“O início da Segunda Guerra Fria”. Seis respostas para entender o que se passa na fronteira da Ucrânia
10-02-2022 - 12:15
 • Joana Gonçalves

A crescente tensão na fronteira da Ucrânia está a reforçar antigas disputas e a promover novas alianças. Da invasão iminente à ameaça de pesadas sanções, tudo pode acontecer e esta página em branco está a alarmar especialistas políticos que temem “o início da Segunda Guerra Fria”. De onde vem a ameaça de invasão? Qual a posição da NATO? Quem apoia a Rússia e que papel desempenha Portugal? A Renascença responde às principais dúvidas sobre a crise na Ucrânia.

Porque é que Putin ameaça invadir a Ucrânia?

Os especialistas em política internacional têm dificuldade em responder a esta questão. As exigências do Presidente russo não são claras e em causa parece estar a ânsia de conservar o retrato de defensor da nação contra a influência de um Ocidente em decadência.

Vladimir Putin ruma à velha estratégia de iniciar um conflito externo, para pôr fim à oposição interna. Uma vitória da Rússia contra o inimigo declarado seria, na visão do líder, essencial para garantir a coesão do regime. É, aliás, por isso que tem vindo a incentivar movimentos separatistas pró-Rússia, na última década.

A mobilização de tropas russas para regiões próximas da fronteira da Ucrânia, num gesto interpretado pela comunidade internacional como uma ameaça clara, surge na sequência de uma crescente quebra de popularidade do chefe de Estado, com movimentos de oposição a aumentarem, sobretudo nas gerações mais jovens.

Para além da importância estratégica da Ucrânia, que separa a Rússia de quatro nações da NATO - Polónia, Eslováquia, Hungria e Roménia - há ainda uma motivação emocional, que contrasta com a imagem ríspida e autoritária de Putin.

“Não somos apenas vizinhos próximos. Como tenho vindo a reforçar, somos uma só nação”, disse o líder russo em março de 2014, enquanto decorria o processo de anexação da Crimeia, que resultou na morte de mais de 14 mil pessoas entre militares e civis.

A proximidade histórica dos dois países torna ainda mais difícil uma aproximação de Kiev ao Ocidente, que é encarada por Putin como uma verdadeira afronta. Numa guerra que parece, cada vez mais, motivada pelas angústias de um homem só, o objetivo último é o colapso da democracia, que intimida Moscovo.

Qual a posição dos EUA e da NATO?

A mensagem da Rússia tem sido contraditória. Por um lado, o Presidente garante que não tem intenções de iniciar uma guerra com a Ucrânia, por outro a mobilização de mais de 100.000 tropas russas na fronteira ucraniana parece indicar o oposto.

Perante esta ameaça, a NATO tem procurado reagir com a máxima celeridade, para evitar um desfecho semelhante ao de 2014, com a anexação da Crimeia - a primeira grande ocupação de território europeu, desde a Segunda Guerra Mundial.

Na altura, vários conselheiros de Obama e especialistas em relações internacionais acusaram os Estados Unidos de hesitação e fraca capacidade de coordenação com os aliados da Europa. Desta vez, Biden quer garantir que o cenário não se repete e já o reforçou publicamente. Os EUA enviaram 200 milhões de euros em armamento para a Ucrânia e 3.000 soldados norte-americanos estão já em solo europeu.

Apesar do gesto de demonstração de unidade entre os membros da NATO, a organização garante que prefere uma solução diplomática. A alternativa passa pela imposição de duras sanções à Rússia.

Tornar extraordinariamente difícil para instituições financeiras russas e bancos estatais negociarem em dólares americanos é uma delas. Bloquear as maiores exportações da Rússia - petróleo e gás - é outra opção.

O dilema, contudo, prende-se com as consequências destas medidas para o Ocidente. Cortar a Rússia de todo o sistema financeiro global pode prejudicar outras economias e os EUA e a Europa não estão isentos. Para além disso, no pior cenário, a Rússia pode cortar o fornecimento de gás natural a toda a Europa, em pleno inverno, numa altura em que os preços do gás já estão em alta.

A dúvida é: Como castigar a Rússia, sem penalizar o Ocidente.

