A anemia europeia
15-05-2019 - 06:44

A campanha eleitoral vai pobre, contaminada pelo aspeto de umas primárias das legislativas de outubro e cheia de argumentos e remoques que nada falam, nem esclarecem, sobre a Europa.

Com o que vai pelo mundo de incerteza e de desafio a velhos consensos e instituições, o próximo ato eleitoral europeu pode ser dos mais importantes, ou mesmo o mais importante de toda a história da CEE/UE. As sondagens não são animadoras para as vozes europeístas: parece haver uma real possibilidade de os adversários da Europa - mais ou menos radicais, do populismo xenófobo ao euroceticismo dissolvente - poderem vir a ser o terceiro maior grupo parlamentar em Estrasburgo. Não há problema, afirmarão alguns; é melhor tê-los lá dentro, a recalcitrar, do que cá fora, a sabotar, dirão outros; e afinal, concorrendo às eleições, até estão a fazer o jogo da Europa, acrescentarão ainda outros. Mas não (me) deixa de suscitar uma sensação de algum absurdo ver, por exemplo, Nigel Farage, ex-líder do UKIP e radical “brexiteer”, criar um partido para concorrer ao PE, para ali protestar contra os impasses britânicos. Para que é que o homem se senta num lugar de que, no fundo, só quer sair?

Por cá, a campanha eleitoral vai pobre, contaminada pelo aspeto de umas primárias das legislativas de outubro e cheia de argumentos e remoques que nada falam, nem esclarecem, sobre a Europa. Há 34 anos que aderimos à CEE. No fundo, nunca debatemos os direitos e deveres, as solidariedades e responsabilidades de sermos europeus. A Europa impôs-se-nos como o destino geográfico natural depois de 500 anos de império, como o eldorado desejável para suprir o nosso atávico subdesenvolvimento e como o seguro de vida para disciplinar a nossa jovem democracia. Descolonizar, desenvolver, democratizar: por detrás de cada um dos “D’s” de Abril estava o impulso para europeizar. Tinha de estar, e ainda bem que esteve. Mas esta Europa “ready-made symbol” para redefinir a portugalidade dispensou justamente os portugueses de pensarem a fundo nela. Resultado: não “entrámos” na Europa; foi a Europa que nos entrou porta adentro.

Com o passar do tempo, e com o agravar das dificuldades a cada crise, o europeísmo foi-se tornando cada vez mais instrumental: se a Europa funciona e nos dá coisas, é boa; senão, adeus Europa. E não é só instrumental, ou quase interesseiro. É um dado adquirido. Somos europeus. Nem pensamos muito nisso, e por isso não vemos grande utilidade em votar para escolher os 21 eurodeputados que ali nos representam. Para os mais jovens, que já nasceram europeus e não se lembram do que era o país até 1985, a Europa é como uma tia-avó velhota a que não ligam muito, que tem uma larga mansão para ir passar férias com os amigos (o Erasmus), mas com a qual conversam pouco, esperando, todavia, que nunca falte o envelope da “mesada”.

Estarei a caricaturar em demasia. Talvez. Mas os números da abstenção em eleições europeias demonstram o desinteresse, a distância e a demissão. Em Portugal, de 1987 para 1989, subiu de 27,5% para 49%. A partir de 1994, nunca mais desceu dos 60%. Em 2014, a abstenção alcançou o máximo até hoje registado - 66,1%. Num universo eleitoral de cerca de 9,7 milhões de eleitores, votaram apenas 3,3 milhões. Dois portugueses votantes em cada três não quiseram saber da Europa na hora da urna. E o que é mais dramático e deslegitimador para o projeto europeu é que no segmento etário jovem (18 a 24 anos), a taxa de abstenção rondou os 80% (4/5 da juventude)! Sem jovens não há Europa: isto é tanto verdade para a demografia como o é para a política. Não ficarei espantado se em 2019 a abstenção se aproximar dos 70%. O problema é que se assim for, estaremos a entregar de bandeja o mais belo projeto internacional do pós-II Guerra aos muitos que o querem fazer implodir.