Autor do ataque ao Centro Ismaili estava "a ser ameaçado pelos talibãs para voltar ao Afeganistão"
29-03-2023 - 17:09
 • João Carlos Malta

O líder da comunidade afegã em Portugal diz que esta é uma situação recorrente em vários elementos da comunidade que veem as famílias que estão no Afeganistão serem pressionadas. Omed Taheri pede pena máxima para Adbul Bashir.

Abdul Bashir, o afegão de 29 anos, que matou na terça-feira duas mulheres no Centro Ismaili, em Lisboa, estava a ser ameaçado para regressar para o Afeganistão pelos talibãs.

Quem o diz é Omed Taheri, presidente da Associação da Comunidade Afegã em Portugal. O mesmo acrescenta que é uma situação que está a acontecer com muitos elementos da comunidade.

Ameaçaram a família dele que está no Afeganistão para o obrigar a voltar”, conta Taheri à Renascença.

“E claro que ninguém quer voltar. Os talibãs ameaçam dia após dia e, cada vez mais, as famílias que saíram do Afeganistão para a Europa. Quem diz para Portugal, diz para a Alemanha, e para qualquer outro país. Os familiares que ficaram no Afeganistão estão a ser pressionados e ameaçados pelos talibãs”, descreve o presidente da comunidade afegã.

À Renascença, o mesmo responsável explica a forma como os talibãs, que agora governam o país, exercem esta coação.

Entram na casa de uma pessoa e começam a bater-lhes. Dizem-lhes que são obrigados a chamar as famílias de volta para o Afeganistão”, explica.

Taheri diz que esta situação não aconteceu apenas com Bashir, mas com vários afegãos a residir em Portugal. Acrescenta que estão a dar o apoio a todos os que são coagidos para reforçar a sua segurança.

O líder da comunidade afegã em Portugal vive há 13 anos no país, expressando-se num português quase perfeito. Ele que já foi futebolista, trabalhou na restauração e que agora calcorreia as ruas de Lisboa a conduzir um tuk-tuk.

Taheri, de 31 anos, relata que os afegãos foram todos apanhados de surpresa com o ataque de terça-feira. A primeira reação ao que aconteceu no Centro Ismaili foi a de não acreditar no que estava a ser dito. “Foi um choque muito grande e nós não sabíamos se era verdade ou não”, lembra.

Ao confirmarem que era verdade, os afegãos ficaram “tristes”, porque “quando saímos de um país com guerra, estamos à procura de um país com paz para podermos fazer a nossa vida em tranquilidade”. “Isto não é normal”, sentencia.

Ainda assim, e mesmo havendo relatos de que Bashir estaria com problemas psicológicos − perdeu a mulher na Grécia, durante um incêndio, e tinha dificuldade em encontrar um emprego por ter três filhos menores a seu cargo − nada faria prever o desfecho desta história.

“Ninguém nunca iria pensar que uma pessoa que era um engenheiro, de um momento para o outro levasse uma faca para um centro religioso e quisesse matar alguém”, considera Taheri.

O líder dos afegãos em Portugal teme as consequências que a tragédia no Centro Ismaili possa ter para a comunidade.

“O que está a acontecer, neste momento, está a levar os portugueses a pensarem mal de todos os afegãos, mas não podemos pensar desse modo”, pede Taheri.

Se uma pessoa faz um erro, não podemos culpar a comunidade toda. Quando o Pedro Dias andou a matar pessoas, não dizíamos que os portugueses eram todos culpados e eram todos iguais. Da mesma forma que agora não podem culpar todos os afegãos”, compara.

Taheri salienta que as pessoas que saem do Afeganistão querem adaptar-se à cultura que encontram em Portugal e que isso está a acontecer em 99% dos casos. “O 1% que é o Abdul Bashir. A comunidade afegã está disponível para dar toda a ajuda que o Estado português precisar”, anuncia.

Em relação às consequências para Bashir dos atos que praticou, a comunidade afegã em Portugal pede pena máxima e explica o porquê da necessidade de um castigo exemplar.

Ele cometeu dois erros seguidos ou até poderiam ser três erros seguidos. Por isso, eu acho que tudo o que o Governo decidir a comunidade afegã e Associação da comunidade afegã vai apoiar o Estado. O que decidiram é o mais correto”, acredita.

Esta quarta-feira, o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ) afastou a hipótese de terrorismo.

Afirmou que “não há um único indício” de que o ataque tenha sido um ato terrorista, admitindo ter resultado de “um surto psicótico do agressor”.

Os três filhos do autor do ataque vão ser colocados provisoriamente numa instituição. Em comunicado, o Conselho Nacional da Comunidade Muçulmana Ismaili confirma que as crianças estiveram ontem a ser acompanhadas por uma equipa de "pessoas que as conhecem" do Centro Ismaili, bem como por "psicólogos e segurança social".