“Um empresário antes de mais é um ser humano, é um cidadão”; “uma mudança no caminho certo”; afinal, estamos a falar da “pior coisa que pode acontecer a um pai, a uma mãe”. Num primeiro momento, é desta forma que as empresas portuguesas veem o alargamento do período da licença pela perda de um filho de cinco para 20 dias. Mas depois de tomada a posição moral, levantam uma questão prática: quem vai arcar com os custos da ausência dos trabalhadores?
De acordo com a alínea a) do artigo 251 do Código do Trabalho, um trabalhador “pode faltar justificadamente até cinco dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim no 1.º grau na linha reta.”
Os encargos durante o período de ausência são suportados unicamente pelas empresas. Ora, para três associações empresariais ouvidas pela Renascença, o Estado, por via da Segurança Social, devia entrar na equação e assumir pelo menos parte dos custos. Pelo menos, no caso do luto parental de 20 dias.
“Isto pode ser feito de duas maneiras: pode ser a empresa a suportar, pode ser o Estado e a empresa suportar a meias. Como está em jogo muito pouco dinheiro, é uma medida que o Estado pode adotar, fica bem visto, as empresas também. Aceitam as empresas e o Estado suportar as faltas justificadas a meias. E fica tudo muito bem, em termos da opinião pública”, diz Peter Villax, presidente da Associação das Empresas Familiares (AEF).
Segundo dados da Pordata, em 2019, das mais de 123 mil pessoas que morreram em Portugal, apenas 696 pessoas tinham idades até aos 29 anos. Ou seja, na larga maioria “filhos”, presumivelmente com pais e mães que lhes sobreviveram. “Seiscentas e noventa e seis mortes num total de 123 mil é 0,5%. Felizmente, é um número muito, muito baixo, para quem perde um filho. É uma pessoa insubstituível. Mas num total da sociedade foram 696. Para um salário médio em Portugal de mil euros, a despesa é irrisória”, aponta o empresário.
De acordo com Peter Villax, as faltas justificadas de cinco dias custam à economia nacional 174 mil euros. “É irrisório. E se aumentarmos para 20 dias continua a ser irrisório: 696 mil euros. Isto pode ser perfeitamente suportado pelas empresas, felizmente é um fenómeno que é raro”, sublinha.Um problema maior… para microempresas
A capacidade de acomodar ausência de trabalhadores durante longos períodos é muito diferente consoante o tamanho da empresa. À Renascença, Jorge Pisco, presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas, faz questão de sublinhar este ponto.
“Estamos de acordo com o alargamento, tendo em conta as razões que o fundamentam. Agora, chamamos à atenção para o impacto económico que tal situação tem nas micro, pequenas e médias empresas. Para isso, pensamos que na lei tem de haver alguma diferenciação no que diz respeito aos filhos”, afirma.
Jorge Pisco defende, por isso, um apoio por parte da Segurança Social, “que esteja consignado ao trabalhador, para que ele venha a ser salvaguardado para que não se venha a criar uma dualidade, estando depois a empurrar o trabalhador para a baixa ou para situações menos corretas”.
A título de exemplo, Jorge Pisco lembra o caso do subsídio da Segurança Social por interrupção da gravidez: atribuído durante 14 a 30 dias, de acordo com indicação médica. “Uma grávida que perde o filho não vem trabalhar ao fim dos cinco dias depois de perder a criança, mantém-se de baixa. Não é a empresa que suporta isso, é a Segurança Social que suporta. Aqui terá que se encontrar apoios que não passarão só pelas próprias empresas”, diz.
Quase, quase aprovada
A petição para o alargamento do luto parental, lançada pela Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, já tem aprovação garantida do Parlamento. Ainda na semana passada, PS, PCP, BE, PAN e PEV anunciaram estar a favor da mudança.
Não fosse a morte do antigo Presidente da República Jorge Sampaio na sexta-feira, o que fez mudar a agenda da Assembleia da República, esta quarta-feira um projeto de lei do PAN – que viabiliza a alteração ao Código de Trabalho - já iria a votos.
Para Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), o período de luto parental pode até ser de 30 dias, pois “não é uma questão que possa ser vista de forma transversal”. “Há pessoas, até para ultrapassarem isso, preferem ir trabalhar para conseguir não estarem tanto tempo a pensar no assunto. E a forma melhor que têm é estarem ocupados”, lembra.
Mas tal como Peter Villax e Jorge Pisco, o presidente da AEP reitera que a Segurança Social deve ajudar as empresas nas contas. “A compensação sobre a remuneração que a pessoa teria se estivesse a trabalhar acho que deve ser assumida pela Segurança Social. A empresa assumirá o custo de não ter a pessoa ao serviço durante esse período”, nota.
A Renascença questionou o ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, tutelado por Ana Mendes Godinho, relativamente à ideia de a Segurança Social dar algum apoio financeiro às empresas durante o período de luto parental dos trabalhadores, mas, até ao momento, não obteve resposta.