Susana Torres ajudou Éder a vencer Éder
12-07-2016 - 12:21
 • João Carlos Malta

Ela não se surpreendeu com o que Éder fez. “A intenção dele era a de entrar e de marcar”, diz a “mental coach” a quem o ponta-de-lança dedicou o golo decisivo frente à França. Susana Torres mudou a cabeça de um jogador a quem chamavam tosco.

O ponta-de-lança já lhe tinha dito antes do jogo da Selecção Nacional de futebol com a França: “Vou marcar e vou-te dedicar o golo”. A frase não foi só premonitória: marca uma mudança brutal entre o jogador que Susana Torres, “mental coach”, conheceu com a auto-estima em baixo e o goleador que vai para cima dos adversários e não tem medo de chutar “do meio da rua” para decidir um título europeu.

Chamaram-lhe de tudo: tosco, anedótico, “el pino”. Éder fazia parte do anedotário do futebol nacional e Fernando Santos sentiu isso na pele quando fez dele um dos 23 eleitos para o Euro 2016. A cada falhanço do jovem que se formou no Ademia, em Coimbra, a crítica caia-lhe em cima. Chegou a pensar em abandonar. Teve de construir uma armadura psicológica para aguentar.

A fortaleza foi tão bem erguida que onde antes havia insegurança e incerteza passou a haver coragem – aquela que os franceses provaram no glorioso minuto 108 da final de Paris. Agradeceu a confiança de Fernando Santos, as palavras de motivação a Ronaldo, mas foi Susana Torres, a “mental coach” que lhe mudou a cabeça, a levar o maior elogio.

À Renascença, a consultora especializada em performance desportiva conta que o Éder que conheceu há um ano e meio nada se parece com que agora os portugueses idolatram. “Ele é a prova viva de que o ‘coaching’ e o trabalho de alta performance mudam a carreira de um jogador de futebol”, resume.

Susana Torres explica que o trabalho com Éder se centrou nele, “naquilo que ele controla”. Porque o que não se controla leva-nos, tantas vezes, “a entrar numa espiral negativa”.

Ele tinha a tendência em focar a atenção em tudo o que o rodeava. E aí, explica, há muita coisa que não controlamos: “Uma delas é a opinião das pessoas.”

Primeiro passo da mudança. “Ele aprendeu a centrar-se no que ele controla”. Ou seja, o seu comportamento, as suas atitudes, o seu trabalho. E só nisso.

Assim, Éder “criou um filtro entre o que ele sabe e quer fazer e aquilo que é o contexto exterior”, explica a mulher, que trocou o lugar na direcção de uma dependência bancária pelo “coaching”.

Inglaterra? “Só daqui a dois anos”. “Nada disso, estás lá em seis meses”

Entre o Éder que fraquejava na pequena-área e o que remata de fora da área com a potência e a colocação necessárias para bater um dos melhores guarda-redes do mundo, o francês Hugo Lloris, há uma diferença abismal. O último ano e meio tem sido feito da criação de objectivos. Esta era uma palavra que Éder, segundo Susana, não usava muito.

Por isso, o momento mais marcante foi quando Éder lhe disse que o sonho de infância era o de jogar na “Premier League”, o principal escalão de futebol em Inglaterra.

Susana logo replicou que para aquele sonho se tornar num objectivo tinha que criar um prazo. Éder respondeu a medo. "Com a opinião que as pessoas têm de mim e com os resultados que tenho tido, nem daqui a dois anos vou conseguir."

A “mental coach” deu-lhe um não redondo. “Estás lá em seis meses”, disse-lhe. Ele olhou para ela e anuiu: "Se tu acreditas eu também vou acreditar".

O mesmo não se pode dizer do marido de Susana. Quando chegou a casa depois da primeira sessão com Éder, ele perguntou-lhe como tinha corrido. Ela respondeu: “Lindamente.” Ele retorquiu: “Qual é o grande objectivo dele?”

A mulher contou-lhe que era jogar em Inglaterra, e ouviu de pronto: " Susana, tu não percebes nada de futebol, não sabes no que te estás a meter. É a liga mais exigente do mundo. Isso é uma loucura. Tu fazes a malta acreditar em coisas que não são possíveis. Ninguém sai do Braga para a Premier League".

Éder conseguiu. Rumou ao Swansea. Foi apenas uma passagem de seis meses que teve como destino final Lille, em França.

No início foi a Ritinha

Mas a história de Susana e Éder começou muito antes. O destino juntou-os no “lounge” do estádio de Braga. Mas houve alguém que fez a ponte entre os dois.

Éder saiu do balneário e a pequena Rita, filha de Susana, que tinha três anos, fixou-se naquele homem tão grande. “O Éder aproximou-se dela, perguntou se podia tirar uma fotografia. Ele é muito grande e muito escuro, a Ritinha é muito loirinha e muito pequenina. Fica um contraste muito interessante. Acabou por lhes pedir a fotografia e nós enviámos”, recorda.

Mais tarde, quando a criança fez seis anos, “o Éder lembrou-se e mandou uma mensagem a ver se a Ritinha estava bem e se lhe podia oferecer uma camisola com o número dele e o nome dela”.

Susana disse que sim, mas nunca acreditou que ele o fizesse. “A verdade é que, passada uma semana, ele mandou a camisola com a fotografia e o número dele. Fomos ver um jogo e no final entregou a camisola pessoalmente.”

