No dia em que a proposta de Orçamento do Estado (OE) é entregue no Parlamento, o ministro das Infraestruturas e da Habitação diz-se convicto que o PS vai viabilizar o diploma pela abstenção, revelando que ficaria “muito, muito surpreendido” se isso não acontecesse. Miguel Pinto Luz argumenta que o Governo respondeu a 100% das exigências dos socialistas.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal "Público", o governante e vice-presidente do PSD revela a intenção de “acelerar” o processo de privatização da TAP a seguir à eventual aprovação do Orçamento do Estado e que durante o ano de 2025 o processo poderá estar concluído. Diz-se "absolutamente empenhado" nesta operação com o primeiro-ministro.
[Leia aqui a segunda parte desta entrevista, onde o ministro das Infraestruturas e da Habitação revela que o Governo está a preparar um pacote de incentivos para o setor da construção civil]
O primeiro-ministro disse esta terça-feira, na entrevista à SIC, que o Orçamento do Estado (OE) será apresentado sem o acordo do PS e o PS ainda não tomou uma decisão. Estamos mais longe da viabilização do OE?
Não, eu acredito exatamente no contrário. Estamos mais próximos de uma aprovação do Orçamento porque estou convicto que o PS o viabilizará através de uma abstenção. Este OE vai em linha com aquilo que foram os pré-requisitos que o PS impôs para este Orçamento, nomeadamente ao nível do IRC e do IRS jovem, mas também um conjunto de medidas na área da habitação, no apoio aos idosos, nas pensões, na saúde, na contratação de médicos. O Governo foi ao encontro, praticamente a 100 %, daquilo que eram os pedidos do PS.
Os dirigentes socialistas têm-se queixado que o PS foi maltratado pelo Governo durante este processo.
O processo começou em julho, foram ouvidas todas as forças partidárias com representação no Parlamento. Houve partidos que se colocaram desde logo de fora, aliás, vários partidos, alguns com posições absolutamente irrevogáveis, outros que se colocaram de fora porque manifestamente estão nos antípodas da nossa visão de sociedade. O PS não se colocou de fora e nesse sentido as negociações prosseguiram. Onde é que o Governo não toma devida nota daquilo que foram os pré-requisitos para a aprovação ou a viabilização do orçamento em relação ao PS? No que diz respeito aos orçamentos seguintes. Seria paradoxal que o PS estivesse agora a impor ao Governo, para a aprovação do Orçamento de 2025, aquilo que deve ser a postura do Governo em relação ao IRC no Orçamento de 2026, no Orçamento de 2027, no Orçamento de 2028.
Estou convicto que o PS viabilizará este Orçamento na senda da responsabilidade de um partido do arco da democracia, de um partido absolutamente basilar na construção democrática em Portugal. Nos últimos 50 anos, o PSD viabilizou seis orçamentos minoritários do PS: um de Mário Soares, três de Guterres e dois de Sócrates. O PS viabilizou um orçamento minoritário do PSD, a saber, em 1985, com Cavaco, mas com a nuance que o voto do PS nem era crítico para a aprovação deste Orçamento.
Mas as últimas declarações de dirigentes socialistas não apontam para uma viabilização do Orçamento. Como é que vê essas declarações? Falo de Marina Gonçalves, Alexandra Leitão...
Citou duas nesse sentido. Fernando Medina, Sérgio Sousa Pinto, Mariana Vieira da Silva, entre muitos outros, têm tido postura diferente.
Citei as pessoas mais próximas de Pedro Nuno Santos.
Mas o PS não são só as pessoas mais próximas de Pedro Nuno Santos. O PS tem que fazer essa discussão interna, tem que clarificar qual é a sua posição. A postura do Governo foi absolutamente clara, transparente, dialogante e com enorme humildade.
Diz que foi dialogante e com extrema humildade, mas quando o Governo apresentou a chamada proposta irrecusável, nunca teve intenção de mudar um milímetro essa proposta irrecusável. É isso que está claramente percebido, ou não?
Quando se faz uma proposta séria em que se corresponde a 100 % às expectativas, eu estou à espera de que essa proposta seja aceite. Naquilo que o PS pedia, o Governo anuiu e cumpriu.
Não há o risco deste orçamento vir a ser viabilizado pelo Chega?
Eu não faço ideia. Isso é uma pergunta que tem de fazer ao Chega. O Chega já teve opiniões ao pequeno-almoço, ao almoço, ao jantar, às vezes ao lanche.
O Governo ficaria pouco confortável se fosse o Chega a viabilizar o Orçamento?
Não tem a ver com confortável ou não ser confortável. O primeiro-ministro deixou claro que não há negociações com o Chega porque não é um partido confiável. Temos um histórico nesta legislatura de impossibilidade total de garantia da palavra do Chega. Sobre o Orçamento de Estado, já tivemos de tudo. Tem ao pequeno-almoço, ao almoço, ao jantar [uma posição diferente] e agora inaugurou as versões do lanche, da ceia. Já há posições para todos os gostos. É difícil negociar com um partido assim. Se o Chega quiser viabilizar no Parlamento, o Governo não está confortável ou deixa de estar. O Governo quer uma coisa: aprovar este Orçamento. É um Orçamento que baixa impostos, que aumenta salários, que torna a economia mais competitiva, que quer que a economia cresça para fazer uma redistribuição mais justa da riqueza.
