Já há cadáveres a serem transferidos entre regiões. Enterros estão a demorar mais de 7 dias
27-01-2021 - 17:37
 • João Carlos Malta

Num dia em que Portugal bateu novamente o número de mortes por covid-19, com 293 óbitos nas últimas 24 horas, as funerárias vêm alertar para uma nova realidade. Setúbal vive a situação mais critica, e está a enviar corpos para o crematório de Santarém.

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Em algumas localidades do país já se está a demorar mais de uma semana entre a morte e o funeral das vítimas da Covid-19, e há regiões a transferir mortos por falta de capacidade dos crematórios. A situação é avança à Renascença pela Associação Nacional de Empresas Lutuosas, através do presidente Carlos Almeida.

Há nove dias que Portugal tem mais de 200 mortos diários em resultado de infeções do novo coronavírus. E com um crescimento de óbitos desta dimensão, o país está com dificuldades em conseguir enterrar as vítimas mortais da pandemia com celeridade.

Em Lisboa, os funerais estão a demorar três dias. É a região em que o tempo de espera é menor, mas há outras em que o cenário é bem pior. Setúbal é a zona do país em que há maiores atrasos e onde já começaram a ser transferidos corpos para outros locais.

“Na região de Setúbal, [os corpos] estão a ir a Santarém. São os crematórios mais desafogados, e em Setúbal há dois crematórios que estão a demorar uma semana ou mais de espera”, conta.

Esta quarta-feira, o país bateu um novo recorde de mortos diários, com 293 mortos nas últimas 24 horas.


NÚMERO DE MORTES DIÁRIAS POR COVID-19 EM PORTUGAL

Segundo Carlos Almeida, os atrasos nos funerais “são genéricos um pouco por todo o território”. “Nuns locais mais do que em outros menos. Onde só há um crematório é pior”, revela.

Descontrolo ainda maior não está distante

Um crematório tem a capacidade de fazer sete cremações por dia. Este número, para que não haja rutura nos sistemas de cremação, não pode ser ultrapassado. Por isso, segundo o presidente da ANEL, a possibilidade de a situação se descontrolar mais é uma realidade que não está assim tão distante.

“Se a pandemia não estabilizar e o número de óbitos continuar a subir, tudo isto continuará a derrapar”, sentencia.

Para Carlos Almeida, o número inusitado de mortos e a pressão da pandemia sobre os crematórios e cemitérios destapou um problema que já vem de há muito tempo. Faltam recursos humanos, e a situação é pior no interior do país e nas zonas rurais.

“Os meios humanos em si, toda a logística associada ao enterro, começa a ter alguns problemas”, declara o responsável.

Carlos Almeida diz que já o tinha previsto. “Imagine em cemitérios de junta de freguesia, em que 80% dos locais não têm coveiro próprio, porque este não faz parte dos quadros. São tarefeiros que são chamados”, explica.

Cada um destes tarefeiros têm à sua responsabilidade, em média, três e quatro cemitérios. “Acontecerá que haverá muitos funerais para todos esses cemitérios. A pandemia veio por a nu as deficiências que já se vinham conhecendo no país real, e que agora acentuam-se ainda mais”, sinaliza.

O líder associativo diz que, neste momento, a solução passa por as câmaras afetarem às juntas de freguesia mais meios para responder ao maior afluxo de corpos. Só assim, será possível que a situação não se degrade muito mais.

Carlos Almeida reafirma que não é por falta de capacidade das funerárias que as cerimónias fúnebres não estão a acontecer mais rapidamente. “Temos os meios humanos e logísticos, em termos de viaturas, não há qualquer rutura em termos de urnas e há equipamentos de proteção individual”, enumera.

Mas há também problemas administrativos e burocráticos a emperrar o sistema. O mesmo responsável sublinha que em zonas como o município Amadora, os documentos para a cerimónia estão prontos há três dias, e as funerárias continuam à espera da marcação do funeral.

Por isso, denuncia que “em alguns municípios a sepultura está a demorar tanto tempo quando a cremação”.

As sepulturas de família são também um problema nesta altura. “Essas carecem de trabalho prévio para desornamentar a sepultura e poder acolher o novo cadáver”, avisa.

Se ao conjunto de todas estas entropias, se soma a necessidade de dividir meios humanos para vários cemitérios, a situação “fica pior”.

Ainda assim, Carlos Almeida elogia que desde o pedido que as funerárias fizeram à DGS, os hospitais centrais estão “já a protocolar connosco os documentos por via digital, o que vem acelerar muito todo o procedimento”.

Em Portugal têm morrido, nos últimos dias, quase 300 pessoas a cada 24 horas, sendo que desde o início da pandemia a Covid-19 já fez 11.305 vítimas mortais.

No dia de ontem, terça-feira, ficou a saber-se que mais de um quarto das pessoas que morreram de Covid-19 em Portugal residiam em lares.

Os dados foram avançados à Renascença pela Direção-Geral da Saúde.

De acordo com a última atualização da DGS, a região com maior número de óbitos em residências para idosos é Lisboa e “desde o início da pandemia e até ao dia 25 de janeiro, registaram-se em Portugal 3.081 óbitos acumulados por Covid-19 de pessoas residentes em lares”.