Guerra, agenda climática, inteligência artificial, habitação e emprego. São estas as linhas centrais do discurso da presidente da Comissão Europeia, na abertura do debate sobre o Estado da União, em Estrasburgo, esta quarta-feira.
Naquele que é o último discurso sobre o Estado da União antes das eleições europeias do próximo ano, Von der Leyen aponta o combate às alterações climáticas como uma prioridade, lembrando os incêndios deste verão no sul da Europa, bem como as temperaturas extremas e as cheias em vários países.
Uma realidade de um "planeta a ferver", diz.
Noutro plano, da concorrência, Ursula von der Leyen anunciou uma investigação aos subsídios estatais chineses aos veículos elétricos.
Em causa a concorrência nos carros elétricos mais baratos que - segundo von der leyen - “distorce o mercado”.
A presidente da comissão diz que a Europa está "aberta à concorrência", mas "não a nivelar por baixo", rejeitando práticas comerciais desleais.
Uma palavra, ainda, sobre a guerra na Ucrânia: Ursula von der Leyen diz que estamos a assistir ao nascimento de uma união geopolítica, aqui numa alusão à guerra da Rússia na Ucrânia.
Uma lei da IA que serve de “modelo para o mundo”
Ursula von der Leyen apelou ainda para a aprovação de uma nova lei da inteligência artificial (IA), anunciando ainda uma iniciativa europeia para supercomputadores.
“Apresentámos a lei da IA - a primeira lei abrangente do mundo a favor da inovação no domínio da IA - e quero agradecer a esta assembleia e ao Conselho pelo trabalho incansável nesta lei inovadora. A nossa lei da IA é já um modelo para todo o mundo, [mas] temos agora de nos concentrar em adotar as regras o mais rapidamente possível e passar à sua aplicação”, disse Ursula von der Leyen no seu discurso sobre o Estado da União em 2023, na sessão plenária do Parlamento Europeu, na cidade francesa de Estrasburgo.
Numa altura em que os colegisladores (Estados-membros e Parlamento Europeu) da UE estão, desde junho passado, a negociar estas primeiras regras comunitárias para que os sistemas de IA sejam seguros e respeitem os direitos fundamentais, a líder da Comissão Europeia definiu como prioridade “garantir que a IA se desenvolva de uma forma centrada no ser humano, transparente e responsável”.
“Acredito que a Europa, juntamente com os seus parceiros, deve liderar o caminho para um novo quadro global para a IA, assente em três pilares: barreiras de proteção, governação e orientação da inovação”, elencou Ursula von der Leyen.
No seu discurso sobre o Estado da União, a responsável destacou que “a Europa se tornou líder no domínio da supercomputação, com três dos cinco supercomputadores mais potentes do mundo”.
“Temos de tirar partido deste facto e é por isso que posso anunciar hoje uma nova iniciativa para abrir os nossos computadores de alto desempenho às empresas em fase de arranque no domínio da IA para treinarem os seus modelos”, revelou Ursula von der Leyen.
Ursula von der Leyen observou que, nos últimos anos, “a Europa assumiu a liderança na gestão dos riscos do mundo digital” com as novas leis para os serviços e os mercados digitais, perante desafios como a “desinformação, difusão de conteúdos nocivos, riscos para a privacidade dos dados”.
“O mesmo deve acontecer com a inteligência artificial”, adiantou.
A líder do executivo comunitário defendeu a criação de um organismo semelhante ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, no âmbito das Nações Unidas, mas dedicado à IA, “sobre os riscos e os seus benefícios para a humanidade”.
A Comissão Europeia apresentou, em 2021, esta proposta para regular os sistemas de IA, a primeira legislação ao nível da UE e que visa salvaguardar os valores e direitos fundamentais da UE e a segurança dos utilizadores, obrigando os sistemas considerados de alto risco a cumprir requisitos obrigatórios relacionados com a sua fiabilidade.
