Filipe Santos: "Não podemos ter uma carga fiscal tão grande sobre o trabalho"
20-09-2022 - 07:00
 • Susana Madureira Martins

No ano em que a Católica Lisbon School of Business and Economics (SBE) cumpre 50 anos de existência, o director assinala que esta "é a escola do mundo que mais subiu" nos rankings, sendo, por exemplo, "a número 17 no mestrado em finanças".

Em entrevista à Renascença, Filipe Santos admite que ser professor no actual contexto de inflação "é dar aulas de uma forma inesperada" e que estão a acontecer "coisas que era quase impossível" há dez anos.

Com o aproximar da entrega e discussão do Orçamento do Estado, o dean Filipe Santos avisa que "não podemos ter uma carga fiscal tão grande sobre o trabalho" e considera as recentes medidas de apoio às famílias como "ajustadas", apontando, contudo, que "houve algum truque" na comunicação do Governo.

No site da Católica descreveu-se a si próprio como um académico e um empreendedor social que quer mudar o mundo. Neste mandato, e no ano em que a escola cumpre 50 anos, conseguiu uma ínfima parte desse objectivo?

Penso que sim. É muito importante rodearmo-nos do melhor conhecimento, do conhecimento mais rigoroso, mas temos que o levar à ação e, portanto, é esta a minha vertente de sempre, procurar a busca do conhecimento e depois aplicá-lo na prática ou através de novos projetos inovadores ou através, por exemplo, no caso de análise económica de políticas sensatas e rigorosas, com base em evidências.

A sua base é a economia social...

A minha base inicial é o empreendedorismo, depois aplicado à economia e inovação social.

A economia da Católica abriu pela primeira vez há 50 anos e trouxe uma escola de gestão de referência, até a nível internacional. É uma escola para elites ou essa é uma ideia feita?

Penso que é uma ideia feita. Aliás, qualquer aluno que seja muito bom e se candidatar à Católica tem bolsa integral para fazer os seus estudos. Portanto, nós temos bolsas para alunos de mérito, de facto, e que se distinguem. A Católica há 50 anos inovou em Portugal, lançando um ensino em gestão, havia já uma tradição de ensino em economia, mas não se ensinava a gestão empresarial e em 1972 a Universidade Católica lançou o primeiro curso em Administração e Gestão de Empresas em Portugal e até há histórias curiosas, como nos tempos quentes do pós 25 de Abril. Em 74/75 as Universidades públicas estavam fechadas e na Católica continuava-se a trabalhar de manhã à noite, a estudar e a aprender.

Houve ali uma geração de pessoas que se formaram e que formaram um pouco a espinha dorsal da classe empresarial e empreendedora portuguesa nos anos 80 e 90. Os antigos alunos do curso de Gestão da Católica tornaram-se os líderes de muitas empresas e empreendedores que criaram novos negócios.

Portanto, essa inovação foi importante e, aliás, quase 50 anos depois, quando a Católica voltou a inovar, lançando o ensino de medicina privado em Portugal. É sempre importante ter uma universidade não estatal, que se rege por um conjunto de valores e é de propósito diferente e que inove e que, ao inovar, acaba por também levar o resto do sistema a inovar.

Há uma competição enorme entre o Ensino Superior público e as universidades privadas, nomeadamente entre a Católica e as restantes escolas de gestão. Fazer parte dos rankings internacionais também chama e puxa muita gente do país inteiro, mas também a nível internacional e de lugares que não era esperado...

É verdade. Nós estamos presentes nos rankings mundiais do Finantial Times, entre os mais prestigiados cursos de 'business schools'. Desde 2007, fomos a escola pioneira em Portugal a fazê-lo. Estamos também com a chamada Tripla Acreditação Mundial, que é a acreditação das entidades americanas, inglesas e da Europa continental. E isso posicionou a nossa escola como escola de referência mundial. E, por exemplo, este ano nós subimos muitíssimo nos rankings, nas várias áreas de programas que oferecemos e somos número 27 do mundo em formação executiva. É a escola do mundo que mais subiu, a número 17 do mundo no mestrado em finanças, também é uma das escolas europeias que mais subiu este ano nos rankings. E esta semana tivemos a notícia de que tínhamos subido 17 posições, de 45 para 28 no mundo, no mestrado em gestão.

