Fui surpreendido pela notícia de que a Kodak, outrora líder mundial na fotografia, iria fornecer ingredientes para medicamentos genéricos destinados ao tratamento do coronavírus. Eu julgava que a Kodak tinha sido extinta, quando, em 2012, entrou em falência por causa da concorrência das câmaras digitais.
Em finais do séc. XIX a Kodak popularizou a fotografia de amadores com uma câmara inventada em 1888. Era a primeira máquina fotográfica com rolo de filme, a preço acessível. Durante muitas décadas a Kodak imperou no mercado mundial de fotografia.
Curiosamente, a Kodak até inventou o primeiro modelo da câmara fotográfica digital. Mas quis manter também o filme de celuloide, só que não aguentou a feroz concorrência das câmaras digitais. Em 2012 foi à falência.
Mas aproveitou um inteligente sistema americano de proteção a empresas que precisam de recuperar financeiramente; proteção frente a credores, por exemplo. A Kodak lançou-se, então, no fabrico e na venda de outros artigos, alguns muito distantes da fotografia – das criptomoedas aos “smartphones”. E agora, pelo que se sabe, entra no sector farmacêutico, com a bênção de Trump.
Seria bom que a TAP, uma companhia de aviação, pudesse fazer algo semelhante ao “renascimento” da Kodak – mas é difícil ver como. É que os problemas financeiros desta companhia de bandeira não são de agora, vêm praticamente desde que a descolonização lhe retirou os mercados protegidos da Angola e Moçambique. E não se vislumbra para que outro sector de atividade, que não a aviação, se poderia virar a TAP.
Decerto que uma reestruturação da TAP poderá limitar os seus prejuízos futuros, mas não mais do que isso. A crise generalizada da aviação, acentuada pela pandemia, leva a uma diminuição de passageiros, cujo volume só em 2024 deverá regressar aos níveis do ano passado, segundo o “Economist”. Lembra este semanário que antes da crise do coronavírus apenas 30 companhias aéreas eram lucrativas.
O apoio à aviação concedido pelo Estado francês, lembra o “Economist”, implica que não haja voos internos entre cidades que sejam servidas por comboios rápidos. Uma medida destas significaria, para a TAP, deixar de fazer voos internos. E também não será fácil que a TAP, mesmo apoiada financeiramente, consiga comprar novos aviões capazes de voarem com combustível menos poluente – um dos problemas da TAP é vender parte do excesso de aviões que comprou.
A posição do “Economist” é que os Estados não apoiem as companhias de bandeira e facilitem a entrada de novas empresas; recorde-se o papel que as “low cost” tiveram no crescimento do turismo estrangeiro em Portugal.
É uma posição discutível, mas que não deve ser ignorada. Importa que, entre nós, haja consciência de que a TAP não dará lucros, por muitos apoios que agora e depois receba. E que será preciso ter uma ideia sobre até onde o dinheiro dos contribuintes portugueses poderá manter a voar esta companhia, numa lógica de custos e benefícios não apenas económicos.