Igreja do Sul quer apostar no Caminho de Santiago
05-11-2015 - 17:31
 • Rosário Silva

Diocese de Beja acredita que o turismo religioso pode ajudar a dinamizar o Sul do país, como já acontece no Norte.

São cada vez mais os peregrinos provenientes da Europa, mas também de outros continentes, que percorrem os vários caminhos que levam a Santiago de Compostela.

Em Portugal, é o Norte que regista maior incidência, mas a região Sul quer "acertar o passo" e abrir-se a novos desafios, aproveitando os recursos que o turismo religioso proporciona. Em Beja, vão juntar-se durante dois dias peritos portugueses e espanhóis.

Esta sexta-feira, em Beja, acontecem as jornadas “Novas Perspectivas do Caminho de Santiago em Portugal e Espanha”. A Renascença entrevistou José António Falcão, director do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja e responsável pela organização das jornadas.

É cada vez mais crescente esta mistura entre turismo e devoção religiosa?

Os inquéritos que têm sido feitos ao nível da Europa mostram que há cada vez mais peregrinos que chegam de outros continentes. Estamos a falar de um turismo que se tornou global e reflecte esta contemporaneidade da cultura que passa por uma relação mais directa com a natureza, o reencontro consigo próprio e com os outros.

O que nunca devemos esquecer e que é, para mim, a grande mais-valia do Caminho, é esta possibilidade de diálogo interior, mas também feito nas pequenas comunidades por onde passam os caminhantes. Efectivamente, o fenómeno religioso está sempre presente e sem ele tudo ficaria, de certo modo, desprovido de sentido.

E para as pequenas comunidades, muitas despovoadas, ou mesmo para as cidades, esta passagem dos peregrinos é um acontecimento marcante.

Sim. O Caminho de Santiago atravessa todo o continente europeu, cruza as principais cidades, mas sobretudo os campos, o mundo rural, que, em muitos casos, está esquecido ou abandonado. Traz um sinal de esperança para os residentes. A passagem dos peregrinos é sempre um sinal de alegria, de partilha, de continuidade. Pode ser uma boa ajuda para as economias locais.

Mas há um outro aspecto que não pode ser escamoteado e que ao longo da Europa encontramos bem documentado: é o facto de os peregrinos trazerem grande vida aos centros históricos que beneficiam da sua passagem. Eles são tão especiais que precisam do nosso carinho, da nossa atenção, do nosso cuidado. Deve existir uma Europa de braços abertos para os acolher e encaminhar.

E esses benefícios também já são visíveis em Portugal?

Portugal integra o denominado Caminho Português. Na realidade, o nosso país é um dos mais antigos a peregrinar a Compostela. No século XIX, quando a peregrinação sofreu, depois das invasões francesas, uma grande decadência, foram principalmente os peregrinos portugueses que contribuíram para a manter viva.

Mas até à data, tem sido no Norte de Portugal, ali tão perto da Galiza, com a qual existem relações de irmandade, que os efeitos podem ser identificados com alguma facilidade. À medida que avançamos para sul, tudo isto se foi diluindo, também por uma razão histórica. É que Portugal depois de 1640 acabou por confundir, injustamente, o caminho com Espanha e a valorizar mais os santuários nacionais, esquecendo esta outra realidade.

Contudo, a peregrinação voltou na segunda metade do século XX e nos últimos anos têm sido os próprios peregrinos a descobrir os caminhos do sul. Isto é muito interessante, tendo em conta que o caminho mais clássico é o chamado Caminho Francês e este está francamente saturado. Ora, o Caminho Português oferece uma oportunidade muito consistente e tem sido, aliás, o que tem registado o maior número de visitantes sem esquecer o Sul do país (Algarve, Alentejo e Vale do Tejo).

Aproveitando esta reunião com peritos de Portugal e Espanha, o que se pretende de concreto com estas jornadas? Que “novas perspectivas” são essas?

Vai fazer-se um ponto da situação que permite acertar o passo. O que sucede é que no Norte do país, beneficiando da vizinhança com a Galiza, infra-estruturou-se o caminho. Estão sinalizados os percursos, existem albergues e há toda uma infra-estrutura presente no terreno. No Sul estão a ser dados, neste momento, os primeiros passos. Os peregrinos têm, ainda, algumas dificuldades em encontrar os melhores percursos.

Temos de conseguir, aqui, criar as condições adequadas. Contamos já com o empenhamento dos municípios e dos serviços oficiais do turismo e da cultura, mas é sobretudo ao nível da Igreja que o Sul tem de marcar uma posição mais enérgica.

De que forma?

Quando os peregrinos vão aparecendo são as paróquias e as misericórdias que os ajudam, tal como as associações de bombeiros, estas numa outra dimensão. Mas nos próximos anos vamos ter de passar deste acolhimento mais informal, para qualquer coisa bem presente no terreno e que possa levar mais longe este trabalho.

Seria muito interessante se as misericórdias aprofundassem esta situação. Aproveitando agora este magno Jubileu da Misericórdia, por que não conseguir que as nossas Santas Casas criem pequenos espaços onde estes peregrinos possam, quando necessário, pernoitar, descansar e até alimentar-se para retemperar forças para o longo percurso que os espera até Santiago de Compostela?

E quem fala das peregrinações à Galiza, fala também das peregrinações a Fátima, a Vila Viçosa ou até das peregrinações a Jerusalém ou a Roma. No fundo, isto caracteriza bem a nossa condição de peregrinos na vida. Cada um de nós é um “homo viator”, é alguém que encara a própria vida como uma peregrinação.

E esse é um desafio que deve ser escutado por toda uma Igreja que se quer mais acolhedora e acessível?

Hoje, um pouco por todo o país existe um entusiasmo renovado em torno do turismo religioso e creio que existe um fortíssimo potencial. Naturalmente que temos de ter em conta que quem peregrina tem características próprias. São pessoas que fazem um percurso duro, podem fazê-lo a pé, a cavalo ou de bicicleta, mas são sempre pessoas que viajam durante muito tempo e precisam de acolhimento, precisam de um sorriso, de uma palavra de alento, de um sítio para descansar.

Isto é algo que se coaduna perfeitamente com a Pastoral da Cultura, e agora até com uma pastoral ecológica, na medida em que temos aqui uma excelente oportunidade para exercer tudo isto.

É muito interessante porque o Caminho de Santiago tem ajudado ao revigoramento do interesse, em muitos territórios, pelo passado, pela história, pelas próprias devoções, tradições ou cultos esquecidos que os peregrinos ajudam a ressuscitar. Podemos encontrar aqui um instrumento ao serviço de uma nova evangelização.