Há mais de 20 anos, Lélia Wanick Salgado olhou para um pedaço de terra quase estéril, no Brasil, e sonhou ali plantar uma floresta. Ela, e o marido deitaram semente à terra para fazer nascer esse projeto. Com diversas ajudas, hoje reflorestaram uma parte da Mata Atlântica. É no meio desta floresta que nasceu o Instituto Terra, uma Organização Não Governamental que se dedica à preservação do ambiente, no Brasil.
Esta é uma das ações que levou, este ano, o júri do Prémio Gulbenkian para a Humanidade a distinguir esta brasileira que há mais de 50 anos vive em Paris, com o marido, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. Em entrevista, no Festival Utopia, em Braga, Lélia Wanick Salgado defende que é preciso “tomar conta da casa”, ou seja, no planeta Terra.
“Eu acho que todos nós temos a obrigação de começar a pensar seriamente no nosso planeta. No final das contas, o planeta pode viver muito bem sem o ser humano, a nossa espécie. Mas agora nós não podemos viver sem o planeta. É a nossa casa, então temos de tomar conta da casa, porque a gente não pode viver sem água, não pode viver sem oxigénio. A água e o oxigénio são capturados pelas árvores”, apontou.
Segundo Lélia Wanick Salgado, perante o aquecimento global, é necessário apostar na reflorestação, e cada um pode e deve fazer a sua parte. “Nós somos quase nove mil milhões de pessoas nesse mundo. Se cada um de nós plantar uma árvore por ano, imagina o que a gente iria ajudar” o planeta, refere.
Mas a Prémio Gulbenkian vai mais longe e desafia a classe política. “Realmente temos que fazer uma pressão com os políticos e os prefeitos para arborizar as cidades, porque isso vai capturar todo o CO2, traz oxigénio, água e chuva que a gente precisa”.
Lamentando os incêndios que têm consumido a floresta em Portugal, Lélia Wanick Salgado lembra que “as florestas ardem, porque são monocultura”. “Quando as florestas são misturadas”, refere, dando o exemplo da Mata Atlântica que plantaram, “o fogo não entra tão facilmente”. “A gente tem 400 espécies por hectare”, sublinha, explicando que “uma espécie dá conta de outra” evitando os incêndios. “Quando se planta só de uma espécie, uma monocultura, o fogo vem e queima tudo”, alerta Lélia Salgado.
Defensora da biodiversidade, questionada sobre os protestos dos jovens em defesa do clima, Lélia Wanick Salgado considera “maravilhoso que os jovens estejam realmente tomando consciência de que, para eles continuarem vivendo bem, têm de tomar conta desse planeta”. Contudo, interrogada sobre a forma que esses protestos têm assumido com exemplos de tinta atirada contra quadros em museus, ou contra figuras políticas, Lélia diz discordar.
"Realmente, não acho que isso vá levar a nada", diz, explicando que não se pode culpar o passado, dando como exemplo os portugueses quando chegaram ao Brasil. “A primeira coisa que fizeram foi cortar uma árvore da Mata Atlântica para fazer uma cruz”, explica Lélia Salgado que conclui que à época, não se tinha a mesma consciência que se tem hoje.
Lélia e Sebastião Salgado prepararam exposição sobre 25 de Abril de 1974
Lelia Wanick Salgado é a grande obreira das exposições e dos livros que são editados com a obra fotográfica do seu marido, o fotógrafo Sebastião Salgado. É ela que prepara, desde a cenografia das exposições, até à edição dos álbuns fotográficos.
Fala deste trabalho de equipa que se traduz também no casamento que têm. É uma vida de mais de 60 anos de união que subsiste porque explica têm “os mesmos valores, a mesma visão da vida”.
O mais recente projeto em que estão envolvidos é uma exposição sobre o 25 de Abril de 1974. Em Braga, na sessão na Capela da Imaculada, no Espaço Vita, Lélia Salgado explicou que Sebastião Salgado retratou nos anos entre 1974 e 1976 países como Angola e Moçambique. Passou também por Portugal. Agora, mergulharam nos arquivos para preparar uma exposição que vai abrir no Museu de Imagem e Som de São Paulo.
A mostra não está prevista viajar até Portugal. Mas Lélia considera importante dar a conhecer aos brasileiros essa História recente de Portugal, porque muitos desconhecem a Revolução dos Cravos. Questionada pelo público, sobre uma outra exposição, a “Amazônia” que tem percorrido o mundo, Lélia admite que gostaria de a trazer a Portugal, mas ainda não encontrou o lugar para a realizar.
Um filho Salgado que é uma dádiva
Sebastião e Lélia têm dois filhos, um deles é hoje presidente do Instituto Terra que fundaram no Brasil, o outro, Rodrigo vive com eles em Paris. Rodrigo tem hoje quase 50 anos, e tem Síndrome de Down.
“Ninguém está esperando um filho assim”, admite Lélia num momento em que se emocionou na conversa. “Se chegou esse para mim, então é o meu. Vamos tomar conta dele o melhor possível. Não é fácil de jeito nenhum, mas esse filho ajuda a gente a crescer”, conta.
“A diferença é quotidiana”, explica, acrescentando que Rodrigo lhe deu “outra maneira de solidariedade”. “Nasce uma solidariedade muito maior”, refere Lélia Salgado que admite que houve momentos difíceis, mas que esses episódios que “estavam destinados a ser quase uma catástrofe, viraram uma dádiva”.
Lélia conta de forma orgulhosa que Rodrigo tem um dom, é um pintor de mão cheia. E, recentemente, em França uma empresa produtora de champanhe, que comprou uma fábrica de vitrais, encomendou-lhe 16 vitrais para uma igreja que estão a recuperar. A obra, colorida, já está em marcha.
“Eles gostaram do desenho do Rodrigo, pegaram neles para fazer os vitrais de 16 janelas. Até agora já fizeram quatro. São janelas grandes, de oito metros por 90. É uma maravilha! É meu filho”, conclui de forma orgulhosa esta mãe que já ultrapassou os 70 anos de idade, mas que transmite muita vivacidade.