diferentes países em matéria de direitos das mulheres, inclusão e igualdade de género, são obviamente muito diversificadas nas diferentes geografias. Daí que esta ligação aos direitos humanos seja fundamental, porque toda esta situação de emergência climática é um enorme desafio à conservação dos direitos humanos. Torna ainda mais extremas as situações de desigualdade e pobreza e, mais uma vez, nos países menos desenvolvidos que são também os mais afetados pelas próprias alterações climáticas.

Existindo esta situação de desigualdade, todas as metas no âmbito do clima e dos direitos humanos são baseadas no princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas entre países desenvolvidos e emergentes. Isto reflete-se na responsabilidade de cada Estado em relação à garantia das condições para direitos humanos e das mulheres. Tem sido uma grande falha nos grandes encontros internacionais e é uma tecla muito batalhada em diferentes conferências das Nações Unidas e, por isso, tem que haver este esforço de cooperação multilateral.

Os países que estão em condições de um maior nível de desenvolvimento e que têm maior responsabilidade na crise climática podem, de facto, efetuar uma transferência mais massiva e mais urgente de recursos para aos países emergentes para assegurar esta justiça social que tem que persistir face a esta crise climática.

Na prática, o que é que este movimento vai fazer nos próximos tempos? Que projetos estão planeados a médio prazo?

O movimento foi agora lançado e temos muitas atividades pela frente planeadas para levar a cabo os objetivos expressos no manifesto anunciado. Temos varias ações já programadas de divulgação e estamos a organizar uma conferência conjuntamente com a Casa Comum da Humanidade relativa às cidades e ao património comum. Vamos ter um painel de "Mulheres pelo Clima" com uma sessão de adesão de empresas e organizações ao manifesto e estamos a preparar a presença na COP27, no Egipto.

Mais do que o compromisso, o ponto base deste movimento é agir e liderar pelo exemplo neste combate às alterações climáticas

Como Business as Nature, já estivemos presentes nas duas últimas COP (Madrid e Glasgow) e pretendemos organizar nesta conferência um encontro dos pontos focais do clima dos países da CPLP e, se possível estender, já a outros países que partilhem esta nossa vontade de envolver as mulheres na ação climática. Estamos a preparar um evento paralelo na COP27 - que ainda não está completamente confirmado – e estaremos presentes e tentaremos mobilizar, pelo menos, os países de língua portuguesa para este manifesto.

O passo seguinte será a apresentação, até ao final do ano, de um plano de ação para os anos 2023-2025 que possa traduzir os objetivos do manifesto em ações concretas. Mais do que o compromisso, o ponto base deste movimento é agir e liderar pelo exemplo neste combate às alterações climáticas. Queremos envolver mais as mulheres e as meninas e tornar mais visível a sua ação, permitindo que este papel das mulheres se multiplique por várias geografias.