Isso aumentou o interesse de mestrados e doutoramentos?

Isso coloca a escola no panorama global, mundial do ensino, e tem repercussões claras. Por exemplo, na semana passada, quando iniciámos as aulas no início de setembro, 550 alunos de mestrado vieram de todo o mundo, 75 deles eram internacionais, não eram portugueses, eram alemães, italianos, da Escandinávia, alguns brasileiros.

A que se deve esse interesse? É por fazer parte dos rankings internacionais, por ser uma escola de referência?

É ser uma escola de referência e de reputação mundial, onde o ensino é visto como de qualidade e rigor. É uma escola também que manteve uma dimensão humana no sentido em que personaliza muito, costumiza o ensino às necessidades dos alunos. E depois há também aqui a questão mais global. Portugal é muito atrativo como pólo para receber alunos e investigadores para o Ensino Superior. Há a qualidade das escolas, do ensino e a relação qualidade preço e as vantagens de hospitalidade do país. São conhecidas na área do turismo, também funcionam na área do Ensino Superior.

E, de facto, há aqui um potencial enorme para Portugal ser um hub de atração de talento a nível global. Por exemplo, Londres e o Reino Unido tinham este papel, atraindo milhares e milhares de alunos de todo o mundo para estudar. Agora, com o Brexit, há ainda mais oportunidades para Portugal se assumir como este hub de atração mundial de talentos.

E a Católica Lisbon está a fazer o seu papel em várias áreas e, por exemplo, a Universidade Católica tem muitos alunos internacionais em medicina dentária e agora também está a ter em medicina e, portanto, nas várias áreas. Portugal pode ser um hub de atracção de talento internacional.

Resumindo, 50 anos já estão, desde 1972, mas como é que uma escola destas se mantém permanentemente no topo? É procurando os melhores professores e os melhores alunos? Como é que se consegue?

Faz-se com base em talento e talento de exceção e, portanto, a nossa aposta tem sido, desde há 20 anos, recrutar o melhor talento de professores a nível mundial. Nós temos 40% de professores internacionais e vamos buscar os melhores graduados das melhores universidades do mundo e, portanto, começamos pelo talento dos professores e também pelo talento dos alunos.

Quando nos colocamos nos rankings e temos reputação, atraímos o talento dos alunos. Daí também darmos bolsas de excelência para aqueles que são muito bons, mas que podem ter dificuldade em estudar e desta forma, criar um hub de talento. E a magia acontece. A magia é o ensino e o rigor na aprendizagem, a dedicação dos alunos. Há aqui um sentimento que é muito forte na Católica, que é a vontade de ter impacto no mundo e na sociedade.

Nós não formamos só por formar, formamos pessoas íntegras, com capacidades e que possam mudar as suas organizações, que possam mudar o mundo. Em Portugal, por vezes, há um sentimento pejorativo em relação às empresas. O setor privado, as empresas, as empresas são o motor do progresso e quando temos líderes responsáveis a gerir as empresas e a criarem valor para a sociedade, é assim que um país se desenvolve e progride.

Temos que apostar muito no setor privado, no setor empresarial também e, obviamente, no setor da economia social, porque é um setor híbrido, que tem um foco no social, mas também tem geração de receitas. Na saúde, por exemplo. Nós temos que apostar muito na promoção do setor privado com gestores competentes, com lideranças responsáveis. E esse é o papel também de uma Business School, de formar esse talento e de ajudar as empresas a fazer esse caminho.

Um aluno que saia desta escola tem emprego, trabalho garantidos?

Tem. Aliás, os rankings o que avaliam, a parte principal que avaliam, é o nível de empregabilidade. Por exemplo, no caso do nosso mestrado, quando o aluno acaba em 98% dos casos já tem emprego e ao fim de alguns meses é 100% e os rankings avaliam a progressão salarial e de carreira dos seus alunos. E, por exemplo, um aluno que se graduou no nosso mestrado ao fim de três anos já aumentou 64% o seu salário, que era de 70.000 €.

