Autorização de residência, o “ovo de Colombo” de Costa
01-11-2016 - 21:03
 • Eunice Lourenço (enviada especial a Brasília)

Secretária executiva da CPLP tem mandato para iniciar conversas técnicas e políticas sobre proposta portuguesa. Mas Santos Silva admite que conclusão do processo só avance a partir de 2019

Passados 14 anos da primeira Declaração de Brasília ainda há protocolos para a mobilidade dentro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa à espera se derem postos em prática. Nomeadamente sobre algo aparentemente tão simples e inócuo como a facilitação de vistos para estudantes.

Agora, a nova Declaração de Brasília reconhece a mobilidade de circulação no espaço da CPLP é um instrumento essencial para o futuro da comunidade e fala na “construção progressiva de uma cidadania da CPLP”.

Palavras que o primeiro-ministro leu como apoio à sua ideia de promover a liberdade de residência na CPLP. Uma ideia – e não exactamente uma proposta concreta, com regras ou condições que tenham sido discutidas – que António Costa há muito defende, colocou no programa de Governo e trouxe à Cimeira de Brasília. E com a qual consegue deslocar a discussão da questão dos vistos.

“O ‘ovo de Colombo’ é passar da discussão dos vistos para a autorização de residência”, defendeu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, em declarações aos jornalistas portugueses que acompanharam os trabalhos da Cimeira da Brasília.

É o “ovo de Colombo” porque permite a Portugal mudar de ângulo: deixa de ter de ouvir os parceiros da CPLP a dizerem que não adianta discutir dispensa de vistos porque Portugal está sujeito às regras do espaço Schengen e passa a uma posição ofensiva que é dizer aos parceiros de língua portuguesa que está disponível para dar autorizações de residência se eles também derem.

As autorizações de residência (que é o que são os vistos gold, por exemplo) não estão sujeitas às regras Schengen, pelo que os Estados da União Europeia têm autonomia para as conceder. “É possível criar um sistema de autorização de residência cujo critério não seja o investimento, mas a nacionalidade”, disse o ministro.

Santos Silva explicou que Portugal defendeu quatro coisas: a ratificação dos acordos de Brasília de 2002, a liberdade de residência no espaço da CPLP, o reconhecimento mútuo de habilitações académicas e qualificações profissionais e a portabilidade de direitos. As três últimas “estão ligadas entre si e com regra de reciprocidade”.

Ou seja, “não é possível autorizações de residência sem reconhecimento de habilitações e qualificações e sem portabilidade de direitos sociais”. Mas o reconhecimento e a portabilidade podem avançar por si e com acordos bilaterais.

“Não há nenhuma razão para que não se avance na portabilidade dos descontos para a segurança social”, por exemplo, defendeu o ministro, reconhecendo que não há um acordo geral na CPLP nessa matéria porque Angola recusou.

E Angola será um dos países a colocar mais problemas à liberdade de residência. Tal como o Brasil, país que tem tido com Portugal dificuldades no reconhecimento de qualificações e competências.

Essa é, contudo, uma discussão que não se fez em Brasília. Ficou a cargo da nova secretária executiva da CPLP, a são-tomense Maria do Carmo Silveira, iniciar as conversas técnicas e políticas sobre este assunto.

Na conferência de imprensa final da Cimeira, António Costa manifestou esperança no trabalho dos próximos dois anos, mas Santos Silva já tinha admitido que o processo não esteja concluído antes de Portugal ter a seu cargo o secretariado executivo da CPLP, em Janeiro de 2019. A partir daí, será “a prioridade número um”.