Covid-19. Número de infetados é 6 vezes superior ao conhecido, quase metade são assintomáticos
31-07-2020 - 14:00
 • Joana Gonçalves

Primeiro inquérito serológico nacional, conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, revela que cerca de 300 mil portugueses já terão sido infetados com o novo coronavírus e que a prevalência da infeção é três vezes superior em indivíduos com menor escolaridade. Ao contrário do que sugerem os dados já conhecidos, os homens são mais afetados que as mulheres.

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Cerca de 300 mil pessoas em Portugal já foram infetadas com o novo coronavírus e 44% são assintomáticos. Os dados foram apurados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge que, esta sexta-feira, divulga os resultados do primeiro inquérito serológico nacional à imunidade da população para a Covid-19.

De acordo com o mesmo documento, a infeção pelo novo coronavírus na população residente em Portugal apresenta uma seroprevalência global de 2,9%, o que na prática significa que o valor real de infetados no país é seis vezes superior ao conhecido.

Os resultados agora divulgados confirmam a "evidência de sub-captação de casos ligeiros ou assintomáticos pelos sistemas de vigilância". Em entrevista à Renascença, em abril, Fernando Maltez, diretor do serviço de doenças infecciosas do Hospital Curry Cabral, tinha já admitido o risco de subnotificação de casos de infecção pelo novo coronavírus, que justificou pela demora do registo dos dados no SINAVE, sistema informático de notificação, e limitação dos recursos humanos disponíveis.

Os resultados apontam ainda para uma seroprevalência duas vezes mais elevada nos homens que nas mulheres, contrariando os valores conhecidos que apontam para uma diferença de mais de cinco mil casos no género feminino em relação ao masculino.

O mesmo documento revela que a prevalência da infeção é três vezes superior em indivíduos com menor escolaridade. “Observaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os valores de seroprevalência estimados, que se revelou mais elevado nos indivíduos que completaram o ensino secundário e mais baixo nos que concluíram o ensino superior”, lê.-se no relatório.

"Interpretamos isto como poderem ter sido estas pessoas a trabalhar mais durante este período e ter maior nível de contactos", revelou a coordenadora do inquérito, Ana Paula Rodrigues, na apresentação do boletim epidemiológico da Direção-Geral da Saúde (DGS) esta sexta-feira.

"É esta diferença de escolaridade que explica também a diferença entre homens e mulheres. Encontramos número de anticorpos mais elevado no sexo masculino- 4.1%, uma diferença que está relacionada com o nível de escolaridade, já que se verifica uma diferença também entre homens e mulheres na nossa amostra", explicou a médica do Departamento de Epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge.

Relativamente à idade dos inquiridos, a seroprevalência apresentou valores semelhantes para os grupos etários em estudo, variando entre 2,2% no grupo etário dos 10 aos 19 anos e 3,2% no grupo etário dos 40 aos 59 anos.

"Os valores entre grupos etários são semelhantes por serem muito baixos, não quer dizer que não existam diferenças se houvesse valores mais elevados", adianta a coordenadora do inquérito.

"Baixa circulação do vírus na população portuguesa"

O relatório hoje divulgado aponta que a presença de anticorpos específicos contra o novo coronavírus é, ainda, 11 vezes mais elevada em pessoas com contacto prévio com um caso confirmado ou suspeito. Entre as diferentes regiões em análise, "a seroprevalência variou entre 1,2% no Alentejo e 3,5% em Lisboa e Vale do Tejo", que permanece o epicentro da epidemia em Portugal.

"Os anticorpos conferem algum nível de proteção, mas pelo princípio da precaução em saúde pública, e porque a infeção é nova, continua a recomendar-se que se tomem as mesmas medidas de precaução", alerta Ana Paula Rodrigues.

Na mesma conferência de imprensa, a médica de Saúde Pública destacou que houve "uma baixa circulação do coronavírus na população portuguesa", destacando que "não é possível interpretar diferenças significativas entre regiões de saúde".

De acordo com os resultados do inquérito serológico nacional, a extensão da infeção na população portuguesa é inferior ao valor necessário para alcançar uma potencial imunidade de grupo.

Neste estudo epidemiológico observacional, de âmbito nacional, foi analisada uma amostra de 2.301 pessoas residentes em Portugal, recrutadas em 96 pontos de colheita de 7 Laboratórios de Patologia Clínica da comunidade associados da ANL e 18 hospitais do SNS, entre 21 de maio e 8 de julho.

Questionada pela Renascença, em conferência de imprensa, sobre a estratégia de testagem face a estes dados, Graça Freitas disse que não vai ser alterada, já que a política de rastreios em Portugal “está alinhada com as melhores práticas”.

“Sabemos que há muitos casos assintomáticos, mas não se deve fazer testes indiscriminados”, afirmou a diretora-geral de Saúde, lembrando que não faz sentido, tendo em conta o “custo-oportunidade” e que só seria útil se existisse uma “presença grande do vírus na população”, o que não se verifica em Portugal.

Portugal com percentagem de infetados superior à média da UE

De acordo com os dados disponibilizados pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (EDCD), Portugal apresenta neste momento uma percentagem de infetados em relação à população total superior à média da União Europeia (2,4%).

Os dados do ECDC consideram os resultados do último estudo serológico realizado em cada um dos países em análise. Inglaterra é o país da União Europeia e Reino Unido com maior percentagem da população infetada com o novo coronavírus - 8,5%. Seguem-se Espanha, Bulgária e Reino Unido.

[atualizado às 15h]