"Está por saber qual a disponibilidade do PS e do Governo para corresponderem às soluções do PCP"
21-06-2021 - 23:54
 • Susana Madureira Martins

Comunistas levam questões laborais a debate no dia 30 de junho, mas João Oliveira diz que Orçamento do Estado não depende de como o Governo votar esses projetos.

“É fundamental que o PS aprove os projetos do PCP para resolver problemas aos trabalhadores”, diz o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, em entrevista à Renascença. Os comunistas, que encerram esta terça-feira as suas jornadas parlamentares, levam um conjunto de alterações à legislação laboral a debate no dia 30 de junho.

Apesar de considerar fundamental a aprovação pelo PS, João Oliveira desliga esse momento das negociações orçamentais. E deixa um aviso e um desafio aos socialistas: o PCP não se cansará de apresentar as suas propostas, mesmo que ainda esteja por saber a disponibilidade do PS e do Governo.

Visitou o DCIAP e a direção nacional da Polícia Judiciária, há algum sinal que o PCP queira dar com estas visitas na mesma semana em que o Parlamento discute projetos da corrupção e de criminalização do enriquecimento injustificado?

Sim, o objetivo é trazer também para a primeira linha dessa discussão uma dimensão que não pode ficar de maneira nenhuma esquecida ou secundarizada, que tem que ver com a capacidade de quem é responsável pela investigação criminal dar de facto cumprimento a essa responsabilidade e a essa competência que tem.

Parece-nos que a dimensão operacional dos recursos humanos, técnicos, tecnológicos dos peritos, dos assessores que suportam a investigação criminal e que dão apoio ao Ministério Público (MP) e ao trabalho da Polícia Judiciária (PJ) são aspetos absolutamente essenciais. Diria que são tão ou mais essenciais quanto um bom enquadramento legislativo e penal e, portanto, é essencial que essa dimensão não fique esquecida nesta discussão, porque dela também depende boa parte da eficácia da investigação criminal, particularmente quando estamos a tratar de crimes económicos e financeiros e da corrupção.

Esta falta de recursos humanos em várias áreas foi um dos temas abordados quer com a direção nacional da PJ quer com o DCIAP?

Sim, naturalmente e em diferentes dimensões, porque os problemas da Polícia Judiciária têm uma determinada configuração e os problemas do MP, particularmente ao nível do DCIAP, têm outro tipo de configuração, são entidades com naturezas e competências diferentes, mas têm esse denominador comum. Aquilo que é sinalizado é, não só a necessidade de reforço de meios humanos, mas sobretudo meios humanos que tenham condições de facto de corresponder às necessidades que se colocam na investigação criminal. No caso da PJ a necessidade de inspetores e de peritos de polícia científica para o laboratório.

As medidas que foram tomadas nos últimos anos com um conjunto de admissões previstas nos últimos Orçamentos do Estado são absolutamente cruciais e é necessária a cadência dessas admissões, na ordem dos cem inspetores por ano para garantir a prazo não só a resolução das carências, mas também a substituição das pessoas que se estima que venham a sair por aposentação e outros motivos.

No caso do Ministério Público, aquilo que é mais identificado é a necessidade do reforço das perícias, dos consultores que dão suporte à investigação criminal. É identificada uma insuficiência dos meios do Núcleo de Apoio Técnico para a correspondência das exigências da investigação. Dou um exemplo, no processo do BES, em que é identificada a demora de seis anos na investigação, e em que se constata que os primeiros três anos serviram para constituir uma equipa técnica que fosse capaz de assessorar o MP no trabalho de investigação criminal que é preciso fazer. Isso resulta do quê? Precisamente da falta de recursos em permanência e é um problema que tem de ser rapidamente ultrapassado até porque envolve exigências em relação à independência e à confiança das pessoas.

Estamos a tratar de investigação criminal de criminalidade complexa e a garantia da qualidade desse trabalho técnico e da reserva de confidencialidade tem de ser tido em conta e é pouco compatível com soluções de recurso pontual, sobretudo de entidades externas ao Estado.

Em relação à pandemia, estas jornadas acontecem numa altura em que a Área Metropolitana de Lisboa (AML) está como está e falou mesmo na abertura das jornadas de "parâmetros cegos" que estão na base de decisões governo para o controlo da pandemia. Podemos dizer que o Governo está neste momento à deriva e a tomar decisões avulsas?

Não sei se a questão será tanto à deriva. Aquilo que quisemos sinalizar na abertura das jornadas parlamentares é precisamente o critério que deve ser considerado nas opções políticas que o governo devia fazer e não faz. Precisamente porque desconsidera esse critério.

O PCP anda há mais de um ano a chamar a atenção para aquilo que tem de ser o papel e o sentido das opções políticas e do papel do Estado na resposta a este problema sanitário. E as opções do governo não podem ser feitas em função de deixar as coisas andarem em roda livre e depois perante o agravamento da situação epidemiológica vir determinar medidas de confinamento ou de restrição sejam elas quais sejam.

