"É fundamental manter os jovens, mas também é fundamental garantir coesão social"
13-10-2024 - 09:30
 • Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Agência Ecclesia)

Na semana em que o Governo entregou na Assembleia da República a proposta de Orçamento do estado, é convidado de Renascença e da Agência Ecclesia, Carlos Figueira, da equipa de coordenação do hub português da Economia de Francisco.

O economista Carlos Figueira, da equipa de coordenação do hub português da "Economia de Francisco", deixa, em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia, o alerta para a necessidade de políticas que, em sede de Orçamento, promovam o equilíbrio e a equidade. “É fundamental garantir que os portugueses, as pessoas que vivem cá, também têm qualidade de vida”, sublinha.

Carlos Figueira defende políticas "mais integrais", dando como exemplo a questão dos transportes: “Não consigo discutir política de habitação sem discutir política de transportes em Portugal. Não consigo. E, honestamente, faz-me muita confusão que, muitas vezes, os transportes sejam completamente ignorados na questão da habitação."

Figueira defende também que não se pode "discutir a permanência dos jovens em Portugal sem falar de educação de qualidade, sem falar de serviço de saúde de qualidade, sem falar numa abordagem do trabalho, em que a cultura de trabalho é completamente diferente, sem falar de uma redefinição daquilo que é a especialização da economia portuguesa, ou seja, em que setores é que nós estamos mais especializados, em que há emprego em Portugal”.

Nesta semana em que o Governo entregou no Parlamento a proposta de Orçamento para 2025, Carlos Figueira admite que “nem sempre é fácil cativar os jovens para os temas" ligados à Economia e deixa “um apelo às novas gerações” para, como disse o Papa na JMJ, "não nos fiquemos pelas respostas rápidas".

Carlos Figueira considera ser necessária uma nova cultura política que coloque “os problemas reais das pessoas no centro”, porque só a perspetiva de serviço pode “conseguir resolver o problema real das pessoas”.

O economista pede que se discutam os assuntos com profundidade como forma de combater os populismos, porque “muitas vezes, ficamos pela rama, pelas respostas rápidas, pelas frases fáceis”.

“O Papa Francisco chamou muita atenção para isso: às vezes, vale mais fazer uma boa pergunta, mesmo que não se logo resposta, do que chegar a uma solução, a uma rápida resposta que, depois, se vai provar que não faz sentido."

Teve a oportunidade de estar, recentemente, com o Papa e ele, mais uma vez, convidou o mundo a mudar a economia. É um desafio particular, até para quem se assume como católico, aplicar os princípios do pensamento social-cristão a questões como o mercado ou o sistema financeiro?

É, claramente, um desafio. Aliás, eu gostava de começar por dizer que é um desafio para todo o católico, não só no contexto da economia e no contexto do mercado financeiro. Na verdade, a economia está presente em toda a nossa vida, não é? É, claramente, um desafio, mas também é importante, até para quem possa estar menos familiarizado com aquilo que é a Economia de Francisco, que o Papa, quando lança este convite em 2019, o lance aberto a todos os jovens, de boa vontade. Portanto, não é só o ser católico ou não. Obviamente que, enquanto católicos, todos nós temos essa responsabilidade, de aplicar o pensamento social-cristão no nosso dia-a-dia e, particularmente, na economia.

O Papa lançou-nos este desafio muito concreto, muito difícil também, de aplicar os seus princípios - desde o bem comum, a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, todos esses princípios da doutrina social da Igreja - no nosso dia-a-dia e no contexto da economia, no contexto dos mercados financeiros. É isso que, no fundo, este processo visa fazer. Esta "Economia de Francisco" é também pensar soluções, refletir nos problemas atuais e pensar qual a forma de responder a esses problemas, com o papel fulcral dos jovens que dinamizam este processo, que são os protagonistas.

Eu, enquanto jovem que pertenço a este processo, sinto muito essa confiança do Papa, que confia em nós, jovens, nas nossas características, no nosso entusiasmo, na nossa dinâmica, na nossa vontade de fazer e de fazer diferente para, no fundo, mudarmos a economia, a forma como se faz a economia, a forma como os mercados financeiros funcionam. Trata-se de trazer aqui para o centro a dignidade da pessoa humana.

Foi convidado a fazer parte do grupo de membros da comunidade internacional na Assembleia da Nova Fundação Economia de Francisco. O que é que representa este novo passo da comunidade global que se criou nos últimos cinco anos?

