Ainda é uma vergonha bater numa rapariga?
20-05-2022 - 08:06

Um rapaz e uma rapariga começam a discutir e acabam no pugilato. Quem é que tinha razão quando tudo começou? Não interessa. Quando um rapaz e uma rapariga andam à pancada, ele perde qualquer razão a partir do momento em que usa a força contra ela.

A minha casa está na intersecção de quatro escolas. Vejo gaiatos o dia todo. Vejo coisas que me agradam, não tenho aquela atitude reacionária que diz: No meu tempo é que era! Os miúdos têm mais liberdade na escolha em tudo, a começar na roupa; os pais estão mais comprometidos, mais empenhados. No entanto, também vejo coisas que não me agradam e que, por vezes, são o reflexo negativo e maldoso de mudanças positivas.

Imaginem: um rapaz e uma rapariga começam a discutir e acabam no pugilato. Quem é que tinha razão quando tudo começou? Não interessa. Quando um rapaz e uma rapariga andam à pancada, ele perde qualquer razão a partir do momento em que usa a força contra ela, que é por inerência mais fraca do ponto de vista físico. Isto devia ser óbvio, mas já não é.

No meu tempo era uma vergonha bater numa rapariga, um rapaz era coberto de opróbrio se levantasse a mão a uma rapariga para resolver uma disputa de pátio. Mas agora ouve-se com frequência a legitimação dessa covardia com a ideia da igualdade. Algo está muito errado quando, após lutar com uma rapariga, um rapaz usa como defesa a ideia de que somos todos iguais, “Mas então não somos todos iguais?”. A falácia é brutal e cínica, choca ainda mais quando é dita por gente tão nova.

Vamos lá ver. Quando se fala em igualdade, estamos a olhar para jusante: a igualdade de oportunidades, de direitos e de deveres, que são metas, são efeitos de uma ação e de uma educação; não estamos a falar de uma igualdade absoluta, natural, biológica, porque essa igualdade à partida não existe. Existe no cérebro, não na força física. E, aqui, diga-se, há um erro de base do feminismo radical e cego que contamina este debate. Quando cede o seu lugar a uma mulher no autocarro, um homem não está a ser paternalista, está a reconhecer que é mais resistente fisicamente, só isso. Quando abre uma porta e deixa uma senhora passar em primeiro, o homem não está a ser paternalista, está dentro de um código de cavalheiros que rejeita precisamente a lei da selva que diz que homens e mulheres são iguais ao nível da força e resistência. Não são. Se o rapaz aprende a dizer que pode bater numa rapariga da mesma forma que bate num rapaz porque “somos todos iguais”, então não há igualdade possível e estamos mesmo no reino da selva. Sim, lamento, mas os slogans do feminismo mais radical e cego acabam por ser aproveitados pelos misóginos mais cínicos. O feminismo precisa de inteligência, não de cegueira.

A ideia de que é legítimo bater numa rapariga é ainda visível noutro ponto: a violência no namoro. Já não estamos nas disputas de pátio e de rua, estamos na intimidade do namoro. E o que sabemos é assustador. Lê-se e não se acredita: maioria dos jovens acha aceitável a violência no namoro. Um estudo da UMAR do ano passado diz-nos que a juventude aceita essa violência física e psicológica e que 60% já a sofreu. Desculpem a impertinência de cavalheiro, mas se calhar é preciso voltar a dizer que bater numa rapariga é uma vergonha porque para chegarmos à igualdade temos de aceitar que na partida não somos todos iguais.