Arménio Carlos. "O trabalho é o parente pobre do programa eleitoral do PS"
12-09-2019 - 00:00
 • Ana Carrilho (Renascença) e Maria Lopes (Público)

Entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e jornal “Público”, o secretário-geral da CGTP defende um aumento em janeiro de 90 euros para todos e critica os sindicatos de motoristas por "prestarem um péssimo serviço aos trabalhadores".

"O trabalho é o parente pobre do programa eleitoral do PS”, acusa o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e jornal “Público”.

Arménio Carlos define já o primeiro patamar para a subida do salário mínimo até aos 850 euros a curto prazo, com um aumento em janeiro de 90 euros para todos. Para o resto não há calendário, mas a CGTP quer que seja antes do fim da próxima legislatura. Critica o PS por o trabalho ser o "parente pobre do programa" e os sindicatos dos motoristas por "prestarem um péssimo serviço aos trabalhadores".

Oito anos depois de assumir o lugar de secretário-geral da CGTP, passará a pasta no congresso de fevereiro de 2020 devido à regra interna que impede os dirigentes que passam à reforma durante o mandato seguinte de se candidatarem a funções executivas. O futuro será sindical e nunca em funções políticas, garante na entrevista Renascença/Público.

O que gostava de fazer depois de tantos anos no sindicalismo? Já decidiu?
Vou regressar à minha empresa, a Carris, e demonstrar que sou igual a muitos outros e, em segundo lugar, [mantenho] a minha disponibilidade total para apoiar a luta dos trabalhadores e continuar a cooperar com o meu sindicato e com a CGTP naquilo que considerarem que é mais importante.

Vai encontrar um ambiente completamente diferente do que deixou…
Entrei para o movimento sindical em 1985, regressarei em 2020 à empresa. Vou encontrar gerações completamente diferentes da minha e será uma experiência interessante no tempo que lá passar com eles para ouvir o que têm para dizer e já agora também transmitir o que é a cultura, a mística da Carris. Sempre foi uma empresa muito importante na luta pela liberdade e pela democracia, contra o fascismo, nas reivindicações dos trabalhadores.

Entre as gerações mais novas, o nível de filiação nos sindicatos é muito mais baixo. O que falta para aliciar os jovens?
Acima de tudo estabilidade e segurança no emprego, e acabar definitivamente com o assédio, com a repressão e pressão que é exercida muitas vezes sobre os trabalhadores, particularmente sobre os de vínculo precário. Porque são esses que vivem na insegurança: sabem que foram contratados hoje, mas não sabem se amanhã o contrato se vai prolongar ou se regressam ao desemprego. E muitas vezes estes trabalhadores estão a ocupar postos de trabalho permanentes.

Isto está ligado ao modelo de baixos salários e de trabalho precário, que penaliza particularmente os mais novos se não rompermos com ele. Por isso, este ano é o ano da exigência de uma outra distribuição da riqueza que passa pelo aumento geral dos salários.

Essa é uma das reivindicações que a CGTP vai apresentar aos partidos que se propõem formar Governo?

Sim. É fundamental romper com esta política de baixos salários. Neste momento temos 2.240.000 trabalhadores com salários líquidos mensais que não ultrapassam os 900 euros; 23% dos trabalhadores recebem o salário mínimo nacional (SMN).

Depois, há outra componente: provou-se nesta legislatura que uma ligeira reposição dos rendimentos e consequente melhoria do poder de compra foi determinante para fazer evoluir a economia, criar mais emprego, para reforçar as contas da Segurança Social. Este é o momento para promover um aumento significativo dos salários dos trabalhadores em Portugal.

Como?
Com um aumento nominal de 90 euros para todos os trabalhadores, independentemente da sua profissão, seja no sector privado ou no público, a partir de janeiro. Esta vai ser a nossa proposta reivindicativa para toda a contratação coletiva. Vamos negociar com as entidades patronais e com o Governo.

E quais as metas para as pensões?
Não definimos um valor, mas é necessário mexer na lei. Queremos uma atualização global das pensões que melhore o poder de compra de todos os pensionistas. Hoje temos um problema: se a economia crescer abaixo de 2% nos últimos quadrimestres do ano não há atualização das pensões de um número significativo de reformados.

Deve acabar essa regra?
Sim, acabar com a regra que condiciona esta atualização e encontrar uma solução que permita que anualmente as pensões possam ser melhoradas, evidentemente, de acordo com as condições económicas que tivermos e do suporte da Segurança Social.

Pede o aumento do salário mínimo para 850 euros. Mas para quando?
A curto prazo.

Isso é quando?
É a nossa disponibilidade para dizer ao Governo e às confederações patronais que não temos uma proposta fixa para amanhã; temos uma proposta que pode ser negociada num período de tempo.

Para uma legislatura?
Pode não chegar ao final da legislatura.

Noventa euros em janeiro, ficam a faltar 160 para os 850.
Concluirá que não chega a uma legislatura.

Depende do ritmo...
Não chega. E até pelas suas contas é conseguido o objetivo antes. Não temos nenhum limite temporal, mas temos um objetivo: que os 850 euros sejam concretizados no menor espaço de tempo. Vamos ver a posição das confederações patronais e do Governo.

O Governo definiu salários mínimos diferentes para o privado e para o público. É uma estratégia de dividir para reinar?
Acima de tudo é uma estratégia errada. Aumentou para 635 euros na administração pública e muitos desses trabalhadores deviam receber 683 euros. Existem dois SMN em Portugal e a nossa proposta de 850 euros resolve o problema por si mesma: a curto prazo todos sairão beneficiados.

Há meses prometia muita contestação por causa das alterações à lei laboral e até admitia uma greve geral. Ainda o fará este ano?
A questão da greve foi-me colocada várias vezes e eu sempre disse que essa não tinha sido uma discussão feita na comissão executiva.