É um passo, sem dúvida, muito importante. A fundação também surge no decorrer de um processo de auscultação da comunidade e é vontade da comunidade haver mais estrutura, mais organização. Portanto, a fundação é criada também como resposta aos nossos anseios, aos nossos desejos, aos nossos sonhos. É importante exatamente por isto, porque vem dar estrutura, vem apoiar aquilo que a comunidade quer fazer, apoiar os seus projetos, os seus sonhos. É um passo em frente neste processo, que começou há cinco anos.

No fundo, vai-nos ajudar a dar passos mais concretos a nível global e tem o objetivo de garantir também coisas muito concretas: acesso a financiamento, materializar mais projetos para permitir que eles tenham mais impacto, unir mais a comunidade, partilhar mais o conhecimento e, no fundo, também abrir novas oportunidades de colaboração. Reforçar a cooperação a nível global também no interior desta comunidade e promover processos não só globais como locais.

Como é apanágio da "Economia de Francisco", há escuta, diálogo entre toda a comunidade, garantindoque as várias vozes são ouvidas. Estamos a falar de um movimento que é global e cada contexto tem as suas características, tem a sua forma de ver a realidade. Nós aprendemos muito uns com os outros. Portanto, esta fundação vai dar mais estrutura e vai-nos permitir começar a materializar ainda mais passos muito concretos. Temos um novo impulso.

Esta "Economia de Francisco", este movimento, apesar de ser relativamente jovem, já começa a receber também uma outra geração de estudantes, de economistas. Isso é importante para o caminho que se faz?

Sim, sem dúvida. Quando estive agora em Roma, não só tivemos uma audiência com o Papa, mas também tivemos o início dos trabalhos daquilo que vai ser, no meu caso, a participação na Assembleia, que é um dos órgãos da Fundação que visa representar a comunidade. Posso dizer que, nesse início dos trabalhos consideramos como ponto fundamental garantir que há continuidade deste processo.

De facto, no início do processo, em 2019, era suposto haver apenas um evento. O Papa, quando lança o convite, é apenas para um evento. Depois, isto, de alguma forma contra todas as expectativas, porque tivemos o Covid e etc., ganhou uma vida muito para além daquela que à partida estava destinada. Passou a ser um processo, um movimento que dura até hoje e que ainda vai crescer mais com a Fundação.

O primeiro evento era para pessoas até 35 anos. Agora, as pessoas. muitas delas já começam a estar fora deste desse âmbito. Apesar de este ser um movimento em que os protagonistas são os jovens, a "Economia de Francisco" é aberta a todos e há diferentes papéis para diferentes profissões.

Tem professores universitários, empresários...

Exatamente. Nós também somos apoiados para aquilo que chamamos os seniores, ou seja, pessoas já com mais experiência que nos vão guiando e ajudando a desbravar caminho porque não há caminhos pré-definidos. Vamos desbravando caminho e, para isso, obviamente, esta junção de gerações é fundamental, pela diversidade, pela partilha de experiências, de conhecimento.

Aproveito para deixar um apelo porque, sim, há novas gerações. Eu neste momento tenho 30 anos e, obviamente, há pessoas mais jovens que estão a entrar no processo, mas, muitas vezes, também é difícil. Eu sinto que mesmo quando vou a uma escola ou a alguma outra ação de divulgação, nem sempre é fácil cativar os jovens para estes temas. A dada altura, parece que é preciso ter aqui alguma maturidade e querer olhar a realidade, se calhar, de uma perspetiva demasiado imediatista. Como o Papa até referenciou no ano passado, na JMJ, não nos ficarmos pelas respostas rápidas, há que ir mais a fundo. E nem todos, infelizmente, têm esta capacidade.

E a JMJ não serviu de trampolim para alargar a participação neste movimento?

Serviu, claro que sim. Notamos que, obviamente, as pessoas tiveram mais interesse e que, inclusivamente, nas escolas, os convites continuam para nós irmos lá divulgar. Portanto, a JMJ teve o seu papel, foi importante. Nós tivemos, nessa semana, a "Casa da Economia de Francisco" que correu bastante bem, tivemos centenas de pessoas na casa e na altura até foi lançada a Cátedra da "Economia de Francisco" e foi um tema bastante falado.