Arrebitada, a menina fez um reparo ao jogador. "Eu não sou Ritinha. Eu sou Rita, não há confiança para esses diminutivos", lembra, entre risos, a mãe.

A filha de Susana nunca mais o esqueceu e vê todos os jogos do avançado. O último levou a pequena às lágrimas. De alegria.

O gesto de Éder sensibilizou tanto Susana que, em conversa, ela lhe disse que era “coach” e ofereceu os seus conhecimentos de forma gratuita se ele conhecesse alguém próximo que necessitasse. Queria agradecer-lhe o gesto inesperado.

Foi o próprio Éder a querer saber mais. Susana Torres trabalha há um ano e meio com o jogador do Lille.

A relação intensificou-se tanto que Éder e os filhos de Susana “tornaram-se grandes amigos”. “Eles já não vivem uns sem os outros. Talvez por isso ele tenha feito o que fez no final do jogo com a França.”

Foi o Éder que os venceu

A mudança entre o Éder que conheceu e o que agora é um ídolo nacional é abissal. A confiança nas qualidades que possui é um dado adquirido para ele.

Por isso, ao contrário da maioria dos portugueses que viveram 120 minutos de ansiedade, Susana diz que relaxou a partir do minuto 78, quando saiu Renato Sanches para entrar o herói do Saint Denis.

“Conheço o Éder e sei o trabalho que nós fazemos. A intenção dele era a de entrar e de marcar. Sabia que isto ia acontecer porque o Éder é um rapaz extremamente focado”, recorda.

Aliás, o ponta-de-lança já lhe tinha dito para se preparar. Garantiu-lhe que ia ser decisivo. E mais: “[Prometeu que] ia dizer o meu nome na ‘flash interview’”. No final, veio a confirmação. Veio ter com ela à bancada e disse-lhe: “É só para te dizer que cumpri o que prometi.”

Quanto ao impacto que esta exposição mediática terá na carreira que está a construir, Susana diz não saber se será “positivo ou negativo”, mas tem a certeza que uma vitória já garantiu: dar a conhecer “o trabalho dos que potenciam o rendimento desportivo”.

Diz que usa as ferramentas do “coaching” que mistura com as “técnicas de comunicação neurolinguísticas”. O quê? O que é isso? “É basicamente como conciliamos a parte neurológica com a parte linguística, seja ela verbal, não-verbal e paraverbal”, responde.

“No desporto é quando um treinador diz a um jogador: ‘Não vás por aí, não faças isto.” Isso não tem qualquer valor acrescentado em termos de acção. O que ele deve dizer é: faz isto ou vai por aqui. O jogador deve estar focado no que é para fazer e não no que não é para fazer. São algumas coisas que têm a ver com a linguística e como comunicamos quer com os outros, quer connosco”, garante.

Depois há outra ferramenta, essencial. A visão periférica. Trabalhar o foco. Como é que isso se faz? “Usamos alguns jogos, mantemos um ponto na parede e depois começamos a mandar bolas de ténis para que os jogadores as apanhem de vários ângulos, sem tirar os olhos do foco. Ele vai conseguir apanhar bolas em ângulos de 45 graus onde ele não tem qualquer tipo de visão”, refere.

A ideia é depois replicar isso em campo, fazer com que os jogadores sejam mais rápidos a reagir do que os adversários.

Ronaldo, Ibra e Iniesta

A mulher natural de Ponte de Lima segue mais de dez jogadores que jogam nos principais campeonatos de Portugal, França e Inglaterra. Não se pode falar de um sonho, garante, mas antes de um “gosto imenso”.

Quer trabalhar com dois tipos de jogadores: os que, como Éder, têm um potencial “muito grande e que face ao contexto não o estão a utilizar”, e os de alta performance, que estão altamente comprometidos com o sucesso.

Põe no topo desta lista três nomes: Ronaldo, Iniesta e Zlatan Ibrahimović. “São jogadores a quem gostava de dar umas dicas”, anuncia. Mas o que podia melhorar no rendimento de Ronaldo? “Nunca atingimos o nosso limite. Ele sabe disso, por isso é que trabalha para os resultados que tem.”

Depois, num tom humilde, sublinha que o que podia trabalhar com o capitão da selecção “é algo que ele já faz”, ou seja a “liderança”, “liderar pelo exemplo”. Susana acredita que iria aprender muito com CR7. “Seria um excelente exemplo do que eu faço com outros jogadores. Não lhe ia ensinar a ser o melhor porque ele já o é.”

Éder tem os pés na terra

Susana desfaz-se em elogios a Éder e diz que ele a ajuda a ter sucesso no trabalho de “coaching” com o jogador. É “inteligente”, “extremamente humilde”, um “excelente elemento de equipa”, um “amigo” e muito “cordial”. Gosta de ler e não deixa para os outros a realização de tarefas domésticas como cozinhar, lavar e passar a ferro.

Susana garante que não há perigo de o futebolista, que cresceu numa instituição de solidariedade social em Coimbra, se deslumbrar com o enorme marco que foi dar a taça de campeão europeu a Portugal.

“Não será preciso fazer nenhum trabalho para o fazer regressar a terra porque isto não apareceu do nada. Foi um confirmar do objectivo e ele já deve estar a pensar no próximo”, sublinha.

Fora das quatro linhas, a próxima meta de Éder é a publicação de um livro com a história que o levou ao sucesso. Será publicado em parceria com Susana, à partida já no mês de Agosto.