Portanto, os rankings vão objetivamente olhar para a progressão dos graduados das escolas e ver a performance que têm nas empresas e na sua carreira. Isso é sinal que os nossos graduados têm talento e se dão muito bem nas empresas onde vão trabalhar.

Tem-se falado muito da falta de residências universitárias para alunos, sobretudo no Ensino Superior público. A Católica certamente também tem alunos de todo o país e até alunos internacionais. Como é que se resolve o alojamento destes alunos?

Não era problema no passado, mas com o 'boom' de turismo que se verificou nos últimos cinco, sete anos em Lisboa, por exemplo, que é o que eu conheço melhor, começou a tornar-se mais difícil para os nossos alunos internacionais, que são muitos. Só para dar o exemplo dos 500 alunos que recebemos para o mestrado há 15 dias, 75% são internacionais e a grande maioria deles são europeus, alemães, italianos, escandinavos e, portanto, vêm para Lisboa morar durante um ano ou ano e meio e precisam de alojamento.

E há uma pressão de preços?

Começa a haver uma pressão grande de preços e depois também é interessante um aluno quando vem, no fundo, a receita para Portugal não é só a propina. O aluno quando vem é com o pacote todo: tem que viver, tem que se alimentar, tem que alugar uma casa, conhece a língua, conhece a cultura, fica a gostar de Portugal.

Portanto, há um benefício enorme de atrairmos alunos estrangeiros para Portugal, que passam e vivem cá durante um ano, dois anos, três anos. Agora, claro que depois a cidade e a região tem que investir também em termos de residências universitárias, outros espaços de aluguer e eu acho que está a começar a fazer esse trabalho. Houve ali alguma lentidão ao início, porque não se esperava que o 'boom' do turismo fosse tão rápido e tão forte. Agora há vários projetos de residências universitárias e, eventualmente, não será a prioridade da Universidade focar-se nesse tema. Deve ser a própria cidade e região a começar a criar oferta, porque a oferta também é fluída entre o turismo e entre a residência universitária. Há ciclos e há picos.

O ideal é que haja investimento em alojamento, tanto para residentes como para o afluxo de pessoas internacionais que querem vir morar para a região de Lisboa e para Portugal, que é um fluxo muito grande, não só em termos do ensino superior, mas em termos dos chamados nómadas digitais que vêm trabalhar, de executivos de empresas que querem cá colocar os seus profissionais e até pessoas que, em trabalho remoto, querem de facto fazer aqui o seu hub de trabalho e trabalham para o mundo.

Tem-se falado muito da atual situação económica e financeira do país. É uma verdadeira aula prática tudo o que está a acontecer, não só em Portugal, mas em vários países da Europa com a actual inflação?

Sim, é dar aulas de uma forma inesperada, porque nós vemos na realidade económica hoje em dia acontecerem coisas que era quase impossível acontecer nos manuais que nós estudámos há dez anos. Por exemplo, se se dissesse 'a taxa de juro vai ser negativa', não, isso não é possível. A taxa de juro tem que ser positiva e o custo é o valor do dinheiro. O dinheiro tem valor e é positivo. Pode haver ali um mês que haja uma taxa negativa, por alguma razão, mas não é possível. E tivemos durante cinco anos ou dez anos de taxas negativas, o que seria inesperado. Também a inflação está morta, está controlada pelos bancos centrais e, portanto, o problema é de deflação, não é de inflação.

De repente, surge a inflação quando ninguém esperava e há 25 anos que nós não sabíamos o que fazer e como gerir. Estamos a reaprender. O contexto de inflação traz uma grande diferença na vida das pessoas, das empresas e do Estado. Curiosamente, tem uma vantagem para o Estado e para o orçamento público, porque com a inflação, a receita fiscal em termos nominais aumenta bastante, o IVA aumenta automaticamente com o aumento de preços, porque o IVA está calculado sobre o valor dos produtos e, portanto, a receita fiscal aumenta, o que permite que a dívida, o peso da dívida sobre o PIB se reduza automaticamente, só havendo inflação.