A JMJ teve o seu papel, mas é hora de não ficarmos só para aquilo que foi um impacto mais imediato, mas de continuarmos porque o efeito tem de ser duradouro. Não basta, pensar "ok, tive uma jornada, despertou-se o interesse, mas depois a chama morre". A chama tem de continuar e há que deixar, desde logo, esse apelo aos portugueses: em Portugal, somos alguns, mas não somos assim tantos. À nossa escala, se calhar, até não somos assim tão poucos, mas as pessoas que se identificam com estes temas, com uma forma de olhar a economia, o mundo, de uma perspetiva mais inclusiva, mais humana, mais sustentável, uma perspetiva mais da vida, querem pôr mãos à obra. Como o Papa disse tantas vezes, em diversas ocasiões, queremos ser protagonistas e queremos, como ele disse muitas vezes, sujar as mãos.

Um ponto concreto dos ensinamentos e das reflexões do Papa Francisco é a preocupação com a ética nos investimentos. Uma das principais críticas que o Papa tem feito é ao grande lucro que dão a produção e o comércio de armas. A pergunta é: faz sentido que a guerra seja lucrativa?

Não faz, não faz. Na nossa perspetiva, não faz. Acho que isto é mais ou menos óbvio para toda a gente que pensa um bocadinho. Para os beneficiários não, mas obviamente que a guerra não traz solução a ninguém. É muito óbvio que a guerra não traz nenhuma solução, não vai melhorar nada para ninguém.

Mas o Papa tem repetido em várias intervenções esta ideia de que é efetivamente um dos negócios mais lucrativos...

É verdade. Do ponto de vista ético, falando até da parte mais de investimentos, não é, na minha opinião, acho que também na nossa visão da "Economia de Francisco, não é ético fazer um investimento em armas ou em algo semelhante. Por isso é que também nos documentos produzidos a questão da não-proliferação de armas é fundamental. Não poderia deixar de ser ou não fosse São Francisco de Assis a nossa inspiração, porque São Francisco foi uma pessoa que deu passos pela paz num tempo também muito difícil, de guerra, de cruzadas, de guerra entre muçulmanos, católicos... Ele procurou fazer a paz e teve sempre abertura ao diálogo, à construção de pontes, não se fixando na resposta imediata e mais óbvia, se calhar, em muitos contextos.

Às vezes na cabeça humana, a resposta mais imediata é passar à guerra, à violência, mas, se formos a fundo, se pensarmos naquilo que Deus nos pede... Até vou mais longe: não precisa de ser uma pessoa crente, A divisão não é entre crente e não crente. O Papa abre sempre os desafios a todas as pessoas de boa vontade e a verdade é que mesmo uma pessoa que não seja crente, mas que tenha um sentido humanista, percebe que a guerra não leva a lado nenhum.

Outro dos conceitos fundamentais que o Papa tem transmitido e que está na "Economia de Francisco", é o da Ecologia Integral, que nos leva ao desinvestimento noutra área que é muito lucrativa: a dos combustíveis fósseis. Esse desafio talvez seja mais complicado...

Mas aí eu até prefiro focar-me pela positiva. Em vez de falar em desinvestimento em combustíveis fósseis, prefiro falar em investir em energias renováveis, fazer investimentos que façam bem, não só ao planeta, mas a toda a criação, também a nós próprios. Acho que o conceito de Ecologia Integral é esse mesmo, é um conceito que passa, primeiro, por reconhecer que a realidade está toda integrada, Por isso é que o Papa, também na "Laudato Si", fala de que a crise ambiental não pode ser separada da crise social, da questão da pobreza, etc.

Temos de reconhecer que a realidade é complexa e está interligada. Não podemos pensar numa solução que seja, por exemplo, desinvestir em combustíveis fósseis, se, ao mesmo tempo, não tivermos uma solução integrada que permita, por exemplo, resolver alguma crise social que exista. Lá está: prefiro falar pela positiva e fazer investimentos, não só do ponto de vista sustentável, ambiental, mas também que privilegie outro tipo de sustentabilidade de que o Papa falou muitas vezes. Por exemplo, em Assis, há dois anos, o Papa fez um discurso em que falava de vários tipos de sustentabilidade, que são fundamentais. Não é só a ambiental, a social é muito importante. Portanto, investimentos socialmente positivos, que tenham um impacto positivo para a sociedade, são esses que se devem privilegiar sempre pela positiva.

Como é que vê o debate que se gerou em torno de medidas fiscais que procuram ajudar a fixar os mais jovens em Portugal? É uma questão fundamental para o país a longo prazo?