Estava a dizer que o Chega não é confiável. Então, porque é que o primeiro-ministro o chama a São Bento para reuniões?
Porque chamou todos os partidos, tem falado com todos os partidos. Umas reuniões são públicas, outras são menos públicas. E, portanto, é assim em democracia. Tem que se ouvir, tem que se falar, ainda que não queiramos ter um entendimento, mas temos que os ouvir.
Se Pedro Nuno Santos anunciar o voto contra, ficaria surpreendido com essa decisão?
Muito, muito surpreendido. Mas não quero condicionar nem fazer futurologia.
Espera que o Presidente da República ainda faça pressão junto de Pedro Nuno Santos?
O Presidente tem o papel de ser o moderador, o equilíbrio do sistema, e tem feito isso talvez de uma forma mais vocal do que outros Presidentes da República. Tem pugnado por tentar encontrar essa plataforma. O PR tem a consciência clara do risco que Portugal corre se não tivermos um Orçamento. Essa é mais uma razão que concorre para eu dizer que estou convicto que o PS vai viabilizar. Os riscos são grandes. Não é um bicho-papão dizermos que o PRR não vai ser executado. É uma verdade.
Para si, é líquido que, chumbado o Orçamento, há eleições?
O Governo não quer governar em duodécimos. Não permite ao Governo a implementação do seu programa. E, portanto, se tiver de haver eleições, se essa for a convicção também do Presidente da República, assim será.
Esta terça-feira, o primeiro-ministro assumiu que o Governo está a tentar encontrar uma solução para vender a totalidade do capital da TAP. As conversas que tem estado a ter com alguns potenciais interessados é na perspetiva da venda da totalidade do capital da TAP?
Estava no programa da AD que a intenção é potencialmente chegar à privatização da totalidade do capital. Tem havido conversas e têm sido registadas muitas manifestações de interesse. Estamos a ouvir o mercado. Não temos nenhuma vertigem, nenhuma necessidade absoluta de concluir este processo se não tivermos totais garantias de que a manutenção do hub, de que a sede social da empresa se mantém em Portugal, que as rotas estratégicas são mantidas. Se não encontrarmos um parceiro que nos garanta todos estes pré-requisitos, preferimos gerir a TAP como ela está.
Até porque está a dar lucro.
Ela teve dois trimestres negativos, mas agora volta aos resultados. É normal nas companhias aéreas. A TAP agora sim está a dar lucro, depois de uma injeção de 3 ,2 mil milhões de euros. Não nos esqueçamos disso. Não façamos tábua rasa daquilo que foi a injeção de capital dos portugueses.
Foi público que já se reuniu com a Lufthansa. Reuniu-se com outros potenciais compradores?
Sim, ainda esta semana reunimos com a IAG, com o grupo da British Airways. O Governo já reuniu, não eu próprio, mas outros membros do Governo, com a Air France, com outros potenciais compradores. E, portanto, temos reunido com todos. Portanto, também aqui de forma absolutamente transparente. Não andamos a fazer a alarido das reuniões, mas também não andamos a escondê-las.
Qual é que pode ser o calendário do concurso? Até ao final do ano? Ou 2025?
Logo a seguir ao Orçamento aprovado, iremos acelerar todo este processo e acreditamos que durante o ano de 2025 podemos ter o processo concluído. Existe consenso sobre a privatização, não existe consenso à volta da percentagem da privatização. É só isso.
O PS pediu que se afastasse do processo de privatização da TAP na sequência da auditoria da IGF. Como é que viu isso?
Estou absolutamente empenhado na privatização da TAP com o primeiro-ministro. Foi um tiro de pólvora seca do PS que imediatamente percebeu o erro que cometeu: concordando eu a 100 % com essa privatização, não tive nenhum papel concreto nem formal na última privatização.
Não se considera um ativo tóxico deste Governo, utilizando as palavras de Mariana Mortágua?
Não, de maneira nenhuma. Acho que sou um ativo proativo na persecução do programa do Governo.
Este processo vai passar pelo Parlamento ou não?
Todo o processo jurídico, administrativo e político está a ser desenhado e a seu tempo o Governo vai apresentar publicamente quais são todos os passos que vamos dar.
Não teme que no Parlamento o negócio possa ser dificultado?
É a democracia a funcionar. Aliás, o PS já não concordou com a nossa reforma de IRS e juntou-se ao Chega e viabilizou uma proposta diferente. Acabou com as portagens nas autoestradas, que impactam 180 milhões de euros no Orçamento do Estado. Já estamos habituados a lidar com um Parlamento onde nós não somos maioritários. É com humildade que continuamos a persecução do programa. Às vezes temos ganho de causa, outras vezes não temos ganho de causa.
A proposta de OE terá alguma referência à operação de privatização da TAP ou ainda não?
Ainda não. Formalmente, é um processo que já está iniciado, será essa referência só. Nada de concreto em termos de receita potencial, ou seja o que for, nada de concreto.