Marco Martins: “Não tenho uma agenda política. Parto sempre das pessoas”
16-03-2023 - 07:30
 • Maria João Costa

Chega esta quinta-feira aos cinemas “Great Yarmouth”. O novo filme de Marco Martins tem por base histórias reais de emigrantes portugueses que trabalham em fábricas em Inglaterra. Beatriz Batarda assume o papel principal. O realizador quis dar voz a pessoas “absolutamente invisíveis”

A partir de histórias reais de emigrantes portugueses em Inglaterra nasceu o novo filme do realizador Marco Martins. “Great Yarmouth” conta com Beatriz Batarda no principal papel e é um filme que retrata a decadência desta cidade costeira inglesa, onde muitos portugueses procuram trabalho em fábricas de abate de animais, para fugir à crise.

Com a participação dos atores Nuno Lopes, Rita Cabaço, Romeu Runa, bem como de muitos atores não profissionais, o filme desenrola-se em 2019, antes do Brexit, num contexto socioeconómico de crise.

Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, Marco Martins explica, contudo, que não quis fazer um filme de denúncia. Segundo as suas palavras, esta é uma obra que “fala das pessoas que tinham saído de Portugal entre 2009 e 2014, porque já não tinham emprego e condições de continuar a viver”.

O realizador faz questão de esclarecer que quando faz um filme, não tem “uma agenda política ou ativismo de alguma espécie”. Acrescenta mesmo que não está “inscrito em nenhum partido” e que o que lhe interessou retratar foram as histórias das pessoas.

O processo para a realização de Great Yarmouth foi longo, começou uns anos antes quando Marco Martins foi convidado para participar numa comunidade artística. A sua pesquisa deu origem a uma peça de teatro – “Provisional Figures” onde contou com a participação da comunidade portuguesa que vivia naquela cidade costeira inglesa.

A outrora estância balnear de luxo, é hoje local onde muitos emigrantes portugueses trabalham em fábricas de abate e desmanche de animais, sobretudo galinhas e perus. Essa realidade está espelhada no filme.

“Eu descubro aquelas pessoas, as condições em que elas vivem, os hotéis, a forma como lhes roubam dinheiro, como eram tratados nas fábricas. Há coisas inacreditáveis, por exemplo, aquela ideia que está no filme de, durante a campanha de Natal, para as pessoas estarem mais contentes enquanto matavam os animais, punham músicas de Natal. É difícil de acreditar”, conta Marco Martins que admite, quis dar voz a essas pessoas “absolutamente invisíveis”.

Estas histórias de quem não tem voz podem, “obviamente”, sublinha o realizador ajudar a “levantar questões que são fundamentais”. No entanto, Marco Martins diz que isso decorre daquelas vidas retratadas, porque reitera não fez o filme “como uma denúncia ou como alerta”.

Beatriz Batarda no principal papel

No centro da ação está Tânia, a personagem desempenhada por Beatriz Batarda, que com o marido inglês, Richard recruta trabalhadores portugueses para as fábricas locais e os instala em hotéis decadentes.

Ao Ensaio Geral da Renascença, Batarda assume que não foi fácil vestir este papel. A atriz reconhece que ganhou uma proximidade à Tânia, mas o espetador do filme pode ver na sua personagem outras leituras.

“A Tânia aos olhos de quem for ver o filme será uma coisa; para mim ela é outra. É uma mulher que é movida por um sonho, que vive numa numa realidade de esforço, de enorme exaustão e que não quer desistir dela própria. Algures, na sua vida passada, acreditou que poderia ter feito a diferença na vida dos portugueses, como agora, no momento presente da História, acredita que poderá fazer a diferença na vida de pessoas mais velhas que precisam de cuidados, neste caso ingleses, que ela acha que os ingleses não cuidam dos seus velhos”, conta a atriz.

Exibido em estreia mundial no Festival Internacional de Cine de San Sebastián, em 2022, o filme retrata a vida desta mulher que tem por base uma figura real, “a mãe”, conta Marco Martins. Uma pessoa que ajudava os portugueses emigrados a estabelecerem-se quando chegavam para trabalhar.

Também Tânia, diz Beatriz Batarda, é “movida por esse sonho de cuidar dos portugueses, proteger os portugueses, garantindo que, num contexto que é agreste, por não conhecerem a língua, a cultura, os códigos, o sistema, nomeadamente a segurança social e o sistema laboral” lhes dificultam a integração.

“Por já ter passado pela experiência que irão passar estes imigrantes recém-chegados, por já dominar, acha ela, pelo menos melhor a língua, poderá aliviar algumas etapas penosas do processo”, conta Batarda sobre Tânia.

Marco Martins escreveu o guião a 4 mãos com o autor Ricardo Adolfo. Na tela está um filme que na opinião do realizador “é um díptico”, porque faz um diálogo com outro trabalho seu premiado, o “São Jorge” protagonizado por Nuno Lopes

Constituindo-se como um thriller social, o filme foi produzido pela produtora portuguesa Uma Pedra no Sapato, em coprodução com a francesa Les Films de l’Aprés-Midi, a britânica Elation Pictures e a francesa Damned Films.

O filme contou com o apoio financeiro do Instituto do Cinema e Audiovisual em Portugal, do CNC (França), do BFI (Reino Unidos), do Fundo Eurimages e do Europa Criativa – Media da Comunidade Europeia. Conta também com a participação da RTP.