É uma questão fundamental manter os jovens, sem dúvida. Mas não consigo falar destas medidas em concreto sem dar algum contexto e alguma perspetiva. Obviamente, é fundamental manter os jovens, mas também é fundamental garantir coesão social, é fundamental garantir que os portugueses, as pessoas que vivem cá, para ser ainda mais lato, têm qualidade de vida. Isso é fundamental. Não só os jovens, mas também os não jovens.

Os jovens têm aqui um papel muito importante. Sabemos que temos uma população envelhecida, é normal, na Europa. É a regra nesta fase e, portanto, os jovens assumem um papel muito importante. Estas medidas, se conseguirem fixar os jovens, são fundamentais, porque são também essas pessoas que vão garantir algum equilíbrio do ponto de vista, até, da sustentabilidade da Segurança Social.

Mas o problema é maior que isto, não é? Gostava também de adicionar que estas medidas poderão ter impacto, mas ainda não o estamos a sentir. Temos a questão da isenção do IRS e do IMT, saíram as orientações a 27 de setembro, agora os bancos têm de, no fundo, operacionalizar. Ainda não estamos a sentir esses impactos. Para fixar os jovens, não basta só a habitação. É muito importante, como é óbvio, e, de facto, é inegável que os preços de habitação em Portugal não são compatíveis com o bolso dos portugueses. É inegável.

Na minha perspetiva, há muitos problemas que se têm que discutir neste ponto. Não consigo discutir política de habitação sem discutir política de transportes. Não consigo. E, honestamente, faz-me muita confusão que, muitas vezes, os transportes sejam completamente ignorados na questão da habitação. E também não consigo discutir a permanência dos jovens em Portugal sem falar de educação de qualidade, sem falar de serviço de saúde de qualidade, sem falar numa abordagem do trabalho, sem falar de uma redefinição daquilo que é a especialização da economia portuguesa, ou seja, em que setores é que nós estamos mais especializados, em que há emprego em Portugal.

Se olharmos para as pessoas que saem de Portugal, na maior parte das vezes são pessoas muito qualificadas e que não vão só encontrar salários mais elevados. Há uma valorização profissional. Muito provavelmente, vão ter um maior equilíbrio lá fora entre aquilo que é a vida pessoal e profissional, vão para países onde os transportes são melhores, há melhor qualidade de vida. Se calhar, a habitação não é tão cara proporcionalmente ao salário. O trabalho que vão desempenhar também vai ter outras características…

São medidas importantes, a habitação é importante porque é um problema muito premente, mas o que a "Economia de Francisco" também traz é a ideia de se olhar para os problemas de uma forma integral. Há que reconhecer que a realidade é complexa.

Há preocupação suficiente com as situações de precariedade ou comos baixos salários que muitos imigrantes encontram no nosso país?

Acho que é preciso fazer mais, sendo direto. Pode haver preocupação e não estarmos a conseguir fazer, mas acho que é preciso fazer mais. De facto, em Portugal, ainda há muitas situações... diria pouco humanas, pessoas com contratos precários. Temos visto, por exemplo, o número de sem-abrigo aumentar muito nas grandes cidades. O número de trabalhadores pobres é enorme, as pessoas em risco de pobreza também são em grande número. Claro que podemos entrar aqui nas tecnicalidades, nas definições, mas eu não queria ir por aí, acho que não é o propósito.

Acho que é preciso fazer mais e, quando digo "fazer mais", nem me estou a referir aqui a apoios sociais e a dinheiro. Não estou a falar nada disso porque não se resolvem os problemas só com dinheiro. Isso é algo que nós temos de perceber para poder resolver os problemas, porque, por exemplo, na questão da pobreza, não é só por eu dar dinheiro a uma pessoa. É muito mais que isso.

Portugal continua com dois milhões de pessoas, cerca de 20% da população, em situação de pobreza. Sistematicamente, os estudos chegam a este número. Porquê? Não há vontade política? Não há estratégia? O que é que se passa para Portugal não conseguir superar esta situação?

Mantém-se aí sempre esse número que está a dizer... Houve uns altos e baixos, mas manteve-se sempre à volta desses dois milhões, dos 20%. Claro que houve aqui períodos com algumas especificidades - a crise financeira, a questão da pandemia, etc. -, mas acho que isso vai ao encontro daquilo que eu dizia: é preciso fazer mais. Precisamos de atores políticos que tenham uma atitude diferente.