O período inesperado de inflação dá uma possibilidade ao Governo de reduzir a dívida pública nacional, em particular, e também no peso do PIB. Isso para Portugal é muito importante porque continuamos com uma dívida muito elevada, de 127,5% do PIB e, portanto, num contexto de aumento das taxas de juro o pagamento dessa dívida e do juro dessa dívida pode ser demasiado oneroso para Portugal.

O que dá boas indicações às agências de notação internacionais?

O facto de conseguirmos criar uma dinâmica de pagamento da dívida ou de redução da dívida sobre o PIB aumenta a credibilidade do Estado na sua gestão de dívida pública, aumenta a notação de rating das agências, que já está a acontecer, o que permite também reduzir as taxas de juro e separarmo-nos um pouco dos países que estão em maior dificuldade, como a Itália e a Grécia. Se houver, digamos, uma crise das dívidas novamente, era importante que Portugal, estivesse não no grupo dos mais enfraquecidos, mas no grupo daqueles que estão a fazer o seu trabalho.

Como é que se ajuda as famílias a não sentirem tanto o impacto da subida das taxas de juro, nomeadamente no crédito à habitação?

A existência de inflação, que, como eu disse, ajuda o Estado a gerir a dívida, dificulta muito as famílias a gerir o seu orçamento, porque os custos estão todos a aumentar em várias frentes.Tivemos logo o impacto da energia e da gasolina, que aumentou imenso. Agora é também com as taxas de juro, o custo da habitação. Quem tem crédito à habitação, que é a maioria das famílias portuguesas, está também a sofrer um aumento por essa via.

Agora temos também aumentos na água, aumento dos produtos alimentares, que se refletem em todos os outros produtos e, de repente, no orçamento familiar há mais 10% a 20% de despesa para a mesma receita.

Isso é muito difícil de gerir, em particular para as famílias de classe média e baixa que não têm margem. Ou seja, uma classe média alta tenta não gastar tudo o que ganha e tem uma margem de segurança que é absorvida quando há inflação, mas não causa dificuldades de maior. A classe média média baixa, de facto tem essa dificuldade, em particular no período em que é apanhada de surpresa pela inflação e o salário ainda não ajustou.

Portanto, o pacote de medidas de apoio às famílias que o Governo implementou foi cauteloso na gestão da dívida e a tentar evitar compromissos futuros. Está a tentar antecipar liquidez no curto prazo para as famílias e ajudá-las com aquele valor para cada cidadão, para os filhos e para os pensionistas também com a meia pensão em outubro.

É uma forma de colocar liquidez imediatamente no bolso das famílias portuguesas que precisam de fazer face às suas dívidas, mas sem criar uma espiral inflacionista, no sentido em que se se aumentar muito as pensões e os salários para o próximo ano, isso vai também criar expectativa de continuação da inflação e vai criar o que se chama espiral inflacionista.

O que é importante é ajudar as famílias e as empresas no impacto de curto prazo, mas não alimentar essa espiral inflacionista, porque temos que quebrar a inflação com o aumento das taxas de juro, com o controlo de preços, para que se volte a uma inflação razoável que se calhar poderá cair para 4%, 5% e depois 2%. Porque senão nós iremos viver num ambiente de longo prazo de inflação que é péssimo para a economia.

Então o que está a dizer é que não vê assim tantos truques nestas medidas, como ouvimos aos partidos políticos?

Na forma de comunicação das medidas houve algum truque no sentido em que se calhar foi anunciado uma coisa como uma grande benesse, mas na prática era uma antecipação de liquidez que era retirada no futuro. Há aqui algum truque de comunicação.

Na minha opinião pessoal, enquanto economista e para a gestão do país, acho que as medidas são cautelosas, são ajustadas e tentam de facto, salvaguardar a boa gestão da dívida pública, do Orçamento de Estado, para nos dar também a almofada de segurança. Se houver uma crise futura muito grande, que não esperamos, para o ano ou daqui a dois anos o Estado português tem que estar numa situação de maior segurança orçamental e eu acho que este Governo, parece-me, está a tentar.