Mas as alterações não são gravosas o suficiente para pensarem nisso?
Todas as formas de luta são adequadas. Na altura era preferível avançar com manifestações e foi o que fizemos.

Pesando os prós e contras, que balanço faz da legislatura do Governo de António Costa? O PS foi de alguma forma oportunista ou interesseiro ao ceder, numa primeira fase, aos partidos de esquerda para conseguir ter o poder, e depois, quando já não precisava, os deixou?

Penso que não se usou o princípio do encarta e descarta, mas quando foram assinadas as posições políticas conjuntas entre os partidos, o que a CGTP disse é que valorizava aqueles entendimentos, mas entendia-os como mínimos. Porquê? Porque havia matérias essenciais como o código de trabalho, a contratação coletiva e a eliminação da caducidade, o combate firme e determinado à precariedade, que não constavam porque o PS se recusou a assumir esse compromisso. Aquilo era o início de um processo que foi correto e que corresponde a algumas das nossas reivindicações.

E o fim do processo?
Já lá vamos. E quando nos perguntavam em 2016: ‘então vocês agora não lutam? Vão de férias?’ Não estamos de férias, mas não somos masoquistas. Se um conjunto de reivindicações que apresentávamos - os feriados, as 35 horas, etc… - estava a ser atribuído...

Mas essa era a parte mais fácil dos acordos.
Exato. A segunda parte era quando se chegava a tocar no ninho das vespas. Aí é que está o problema: legislação do trabalho. E aí há uma contradição brutal do Governo: por reivindicação da CGTP deu corpo ao Livro Verde das Relações Laborais, onde há uma crítica profundíssima às políticas laborais desenvolvidas anteriormente. A conclusão só podia ser uma: se era errado tinha que ser corrigido.

E o PS fez precisamente o contrário: em vez de aproveitar a correlação de forças na Assembleia da República e fazer entendimentos com a CGTP, BE, PCP e PEV, não; optou por fazer entendimento com a direita. E veja-se o caricato: a revisão do código de trabalho foi aprovada apenas e só com os votos do PS. Até o PSD e o CDS se abstiveram porque tinham a garantia que o PS fez aquilo que eles não tinham capacidade para fazer.

Perante essa incoerência do PS, que balanço faz então?
O balanço é negativo em relação à área laboral. Porque mantém no essencial a política laboral de direita. Houve uma concertação de posições entre o Governo e o Presidente da República.

O Presidente também foi uma desilusão?
Não foi desilusão, foi um erro que o sr. Presidente cometeu. E é constitucionalista e professor de Direito... E quando se justifica que a legislação do trabalho deve passar porque podemos ter problemas com a desaceleração económica internacional... Por favor, não tratem os portugueses como mentecaptos!

Já leu os programas eleitorais? O PS só fala no combate à precariedade.
E de forma genérica. O trabalho é o parente pobre do programa do PS.

A CGTP está a fazer um apelo aos trabalhadores para não darem maioria absoluta ao PS…
É um apelo que é rigorosamente igual àquele que fizemos em 2015 quando estava o Governo PSD-CDS no poder.

Os novos movimentos e sindicatos independentes, como o de matérias perigosas, que manifestam algum radicalismo e extremismo nas ações e como apresentam as reivindicações, dão má imagem ao sindicalismo e fomentam propostas como a do CDS de alterar a lei da greve?
Eu creio que eles prestaram um péssimo serviço aos trabalhadores que diziam representar porque os encaminharam para um beco sem saída. Estes dirigentes que estavam à frente deste sindicato arranjaram forma de dar ao Governo um pretexto para fazer aquilo que nunca outro Governo fez em 45 anos: tentar esvaziar a lei da greve.

É inadmissível a posição que o Governo assumiu. Transformar serviços mínimos em serviços máximos e a ideia paradigmática de antes de haver violação dos serviços mínimos se anunciar uma requisição civil preventiva... isso não está em lei nenhuma!

Tem que haver, acima de tudo, inteligência e responsabilidade na condução de um processo de luta. Deram pretexto ao Governo para atacar o direito de greve de todos os trabalhadores que a seguir tenham necessidade de lutar.

O Governo fez aqui algum experimentalismo para perceber se pode, a prazo mudar a lei da greve?

O Governo está a tentar fazer o caminho caminhando, para depois ver quais as respostas e reações. Na CGTP não abdicaremos de exercer o direito de greve e o CDS está claramente a fazer uma manobra de diversão de que está preocupado com as pessoas.

Regressando à CGTP: já está a ser preparada a sua sucessão?
Não, sinceramente, até hoje não foram discutidos nem nomes nem cargos. Estamos numa fase de preparação da discussão do anteprojecto do programa de ação que será finalizado em novembro pelo Conselho Nacional. Só depois haverá auscultação dos sindicatos, federações e uniões sobre a avaliação dos membros do conselho actual e propostas de inclusão de outros sindicalistas.

Deixa a CGTP em fevereiro, é membro do Comité Central do PCP, partido que tem o seu congresso ordinário em dezembro e Jerónimo de Sousa já disse que em princípio não tenciona recandidatar-se a secretário-geral e o seu nome é um dos que surgem no horizonte. Vê-se no papel de secretário-geral do PCP?
Não. Não vou exercer nenhuma função política com responsabilidades depois de deixar de ser secretário-geral da CGTP. Continuarei a participar politicamente, sindicalmente, mas eu não exercerei nenhuma função seja de que tipo for no plano político-partidário com destaque no futuro. Pelo que sei, ultimamente as declarações de Jerónimo de Sousa apontam para a sua disponibilidade em continuar. Pela minha parte, estejam descansados que não há candidato.