SOS Racismo. PSP apresenta queixa-crime contra jornal "Público" por causa de cartoon
14-08-2020 - 15:00
 • João Carlos Malta

Capa do suplemento "Inimigo Público" desta sexta-feira ilustra um agente da polícia entre grupo de manifestantes com tochas, numa versão satírica do protesto "nacionalista" que teve lugar no sábado frente à sede da associação antirracista.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) anunciou esta sexta-feira uma queixa-crime contra o jornal "Público", por causa de uma ilustração que faz a capa do suplemento satírico "Inimigo Público".

No cartoon, da autoria de Nuno Saraiva, uma personagem vestida com uma farda da PSP integra um grupo manifestantes com tochas, evocando o episódio que teve lugar no sábado, frente à sede da associação SOS Racismo, onde um grupo de nacionalistas se concentrou com tochas e máscaras brancas a tapar os rostos. O título do por cima do "cartoon" é "André Ventura contra pena de morte porque depois de mortos é impossível haver castração".

"A PSP lamenta a leviandade com que o jornal e o cartoon em questão feriram a boa imagem da instituição e dos polícias que nela servem e protegem os nossos concidadãos", crítica a Polícia.

Por "considerar que os factos referidos ofendem a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à instituição, consubstanciando a prática de crime", será apresentada "ainda hoje" uma queixa-crime no Ministério Público, adianta a força de segurança.

O mesmo comunicado refere ainda que este cartoon publicado no jornal "Público" de forma explícita "associa a PSP a um qualquer movimento politico-ideológico", e que isso afeta publicamente "a isenção e apartidarismo que caracterizam a instituição, resultantes não só de obrigação estatutária e da condição policial, mas também da convicção dos polícias que a integram".

A PSP aprovada pelo Diretor Nacional, é clara sobre esta matéria, referindo a “isenção e rejeição de qualquer forma de extremismo e discriminação” como um valor e um pilar ético fundamental.

O ilustrador Nuno Saraiva considerou, em reação ao anúncio da queixa pela PSP, criminoso atentar contra a liberdade de expressão e mostrou-se “preocupado” com o rumo do país.

“Criminoso é acharem que isto é um crime, que um criativo, um jornalista, um ‘opinion maker’, um cartoonista não pode ter direito à sua liberdade de expressão”, afirmou Nuno Saraiva, em declarações à Lusa.

O diretor do Inimigo Público está “surpreendido” e “estupefacto” com a decisão da PSP em apresentar uma queixa. Luís Pedro Nunes diz que se sente incomodado por ter de explicar o que é a sátira, e lamenta que não se perceba que “este cartoon não é dirigido à PSP”.

Já o presidente da Associação Sindical de Profissionais da Polícia, Paulo Rodrigues, defende que a ilustração do suplemento "Inimigo Público" toma a parte pelo todo, e que apesar de haver polícias que subscrevem ideias racistas isso não representa a corporação. “Não temos de ficar chateados, mas magoa-nos”, diz o sindicalista.

A discussão à volta do racismo em Portugal voltou a ganhar força depois do assassinato do ator Bruno Candé, alegadamente por motivações racistas, e de na semana passada um grupo de elementos da extrema-direita relacionados com o movimento "Ordem de Avis-Resistência Portugal" se terem manifestado à frente da sede da SOS Racismo.

Posteriormente, foi enviada uma carta com ameaças a vários elementos de organizações antirracistas e a três deputadas, duas do Bloco de Esquerda e a independente Joacine Katar Moreira.

A PJ e o Ministério Público estão a investigar os contornos do caso.

Ainda na quinta-feira, o Presidente da República (PR), Marcelo Rebelo de Sousa, falando sobre este tema, pediu a todos os democratas que sejam “firmes nos princípios”, mas também "sensatos" na forma como fazem a defesa desses valores. Marcelo alerta para os perigos de dar munições a quem quer aproveitar o tema do racismo para criar um clima de divisão na sociedade portuguesa e capitalizar com ele para promover “fenómenos antissistémicos”.

Também o Governo e alguns partidos da oposição tomaram posições de repúdio e condenação em relação às ameaças que foram feitas pelos grupos de extrema-direita.