Trata-se de não usar os cartuchos todos agora para poder usá-los mais à frente?

Exactamente. É não assumir compromissos, já que se calhar pode assumir mais tarde, mediante uma análise da situação. A medida não é tão generosa como foi anunciada, é cautelosa, mas vai ao encontro de uma necessidade premente e urgente das pessoas e dos pensionistas. Pareceu-me ajustado o pacote.

Em relação à sustentabilidade da Segurança Social. Vê aqui um risco de a prazo não haver uma almofada para o pagamento das pensões?

Em termos de Segurança Social é a matemática a funcionar. Nós durante muito tempo tivemos vários trabalhadores para cada pensionista. Com o envelhecimento da população - que em Portugal é muito grande e acelerado - vamos começar a inverter e vai haver cada vez menos trabalhadores a alimentar as pensões das pessoas mais idosas.

Portanto, matematicamente isto só vai equilibrar de algumas formas: ou aumentando a idade da reforma ou reduzindo o valor das reformas que os pensionistas têm direito, uma vez que, sendo reformados.

O ideal é aumentar a dimensão da economia e do mercado de trabalho, atraindo imigração inteligente e proativa. Nós temos, neste momento, um desemprego baixíssimo, temos falta de mão de obra em diferentes setores, tanto qualificada como não qualificada. Temos falta de mão de obra para agricultura, temos falta de mão de obra para a construção civil, temos falta de mão de obra para a hotelaria, temos falta de mão de obra para as empresas digitais e quem quer desenvolver tecnologia.

A falta de mão de obra em Portugal é transversal em quase todos os setores. Isto é grave porque limita o crescimento da economia e limita a base fiscal que permite também alimentar a Segurança Social. E, portanto, era fundamental haver uma política agressiva e proativa de imigração e que possa, no fundo, trazer pessoas alinhadas e que se integrem na nossa sociedade e que possam combater o envelhecimento da população, porque temos que ter cada vez mais crianças.

Isso era até mais aceitável do que, por exemplo, mexer na idade da reforma?

Mexer na idade da reforma pode ter alguma justificação se as pessoas de facto com essa idade forem mais saudáveis e viverem muito mais anos. Poderá fazer sentido haver um ajustamento, já há um estabilizador automático e a idade de reforma já é ajustada automaticamente, com base na saúde dos portugueses, na esperança média de vida. E isso é bom que aconteça, haver esses ajustamentos automáticos, porque retira muito da discussão política e torna-se uma coisa mais regular.

Para se garantir a sustentabilidade da Segurança Social vai ter que se atuar em diferentes frentes. Gerir a idade da reforma, gerir o valor que é dado das reformas, não defraudando as expectativas das pessoas, mas garantindo o equilíbrio do sistema. A política essencial é aumentar a base da população ativa e a trabalhar, porque isso alimenta a economia, alimenta a base de receitas da Segurança Social e garante um futuro para todos.

Tem-se discutido muito o aumento dos salários, por exemplo, tendo como referência a inflação. É viável fazer essa correspondência?

Fazer essa correspondência o risco que se corre é alimentar a espiral inflacionista. Portanto, a inflação foi 8%, vamos subir os salários 8%. A acontecer isso, a economia também em termos nominais, de valor global, também aumentou 8% e, portanto, a oferta não ajustando imediatamente, se calhar no ano seguinte voltamos a ter 8% e entra a espiral inflacionista. Aqui é uma questão de expetativas.

Qual é a expectativa futura da inflação? E se houver credibilidade na política monetária dos bancos centrais europeus e português de dizer 'não, nós vamos combater a inflação e colocar a inflação a níveis razoáveis a 2% ou 3%', então seria razoável tentar conter o aumento dos salários, porque se o salário for com base na expectativa da inflação, que é muito elevada neste momento, estamos a alimentar a inflação e vai acontecer aquilo que receamos, que é uma inflação alta. Claro que há um custo, os portugueses vão perder poder de compra real na diferença entre o aumento de salário e o valor da inflação nesse ano.