Esta será, então, a primeira regulação direcionada para a IA, apesar de os criadores e os responsáveis pelo desenvolvimento desta tecnologia estarem já sujeitos à legislação europeia em matéria de direitos fundamentais, de proteção dos consumidores e de regras em matéria de segurança.
Elevada inflação é “grande desafio” que vai “levar tempo” a resolver
Durante o seu discurso, von der Leyen admitiu que um dos grandes desafios económicos que persiste é a inflação elevada. “Christine Lagarde [presidente] e o Banco Central Europeu [BCE] estão a trabalhar arduamente para manter a inflação sob controlo, [mas] sabemos que o regresso ao objetivo de médio prazo do BCE levará algum tempo”, disse em Estrasburgo.
A presidente da Comissão Europeia elencou ainda outros questões importantes para a indústria no próximo ano, como a “escassez de mão-de-obra e de competências” e a necessidade de “facilitar a atividade das empresas”, num contexto de contido crescimento económico, de consequências da guerra na Ucrânia e de uma apertada política monetária que dificulta o acesso ao financiamento.
Von der Leyen anunciou ainda que pediu a Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu que descreveu como “uma das maiores mentes económicas da Europa”, para apresentar um relatório sobre o futuro da competitividade europeia, numa altura em que o bloco aposta numa transição limpa com “olhos no futuro” e na definição de uma forma da União Europeia continue competitiva.
A taxa de inflação tem vindo a baixar nos últimos meses após registar valores históricos devido à reabertura da economia pós-pandemia de covid-19, à crise energética e às consequências económicas da guerra na Ucrânia, mas ainda assim acima do objetivo de 2% fixado BCE para a estabilidade dos preços.
Para o atingir, o BCE tem apertado a política monetária com sucessivos aumentos das taxas de juro, agora a um ritmo mais lento.
Europeias serão momento para decidir “tipo de Europa” que se quer
Garantindo que cumpriu "mais de 90%" das suas promessas e fazendo um balanço sobre o seu mandato até agora, von der Leyen apelou ainda ao voto nas próximas eleições europeias, de junho de 2024, onde estarão os jovens que nasceram em 2008, o ano que marcou o início de uma crise financeira.
“Dentro de pouco menos de 300 dias, os europeus irão às urnas na nossa democracia única e notável. Como em qualquer eleição, será um momento para as pessoas refletirem sobre o estado da nossa União e o trabalho realizado por aqueles que as representam, mas será também um momento para decidirem que tipo de futuro e que tipo de Europa desejam”, declarou.
A presidente da Comissão Europeia afirmou ainda que as alterações climáticas e a guerra na Ucrânia terão um grande impacto nas eleições: "Quando estiverem na cabina de voto, vão pensar no que é importante para eles. Pensarão na guerra que grassa nas nossas fronteiras ou no impacto das destrutivas alterações climáticas, sobre a forma como a inteligência artificial irá influenciar as suas vidas ou sobre as suas hipóteses de conseguir uma casa ou um emprego nos próximos anos."
UE tem de se preparar para um alargamento "rapidamente"
Von der Leyen defendeu ainda que Bruxelas se deve preparar para um alargamento sem esperar pela alteração dos tratados, anunciando a abertura de Relatórios sobre o Estado de Direito a países candidatos.
"É possível obter mais rapidamente uma União adequada ao alargamento", disse, referindo estar "muito satisfeita" com a medida anunciada e anunciando que a UE vai começar a trabalhar numa série de revisões políticas pré-alargamento para ver como cada área pode ter de ser adaptada a uma UE maior.
"Teremos de refletir sobre o modo de funcionamento das nossas instituições - como serão o Parlamento e a Comissão, sobre o futuro do nosso orçamento - em termos do que financia, como financia e como é financiado - e precisamos de compreender como garantir compromissos de segurança credíveis num mundo em que a dissuasão é mais importante do que nunca", anunciou.