A comunidade académica e a sociedade do conhecimento em geral estão a ser confrontadas com o uso crescente da IA, a inteligência artificial. A robotização do mundo veio para ficar e as inter-relações entre humanos e máquinas já aí estão, por todo o lado. A mais recente novidade - ameaçadora ou prometedora, consoante as perspetivas - dá pelo nome de ChatGPT (de “Generative Pre-Trained Transformer”).
O ChatGPT é um programa de processamento (de autoria) de texto criado pela empresa de desenvolvimento OpenAI (que tem o dedo e o dinheiro de Elon Musk), disponibilizado gratuitamente, com a capacidade de gerar conteúdos sobre qualquer tema, de forma original, como se fossem escritos por um ser humano. A pessoa dita o tema para o computador, orienta-o, porventura, com palavras-chave, e o software produz o texto, redigido instantaneamente sem as delongas reflexivas do pensamento humano, por uma mão invisível no teclado diante de nós.
Na sua tripla qualidade de leitor de bibliografia, assistente de pesquisa e redator de texto, o ChatGPT já chegou às universidades, levantando um mar de possibilidades, problemas e desafios. As possibilidades são infinitas para os alunos e para os investigadores que querem produzir trabalho, no mundo do “publish or perish”. O software de IA já domina o que um ser humano levaria cinco mil anos a ler, 24 horas por dia! E para quem não tem tempo e/ou é preguiçoso no estudo, nada mais confortável do que ter um “escritor-fantasma” ao alcance do dedo, instantâneo e anónimo. Recorrer ao ChatGPT não é o clássico plágio, de cópia integral, porque a máquina combina autores, compara teses, reúne argumentos e cria um texto original, tal qual nós fazemos quando cumprimos as regras deontológicas da academia. Pode fazer-se? Pode. Deve fazer-se? Não – tal como não sendo crime vender ou comprar teses na internet, a autoria-fantasma é um atentado à criação intelectual assinada.
As histórias que qualquer professor tem com as ajudas de software usadas pelos alunos enchem anedotários. O problema está no que elas significam. Um texto feito por uma máquina só é original, no sentido de criativo, porque será nova a síntese de conhecimentos que ela faz; mas não creio que o software, sozinho, possa ter a criatividade da autoria humana, que, da revisão da literatura e da explanação de um estado da questão em estudo, parte para a produção de conhecimento novo, que acrescenta. Por isso, a generalização de programas de IA como o ChatGPT convidará à preguiça intelectual, ao saber como uma junção infinita de migalhas de hipertexto e, corolário disto, à morte da autoria, como objeto e expressão da singularidade do pensamento humano, desde que o hominídeo começou a pensar, para pesar, escolher e agir. As máquinas podem ajudar-nos, permitindo pesquisas online, disponibilizando fontes via net, criando programas de referência bibliográfica. Mas a IA é auxiliar da inteligência humana; e no (não tão) admirável mundo da inteligência artificial, é da natural que nós mais precisamos.
A morte da autoria, sem a qual nenhum saber ou mundo progridem, já chegou. A mim, aconteceu-me, não há muito tempo, ter de confrontar um aluno por ter apresentado como “seu” um texto copiado ipsis verbis da internet. A resposta desse aluno não foi uma confissão, envergonhada ou resignada, de culpa; foi um simples e despreocupado “sim, o texto é da net; mas quem o encontrou fui eu!”. Eis assim a autoria, concatenação crítica e complexa de leituras e ideias, reduzida ao gesto mecânico da mão sobre o rato de um computador. É isto progresso? Duvido.