Morreu Otelo Saraiva de Carvalho, o operacional do 25 de Abril
25-07-2021 - 10:33
 • Renascença com Lusa

Tinha 84 anos. Morreu no Hospital Militar de Lisboa.

Otelo Saraiva de Carvalho, o principal operacional do golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, morreu este domingo, em Lisboa.

A informação foi confirmada à Renascença por Vasco Lourenço, outro dos "capitães de Abril" e presidente da Associação 25 de Abril.

Otelo, coronel de artilharia, 84 anos - a pouco mais de um mês de completar 85 -, encontrava-se hospitalizado há alguns dias, no Hospital Militar de Lisboa.

Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho nasceu em 31 de agosto de 1936, em Lourenço Marques, Moçambique, e teve uma carreira militar desde os anos 1960, fez uma comissão durante a guerra colonial na Guiné-Bissau, onde se cruzou com o general António de Spínola, até ao pós-25 de Abril de 1974.

No Movimento das Forças das Forças Armadas (MFA), que derrubou o Estado Novo, foi o encarregado de elaborar o plano de operações militares e, daí, ser conhecido como estratego do 25 de Abril. Foi ele um dos militares que esteve no quartel de operações no Regimento de Engenharia n.º 1, na Pontinha, nos arredores de Lisboa.


Depois do 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho foi comandante da Região Militar de Lisboa e do COPCON, o Comando Operacional do Continente, durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC).

Nesses tempos, surgiu associado à chamada esquerda militar, mais radical, e foi candidato às presidenciais de 1976.

Na década de 1980, o seu nome surge associado às Forças Populares 25 de Abril, organização armada responsável por vários atentados em mortes, tendo sido condenado, em 1986, a 15 anos de prisão por associação terrorista. Em 1991, recebeu um indulto, tendo sido amnistiado anos depois.

Nome de código "Óscar"

Recuando no tempo, na madrugada de 25 de Abril de 1974, a partir do quartel da Pontinha, em Lisboa, Otelo , com o nome de código "Óscar", comandou as operações militares que derrubariam o regime, transformando-se num símbolo da “Revolução dos Cravos”, e reclamou para si a escolha de ‘Grândola’, a “canção do Zeca”, como senha para o golpe militar que mudaria a História de Portugal.

“Podia ser o ‘Venham mais cinco’ ou ‘Traz outro amigo também’. Acabou por ser a ‘Grândola’, porque as outras estavam no índex da censura”, recordou Otelo em entrevista à agência Lusa, em que falou sobre “o turbilhão de amizade” que o uniu a Zeca Afonso, cantor que o apoiou nas presidenciais de 1976, quando obteve 16,46%, mais do que Octávio Pato, apoiado pelo PCP.


Em 25 de julho de 1975, faz hoje exatamente 46 anos, o MFA, reunido em Tancos, criava o Diretório Político, integrado por Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho, o triunvirato.

Esteve no centro das decisões e atenções do pós 25 de Abril, na qualidade de comandante do COPCON e, quando este foi dissolvido, em 25 de novembro de 1975, saiu também do Conselho da Revolução.

Após a publicação do relatório preliminar do 25 de Novembro, o movimento militar que opôs os militares "moderados" e a chamada "esquerda militar", foi preso em 20 de janeiro de 1976, durante 44 dias, no presídio militar de Santarém.

Em 1976, organizações populares de base apresentam-no como candidato à presidência da República, obtendo 16% dos votos. E em 1980, fundou o partido Força de Unidade Popular (FUP), que defendia um socialismo de base, "participado", tendo sido extinto em 2004.

Agraciado em 1983 com a Ordem da Liberdade pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes, Otelo foi detido em 20 de junho do ano seguinte sob a acusação de ter fundado, promovido e dirigido uma organização terrorista, espelhada nas FP-25 de Abril.


Em 20 de maio de 1987, após um julgamento de cerca de dois anos, o qual mobilizou e dividiu a opinião pública interna e externa, Otelo é condenado a 15 anos de prisão, pena agravada para 19 anos de cadeia, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de novembro de 1987.

Recorre ao Tribunal Constitucional que se pronuncia pela inconstitucionalidade de algumas questões, desencadeando o envio do processo para o Supremo Tribunal de Justiça, pondo em causa o seu valor jurídico e abrindo a porta à sua nulidade.

Para obviar a controvérsia que o seu caso despertou, foi indultado, mas Otelo recusou as culpas e reivindicou uma amnistia para todos os presos políticos do caso FP-25. Em 1996, o parlamento aprovou uma amnistia, no meio de grande polémica, para os elementos presos das FP-25.

O capitão de Abril, que assumiu “beber até à ultima gota o cálice amargo da injustiça” – escreveu-o na sua mensagem de 25 de abril de 1985, lida no exterior do Forte de Caxias – desencadeou várias petições e foi considerado pelo jornal francês Liberation como “cobaia da normalização”.

A sua prisão não deixou ninguém indiferente. Otelo reiterou sempre a sua inocência, admitindo uma certa ingenuidade na sua conduta, e recusou métodos de terrorismo.