Quem apoia a Rússia?

A China está decidida a apoiar a Rússia contra a expansão da NATO no Leste da Europa. A posição conjunta foi anunciada a 4 de fevereiro, após uma cimeira, em Pequim, entre os presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin.

“A amizade entre a Rússia e a China não tem limites, não existem áreas proibidas de cooperação”, lê-se numa declaração conjunta dos dois líderes.

Apesar do anúncio não estar a altura de um acordo de cooperação semelhante ao que existe entre os membros da NATO, a posição pública parece representar um passo em frente num pacto entre as duas nações contra a Europa e os EUA.

A divisão política entre Ocidente e Oriente cresce e para Robert Daly, diretor do Instituto Kissinger na China e nos Estados Unidos, “este acordo pode vir a ser apontado como o início da Segunda Guerra Fria”. “Esta é uma promessa de estar ombro a ombro contra a América e o Ocidente, ideológica e militarmente”, defende o especialista citado pela New Yorker.

O que pode fazer Putin voltar atrás?

Por enquanto, não há sinais de decréscimo da tensão na fronteira da Ucrânia, mas o Presidente russo avançou em dezembro uma lista de exigências que o podem fazer voltar atrás na intenção de invadir o país.

As imposições incluem a proibição da adesão da Ucrânia à NATO e um limite ao envio de tropas e armas para a região leste da Europa. Assim, a Rússia pede que a organização internacional remova toda a presença militar enviada para países que integraram na aliança após 1997, o que inclui grande parte da Europa Oriental, como a Polónia, os antigos países soviéticos da Estónia, Lituânia, Letónia e os países dos Balcãs.

Para além disso, Vladimir Putin exigiu que o Ocidente forneça à Rússia “garantias legais” de segurança. O secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg, já tinha descartado qualquer acordo que implicasse a negação do direito da Ucrânia integrar a aliança militar. A posição de Moscovo é, por isso, interpretada como uma tentativa da Rússia de restabelecer a esfera de influência na região.

Mas mesmo que a NATO optasse por ceder em todos os pontos, a questão que se coloca é se não será demasiado tarde para Putin recuar sem ferir a imagem pública que tanto tem tentado preservar.

Portugal já se manifestou?

O ministro dos Negócios Estrangeiros português prometeu avançar com sanções à Rússia "numa escala nunca vista", se a tensão com a Ucrânia se agravar para um conflito militar.

Em entrevista à Renascença, Augusto Santos Silva defendeu que é necessário continuar a "esgotar" a via diplomática, mas avisa que qualquer reação agressiva terá uma resposta à altura da União Europeia.

"Serão medidas no plano político e no plano económico que, na nossa opinião, uma invasão da Ucrânia justificará", explicou.

O ministro dos Negócios Estrangeiros crê que a "diplomacia está a funcionar" e que o canal de comunicação política não ter sido interrompido é uma "boa notícia".

"Estamos a trabalhar, estamos a preparar as respostas às cartas do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia", indicou, apontando que a mensagem da NATO "tem sido sempre a mesma e tem sido coerente".

Quais os riscos para a Europa de uma guerra com a Rússia?

Uma potencial invasão da Ucrânia por tropas russas pode provocar mais de 50 mil baixas e quase cinco milhões de refugiados, a maioria dos quais na Polónia, de acordo com uma avaliação do Pentágono e dos serviços secretos norte-americanos.

O relatório revela, ainda, que uma ocupação russa tomaria a capital ucraniana, Kiev, em dois dias. O documento especifica que existem 83 batalhões russos, com aproximadamente 750 militares cada, preparados para um possível ataque, mais pessoal de apoio logístico, médico e aéreo.

Imagens de satélite, divulgadas esta semana, mostram o avanço de tropas russas na fronteira entre Bielorússia e Ucrânia. Uma grande base com tanques e artilharia foi quase totalmente esvaziada nos últimos dias. O equipamento parece ter sido movido para um território mais próximo da fronteira. A base está localizada em Yelnya, a cerca de 260 quilómetros da Ucrânia.

Em resposta, a Ucrânia iniciou, esta quinta-feira, a realização de exercícios militares que decorrerão até ao dia 20 de fevereiro.