PS ou PASOK?
07-10-2015 - 19:42

Se não tiver a coragem de voltar a falar para os eleitores moderados, o PS corre o risco que matou os socialistas gregos do Pasok: o então pequeno Syriza roubou-lhes espaço e argumentos.

Quem aterrasse hoje em Lisboa e não soubesse o que por cá se passa há 41 anos, o que diria perante alguns pronunciamentos políticos, após as eleições de domingo? Desprevenido, pensaria que há uma maioria política de esquerda no parlamento. Não apenas aritmética, mas política e substantiva. Uma maioria feita de acordos, pontos de vista comuns, iniciativas unitárias, com uma visão do futuro agregadora, partilhada e mobilizadora, à qual, inexplicavelmente, o Presidente da República decidira não dar crédito.

Claro que este regressado à Pátria não deixaria de reconhecer, por mera honestidade intelectual, que os partidos do Governo tinham atingido um resultado notável, para quem governara quatro anos em condições limite. Mas, pensaria este nosso amigo, perante uma esquerda politicamente convergente nos temas essenciais, a coligação de governo perdera a maioria, não só aritmética mas política.

De resto, perante a iniciativa de que dá mostras, o nosso homem rapidamente concluiria que a liderança desta nascente maioria estava confiada a um partido (Bloco de Esquerda) com 10% dos que votaram e – fazendo as contas - com 5% dos que cá moram. Assim sendo, as posições desta liderança minoritária da maioria constituiriam, seguramente, um espelho do património comum dessa esquerda. Se assim não fosse, o maior partido dessa esquerda (Partido Socialista) ter-se-ia demarcado, afastando liminarmente qualquer veleidade de formar Governo com quem não partilha visão comum sobre o futuro.

Atónito, o nosso turista acidental, após umas rápidas pesquisas sobre o programa do Bloco que se estenderiam também à terceira força (!) da nova esquerda (Partido Comunista Português), cuidaria que esta maioria, sufragada pelas urnas, não deixaria de equacionar, no seu cardápio de medidas, temas como a saída imediata da Nato, a reestruturação da dívida, a eventual saída do euro ou até desta União Europeia, sem esquecer a necessidade de acabar com o Fundo Monetário Internacional ou a extinção da Organização Mundial de Comércio e do Banco Mundial.

Surpreendido pela consistência desta esquerda de três partidos, mas que fala a uma só voz (a da porta-voz), o nosso personagem olharia também para o secretário-geral do maior partido da esquerda, presumindo-o mais forte depois das eleições, com legitimidade refrescada para todos os desafios, designadamente o de governar – não apenas o seu partido, mas todo o país.

O que autoriza as conclusões deste protagonista de ficção é a manifesta desorientação do PS. Foi assim na campanha eleitoral, e assim continua depois das eleições.

O Bloco e Catarina Martins estão a fazer o seu trabalho – politicamente competente. Sentem a fragilidade do PS e tomam a iniciativa. E o PS que sempre governou ao centro e que é um partido referência do sistema político (não defende a reestruturação da dívida, nem a saída do euro, da Europa ou da Nato, como propõe a esquerda radical) deixa-se conduzir pelo tacticismo de terceiros, não aproveitando para clarificar aquilo que já deixou confundir durante a própria campanha eleitoral.

Por outro lado, é evidente que depois da derrota eleitoral do PS, António Costa não teria condições para assumir a liderança de um Governo, constituído sob o desígnio de muitas ideias que ao longo de décadas os socialistas combateram.

Claro que para viabilizar o Governo de maioria relativa da coligação que venceu as eleições, o PS precisa de contrapartidas. De resto, se o PS diz querer acabar com a austeridade (sem aventuras), a coligação promete que o país vai entrar numa fase de crescimento (sem loucuras). Nesta conjugação, haverá certamente oportunidade para compromissos que permitam governar e viabilizar orçamentos. Não é necessária uma coligação com a Coligação; basta responsabilidade e sentido de Estado.

No imediato, o futuro de António Costa joga-se nas presidenciais: perdendo, dificilmente poderá manter-se no lugar. Mas a médio prazo, o futuro do PS passa pelo seu reposicionamento no xadrez político. Se não tiver a coragem de voltar a falar para os eleitores moderados, deixando-se encantar e seduzir pela propaganda e pela iniciativa do Bloco, o PS corre o risco que matou os socialistas gregos do PASOK: o então pequeno Syriza roubou-lhes espaço e argumentos. E hoje em dia a alternativa ao Syriza não é o Pasok, mas os conservadores da Nova Democracia.