Isso é um desafio. E ajustarmos essa situação é um desafio. Há famílias que conseguem comportar essa redução de poder de compra real e há famílias que não. O Estado tem que perceber a diferença entre umas e outras e ajudar aquelas que têm mais dificuldade. No contexto atual, os salários têm que aumentar pelo aumento da produtividade e pela criação de valor das empresas, e não simplesmente por pela inflação. Essa é a forma sustentável de aumentar salários, que têm que aumentar em Portugal. Ter empresas mais produtivas, que pagam melhor e que paguem menos impostos sobre o trabalho.

O grande desafio da economia portuguesa neste momento é que para alimentar os custos, digamos do Estado, estamos a cobrar impostos muito elevados sobre o trabalho. O trabalhador paga um IRS muito elevado e as empresas depois ainda vão pagar 23% sobre a massa salarial que atribuem aos seus trabalhadores. Se eu for um empresário e quiser aumentar o salário aos meus trabalhadores para os incentivar ou para atrair pessoas melhores, por cada euro que pago a mais, o trabalhador recebe por vezes 0,40 € de valor real, porque tudo o resto vai para imposto.

Se nós queremos premiar o trabalho, valorizar o trabalho e aumentar salários reais, não podemos ter uma carga fiscal tão grande sobre o trabalho. É tão elevada neste momento que está a desincentivar o trabalho e há pessoas que estão fora do mercado de trabalho, porque não vale a pena estar no mercado de trabalho, porque o que se ganha em subsídio de desemprego eventualmente poderá ser menos do que se está a trabalhar. Portanto, acho que temos que olhar de forma muito clara e rigorosa para a carga fiscal sobre o trabalho e reduzi-la na componente ou do trabalhador ou da empresa, ou ambas.

Está a falar de IRC e de IRS?

Estou a falar do IRS e da taxa de Segurança Social que as empresas pagam. O IRC é outro contexto, porque é sobre os lucros das empresas. Eu acho que o desafio em Portugal hoje em dia não é tanto o IVA e o IRC. O IVA é o imposto sobre o consumo e, portanto, é bom taxar o consumo porque de certa forma não se está a taxar a produção, está a taxar-se o consumo. É mais virtuoso em termos económicos.

O IRC, o imposto sobre lucros das empresas, taxar os lucros também é razoável. O que eu acho que não é razoável é taxar tanto o trabalho com taxas marginais de 50%, para o trabalhador e mais para a empresa, mais 23%. Isso é que não é razoável desincentiva o trabalho, à produtividade e acho que puxa para baixo a economia.

E no próximo Orçamento do Estado isso devia ser ponderado?

Devia ser olhado com muita clareza para a carga fiscal sobre o trabalho e ser feito uma política de revisão em baixa dessa carga fiscal, porque às tantas o Estado cobra imensos impostos e depois dá parte dos impostos em subsídios e tudo isto é ineficiente. A certa altura era melhor reduzir os impostos sobre o trabalho e sobre as famílias, para não ter que dar tanto dinheiro em subsídios para compensar, digamos, os impostos que se cobram.

Um eventual regresso do lay-off nas empresas. É a melhor opção neste momento?

O layoff foi uma excelente medida na altura da pandemia, porque as empresas tinham trabalhadores, não os podiam colocar a produzir por causa da pandemia, mas também não os deviam despedir porque era injusto para os trabalhadores e perdia-se capacidade produtiva. O layoff foi uma excelente medida. A melhor medida de apoio económico que no tempo da pandemia foi o layoff temporário.

Foi uma medida imediata que manteve a capacidade produtiva que ajudou as famílias e as empresas. No contexto atual não vejo como muito relevante nos desafios que a economia portuguesa enfrenta, que são a inflação, que são a falta de mão de obra no mercado de trabalho aos vários níveis de qualificação e a elevada carga fiscal que existe e que reduz o incentivo a trabalhar e atrair trabalhadores do estrangeiro para virem para Portugal. Não parece que o lay-off seja algo que deva ser equacionado ou ser muito relevante na discussão atual.