Ajuste direto.“Há municípios que não têm um único jurista”
15-03-2023 - 10:45
 • João Carlos Malta

A presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, a socialista Luísa Salgueiro, defende que não há possibilidade de haver uma utilização excessiva ou abusiva do ajuste direto.

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"O império do ajuste direto"


A presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Luísa Salgueiro, comentou esta quarta-feira os resutados do especial da Renascença "O império do ajuste direto", que revelou que, entre os anos de 2020 e 2022, o Estado e o setor público - que engloba autarquias, entidades públicas, ordens profissionais, etc - fizeram 2.551 contratos de serviços com escritórios de advogados, mas desses apenas 25, ou seja 1%, é que foram celebrados através de concurso público.

À Renascença, Luísa Salgueiro defende a legitimidade da opção pelo ajuste direto e ressalta que "importa conhecer a realidade e perceber que alguns dos contratos com escritórios de advogados são destinados à representação dos municípios ou dos autarcas em juízo".

Nos três anos analisados pelo nosso trabalho, apenas 1% dos contratos entre o Estado e serviços públicos e os escritórios de advogados foram feitos por concurso público. As autarquias fazem parte deste grupo onde há uma desproporção enorme entre o recurso ao ajuste direto e a contração pública. Porquê?

O ajuste direto é um dos procedimentos de formação contratual previstos no Código dos Contratos Públicos (CCP). O recurso a este procedimento – ao abrigo do critério do valor ou de critérios materiais – pressupõe a observância e cumprimento de certos requisitos ou condicionalismos legais, bem como uma cuidada fundamentação de facto e de direito. Como é sabido, o ajuste direto é um procedimento com uma tramitação mais ligeira e, portanto, mais ágil e mais célere, que permite responder, em tempo útil, a determinadas necessidades aquisitivas das entidades adjudicantes, entre as quais os municípios.

As exceções para utilização do recurso ao ajuste direto são largamente usadas pelas autarquias e entidades públicas. Porquê?

O recurso ao ajuste direto pelos municípios acontece dentro do quadro legal e regulamentar em vigor e de acordo com os condicionalismos legais estabelecidos, não havendo possibilidade da sua utilização excessiva ou abusiva. Portanto, os municípios recorrem ao ajuste direto dentro das exceções legalmente estipuladas, sendo, obviamente, fiscalizados pelo Tribunal de Contas e pela Inspeção Geral de Finanças.

Esta opção tão massificada não desvirtua a concorrência no mercado e põe em causa a transparência?

Todos os contratos públicos, incluindo os celebrados por ajuste direto, são objeto de publicitação no portal dos contratos públicos. Se essa publicação não for feita, existirá um problema de ineficácia que é impeditiva de pagamento.

Portanto, mesmo os contratos por ajuste direto são públicos e são transparentes. Cada município, no uso pleno da sua autonomia administrativa e financeiro e no estrito cumprimento da lei, recorre aos procedimentos pré-contratuais que dão resposta, em cada momento, às situações concretas.

No caso das autarquias, há vários contratos de centenas de milhar de euros com escritórios de advogados nos últimos três anos. As câmaras não têm capacidade interna para responder às necessidades?

Normalmente, os municípios só contratualizam externamente serviços de consultoria jurídica por manifesta ausência ou insuficiência de recursos internos. Esta realidade é variável em função da dimensão dos municípios, havendo casos em que não têm, nos seus quadros, um único jurista. Para além disto, importa conhecer a realidade e perceber que alguns dos contratos com escritórios de advogados são destinados à representação dos municípios ou dos autarcas em Juízo, o que pressupõe sempre um grau de confiança entre o cliente e o advogado.

Há um problema com a figura do concurso público que o torna um instrumento inutilizável, como dizem alguns especialistas em direito administrativo?

Não conheço qualquer opinião no sentido de que o concurso público é um instrumento inutilizável. De qualquer modo, o concurso público é um procedimento de formação contratual por excelência e é manifestamente utilizado nas situações de maior complexidade ou maior volume financeiro, nomeadamente nas empreitadas de obras públicas.

A judicialização de muitos atos administrativos faz com que as autarquias tenham de recorrer mais a serviços jurídicos? As verbas gastas com escritórios de advogados têm tendência a crescer?

Na ANMP, enquanto associação representativa dos municípios, não temos como missão acompanhar os processos administrativos dos nossos associados e, por isso, não dispomos de dados que nos permitam saber se há, ou não, uma tendência crescente de judicialização dos processos.