O filme "The Post", com duas nomeações para os óscars 2018, constitui um abanão e uma convocatória para o jornalismo dos nossos dias. Nele Spielberg confronta-nos com uma velha fórmula de controlo da informação pelo poder: sonegar os dados e pressionar ou perseguir quem, uma vez na posse deles, se atreve a divulgá-los. Do ponto de vista dos cidadãos, é objectivamente de notícias falsas que estamos a falar, visto que a sonegação e a censura, direta ou indireta, são formas de alimentar uma visão distorcida da realidade (no caso, da guerra no Vietnam).
O interesse do filme vai mais longe, uma vez que, na trama narrativa, se entrelaçam outros conflitos e processos que me pareceram de grande interesse. Um deles, tão antigo como o verdadeiro jornalismo, é o que se prende com a tensão, elevada ao limite, entre o que importa à Redação e o que interessa à Administração. É precisamente no cerne desse conflito, marca de toda a componente dramática do filme, que se salientam as prestações dessas duas figuras maiores do cinema mundial – Tom Hanks e Meryl Streep. Esta última, no papel de impreparada herdeira precoce da gestão e dos destinos do jornal da família, pressionada de forma asfixiante quer por acionistas da empresa quer pela Casa Branca, atravessa doloroso dilema, para acabar numa decisão solidária com a opção editorial do jornal, assim se emancipando e agigantando.
Como é óbvio, não se pode desligar este filme de Spielberg do clima inaugurado pela presidência de Trump e da sua apologia dos “factos alternativos” e permanente catilinária contra os “failing media”. O realizador leu o guião já entrado 2017 e as filmagens ainda se faziam no verão. O realizador não deixa dúvidas: “A urgência de fazer The Post” deveu-se à Administração de Trump” (The Guardian, 19.01.2018). A mensagem que salta da obra é a da firmeza do jornalismo perante a verdade, por muito que doa, sobretudo, quando são vidas humanas e o interesse público que estão em causa.
Mais do que qualquer explicação, o filme revela-se um documento triplamente pedagógico: porque enuncia desafios perenes do jornalismo, numa hora de grandes tropelias nos seus valores fundamentais; porque mostra que as “fake news” são bem mais do que as caricaturas que delas fazem; e porque traz à cena acontecimentos reais de repercussão mundial, em redacções que, apesar de próximas de nós, nos mostram como também do ponto de vista das tecnologias, o jornalismo mudou.