O governo tem a responsabilidade de agir e intervir ativamente para evitar a propagação e transmissão do vírus para interromper cadeias de transmissão para garantir a defesa das pessoas contra as implicações que tem o vírus. Isso implica coisas tão simples como a vacinação, o rastreio, a testagem e os apoios sociais. A situação que estamos a viver na Área Metropolitana de Lisboa (AML) exige precisamente isso. O avanço e massificação da vacinação para garantir que as pessoas estejam menos expostas a consequências mais graves da doença e, simultaneamente, o reforço da capacidade de rastreio e testagem e isto só se faz com o reforço de equipas de saúde pública. Andamos a dizer isto há mais de um ano. O Governo continua a insistir em utilizar parâmetros e critérios para de quinze em quinze dias fazer uma reavaliação apenas para determinar se há mais ou menos restrições. Isso não serve.

Em relação a outra matéria cara ao PCP, a legislação laboral e os projetos de lei que vão ser discutidos no final deste mês no parlamento. Acha que desta vez o Governo e o PS vão dar mesmo um sinal sobre esta matéria?

Essa é a pergunta que também nós fazemos. O PCP marcou um agendamento potestativo para dia 30 de junho, que tem de facto como tema quatro projetos que vamos levar à Assembleia da República sobre a aplicação das 35 horas de trabalho semanal para todos os trabalhadores, a reposição dos 25 dias úteis de férias, o combate à precariedade e a regulação dos despedimentos. São questões absolutamente essenciais face aos problemas que estão a viver milhões de trabalhadores.

Há neste momento milhões de trabalhadores sujeitos a uma situação de inaceitável aproveitamento da epidemia como pretexto para agravar a exploração das condições de trabalho e condições de vida. Se o Governo e o PS continuam a fazer o discurso que fazem relativamente a uma pretensa preocupação em relação a estas matérias, aí têm a oportunidade para fazer corresponder o discurso à prática com soluções que o PCP propõe e que, sendo aprovadas, resolverão esses problemas aos trabalhadores portugueses. E nós esperamos que no dia 30 de junho efetivamente o PS faça corresponder o discurso à prática aprovando as iniciativas que o PCP vai levar à discussão.

E esta não é uma questão de saber como é que o PS ou o governo respondem ao PCP, é saber sobretudo como é que perante as soluções que o PCP apresenta, o PS e o Governo se querem colocar perante os trabalhadores portugueses que estão neste momento a ser alvo de inaceitável aproveitamento da epidemia para agravar a exploração.

A maneira como o Governo responder aos projetos do PCP sobre legislação laboral vai ser importante para a abordagem do partido em relação às negociações do Orçamento do Estado ou ainda estamos num tempo muito anterior a isso?

Acho que a questão não é só de calendário, é mesmo de substância. As questões não se confundem, não se misturam, nem podem umas ser discutidas a troco das outras. Não é a aprovação pelo PS destes projetos de lei que o PCP apresenta que determinará o quer que seja em relação ao posicionamento do PCP sobre o Orçamento do Estado. É fundamental que o PS aprove estes projetos de lei que o PCP apresenta para resolver estes problemas aos trabalhadores. Mas ficarão muitos outros problemas por resolver, alguns dos quais têm que ter a sua solução equacionada no Orçamento do Estado e essa é uma outra discussão que, naturalmente terá o seu calendário próprio e terá o seu momento para ser feita.

Nós não baralhamos as coisas e também não desistimos de nenhuma das propostas, nenhuma das soluções que têm de ser encontradas seja no Orçamento do Estado, seja fora dele.

O secretário-geral do PCP dizia na abertura das jornadas que este ia ser um "tempo de luta" para os direitos laborais.

E é essa luta que estamos a levar também à Assembleia da República com estas soluções para estes problemas dos trabalhadores que todos os dias temos discutido com os trabalhadores nos seus locais de trabalho.

É uma luta que vão levar até às negociações do Orçamento do Estado?

Vamos levá-la à Assembleia da República em todos os momentos em que ela for necessária. Logo na sequência do 1.º de Maio, fizemos uma interpelação ao Governo precisamente sobre questões laborais e problemas que os trabalhadores estavam a viver. Na sequência dessa interpelação que fizemos no início de maio, vamos agora em junho levar à discussão quatro projetos sobre matérias absolutamente essenciais para a vida de milhões de trabalhadores.

Na discussão do Orçamento do Estado lá estaremos a apresentar e a discutir as propostas que têm sentido discutir no Orçamento do Estado para corresponder aos problemas dos trabalhadores e depois do Orçamento estar discutido e votado lá estaremos novamente para continuar a apresentar as propostas que forem necessárias. Aquilo que verdadeiramente está por saber é qual a disponibilidade do PS e do Governo para corresponderem a essas propostas e a essas soluções que o PCP não se cansará de levar à discussão na Assembleia da República.