Do Bloco e dos chineses ninguém se livra tão cedo
29-11-2018 - 19:14

Eis uma das grandes lições do OE 2019: o lobby energético continua invencível. Nenhuma novidade mais a não ser a ameaça: “Não pensem que se vão livrar de nós!”, avisa o Bloco.

Sócrates entusiasmava-se com Chávez e a possibilidade de exportar o “Magalhães”. Ana Mendes Godinho pedia, ontem, “por favor” aos chineses do Alibaba que usassem Portugal como “cobaia” para entrar na Europa. O nome do grupo não augura nada de bom. Nem de novo. Aconselhava-se, por isso, maior prudência: os venezuelanos não pagaram e os chineses far-se-ão pagar, a peso de ouro, pelos seus favores. Ofereceram milhares de milhões pela EDP? Pois. Mas cá estamos a pagar-lhes com juros na conta da eletricidade. Nem as coligações negativas conseguiram baixar-lhes significativamente a fatura.

Eis uma das grandes lições do OE 2019: o lobby energético continua invencível. Nenhuma novidade mais a não ser a ameaça: “Não pensem que se vão livrar de nós!”, avisa o Bloco.

Catarina Martins disse-o, como recado ao PS e ao país, para que ficasse ainda mais claro: nada acaba com a aprovação do Orçamento. A geringonça ainda mexe. Virão ainda as “fraturâncias” que faltam e as que se conseguirem inventar até outubro. As promessas possíveis com pagamento diferido e as propostas criativas ao estilo taxa-Robles (ou outros impostos S. Tomás, mesmo que não saiam da gaveta como a taxa!). Na carruagem do poder, onde resistiram estoicamente a viajar de pé e sem bilhete, nos últimos quatro anos, o Bloco propõe-se fazer o resto do caminho sentado, comodamente, e na cabine. Em outubro ver-se-á se consegue.

Costa, finalmente acordado no debate orçamental, sorriu e acenou. À saída, com Nuno Santos ao lado na função do “pica” da geringonça, mostraram-se os dois ufanos, exibindo os quatro dedos. Quatro. Quatro orçamentos já lá vão. Com um défice a aproximar-se de zero, um desemprego nos mínimos dos últimos 16 anos, uma dívida integralmente paga ao FMI (anúncio feito ali mesmo, uns minutinhos antes, fresquinho, em pleno debate… para humilhação da direita). Um tratado orçamental cumprido à décima e, sabe-se lá, talvez mesmo “além da troika” e transformado no superavit odiado pelo PC e pelo Bloco. Ironia do destino e frustração máxima dos velhos parceiros da PAF agonizante que sempre quis tudo isto e nunca conseguiu.

Do lado direito do hemiciclo o PSD fez-se quase de morto, deixando crescer o “otimismo irritante” da antiga parceira de coligação. Assunção Cristas preencheu o vazio deixado pelos sociais-democratas, divididos por querelas internas e sem líder que se visse em toda a discussão, e deixou-a anunciar, convicta, que quando “for primeira-ministra…” não fará como Costa e dará a cara para defender a sua lei orçamental.

Pouco importa se é ou não realista o cenário de um CDS a liderar a direita, ou se as suas 156 propostas foram ainda mais inócuas do que a centena apresentada pelos sociais-democratas. Todas ou quase remetidas para a gaveta. Também de nada interessa que nenhuma tenha provavelmente ficado na memória de alguém e a escassa vitória conseguida, a quatro, tenha sido obtida com a coligação negativa que forçará o Governo a voltar à mesa de negociações com Mário Nogueira. Ironia do destino.

Um gesto inexplicável de união entre CDS, PSD, Bloco e PCP dando corpo a uma espécie de loucura despesista que não cola, nem com o armamentário, nem com o ideário, e muito menos com o passado da velha PAF, agora numa espécie de divórcio amigável.

Fosse a direita Governo e os professores receberiam mais tempo do que os dois anos e tal que o PS lhes promete devolver e contar? Alguém acredita? Alguém esperava? Alguém desculpa uma tal manipulação dos descontentamentos vagamente corporativos que continuam a existir? Sabendo que depois dos professores virão em fila, e segundo a mais elementar justiça, militares, polícias, enfermeiros, juízes? Não tem graça que ocorra uma nova negociação porque o PSD quis e o CDS também? Eles que foram paladinos da inevitabilidade dos cortes e da prudência das devoluções?

Eis a armadilha montada por Costa e que poderá muito bem reverter a seu favor. Querem os portugueses que o IVA das touradas baixe mais do que o IVA pago na aquisição de uma série de bens e serviços que lhes parecem muito mais essenciais? Querem que, mesmo sem estudos técnicos, lhes sirvam como gratuitas mais uma série de vacinas cujo pagamento vai direitinho para os bolsos das grandes farmacêuticas, quando a moda agora é contestar o mínimo obrigatório que já consta do plano de vacinação? São essas as grandes alternativas à Governação?

Ficará o povo profundamente feliz porque, nessa salganhada de votos parlamentares, o PSD e o CDS se uniram ao Bloco e ao PCP para poderem dizer que deram mais uns milhões à Cinemateca ou uns milhares à Polícia Judiciária? Duvida-se. E tudo somado, as alterações não foram a tão temida “catástrofe orçamental” que Costa disse temer. Tudo somado, as alterações aprovadas ao texto do Governo resultaram nuns escassos 100 milhões (contra os 5,6 mil milhões que a soma das propostas de alteração anunciava!). Tão poucochinho que nem foi preciso alterar nem o défice nem o limite de endividamento que já constava do texto. Zero.

Certo certo é as famílias terem em ano eleitoral mais reembolsos do IRS, e bem provavelmente menos retenções na fonte, porque o impacto da descida do imposto foi pré-programada para durar até final da legislatura. Os pequenos empresários viram cair o “abominável” PEC, os funcionários públicos terão integralmente devolvidos rendimentos, desbloqueadas as carreiras e, quem sabe, o que mais se conseguir anunciar para 2020 e seguintes. Os pensionistas terão os dez euros prometidos para todos, e aqui e ali um bocadinho mais. Os muito pobres serão um bocadinho menos pobres com os escassos euros acrescentadas a cada prestação (CSI, IRS, etc). Os jovens casais receberão um pouco mais de abono pelos filhos pequenos e os que estudam terão manuais gratuitos e propinas reduzidas.

Más notícias talvez ser venham a descobrir mais à frente, se as houver, nas letrinhas pequenas do articulado. Para já ficam as boas e a certeza de que pelo menos, até outubro, o mais certo é as rodas da geringonça não deixarem de rodar. Se o PSD continuar armado em lebre…