Não apenas atores partidários, não é?

Exatamente. Todos nós podemos ser atores políticos e enquanto sociedade temos de ter essa vontade. Mas até falando concretamente dos políticos, em vez de estarem preocupados em ganhar a próxima eleição, em ter mais uma décima de crescimento económico ou em reduzir a dívida abaixo dos 100%, só porque sim (estou a simplificar, obviamente) em vez de estarem só focados nisto, no meu umbigo…

É preciso uma nova cultura política? Discutir os princípios e as prioridades em vez de questões de sobrevivência, por vezes, partidária?

Sim. O foco, em vez de ser o meu ganho pessoal, tem de ser o bem coletivo, tem de ser o bem comum. Há que colocar a pessoa, os problemas reais das pessoas no centro, porque só assim é que vamos conseguir melhorar os números do combate à pobreza, só assim é que vamos conseguir resolver a questão da habitação, a questão dos transportes, a questão da educação.

A educação está, como nós sabemos, em crise e é um elemento fundamental que se liga muito com a questão da pobreza. Vamos usar esta expressão do elevador social: se alguém quiser subir esse tal elevador social, a maior ferramenta que pode ter é a educação. Falo por mim próprio: sou a primeira pessoa da minha família a ter um mestrado, a ter uma licenciatura. Isso significa que se tenho a vida que tenho atualmente foi graças à minha educação, também ao meu empenho pessoal, mas à possibilidade que tive de ter uma educação.

O tipo de discussão à volta do orçamento a que estamos habituados alimenta as forças mais populistas? Será uma forma de dar gás, de dar combustível a esse tipo de registo que cada vez mais começam a adotar?

O que me parece é que, muitas vezes, ficamos pela rama, pelas respostas rápidas, pelas frases fáceis, naquilo que qualquer pessoa pode entender sem ter de pensar a fundo nas questões. Quase apetece dizer que são aquelas frases para falarmos ali no café, sem pensar, descontraídos e sem querer ir a fundo nos temas. O que é preciso, exatamente, é ir a fundo nos temas. O Papa Francisco chamou muita atenção para isso: não vamos ficar pelas respostas rápidas, temos de ir ao fundo. Às vezes, vale mais fazer uma boa pergunta, mesmo que não se tenha logo a resposta, do que querer chegar a uma solução, a uma rápida resposta que, depois, se vai provar que não faz sentido.

Os políticos, em vez de ocuparem espaços, têm de se preocupar em iniciar processos, dar privilégio ao tempo em vez do espaço. Eu não vou ocupar um lugar na política, não faz sentido. O que faz sentido é eu estar na política como um serviço, porque a política, olhada por este prisma, é quase uma arte, e é importantíssima. Ou seja, se eu estiver na política com o objetivo de servir, vou conseguir resolver o problema real das pessoas, vou conseguir colocar as pessoas no centro. Acho que essa é a grande questão.

O nosso primeiro-ministro, há pouco tempo, deu uma entrevista, afirmando que está na política sem qualquer objetivo de futuro. Pode ser um bom princípio: “Estou aqui para fazer o meu serviço, não estou aqui com o objetivo de me perpetuar num cargo.” Acho que às vezes falta um bocadinho esta noção de “estou na política e isto confere-me uma responsabilidade enorme”. Tal como acontece com qualquer cargo público, como eu no meu trabalho também tenho determinada responsabilidade e faço sempre esse esforço. Todos devíamos olhar para o próprio trabalho e ver qual é o impacto que o meu trabalho causa, obviamente em mim, mas do ponto de vista da sociedade. Que serviço público é que vou prestar? Para mim, é relativamente fácil, porque eu trabalho numa instituição que presta serviço público, mas todos deveríamos fazer esse exercício porque, de uma forma ou de outra, mais direta ou menos direta, naquilo que fazemos, todos temos uma responsabilidade.

Voltando a um dos princípios da Doutrina Social da Igreja, o princípio da solidariedade, isto significa que todos nós somos responsáveis uns pelos outros. É a isto que nós, os católicos, somos chamados: a ter esta perspetiva de bem comum, a querer colocar a dignidade da pessoa humana no centro, a termos esta preocupação coletiva de sociedade.

Somos uma comunidade e juntos é que vamos conseguir resolver as questões porque se uns forem e outros ficarem, não há coesão social.